Mais de 90 anos depois da sua fundação, pela primeira vez, em 2013, o edifício-sede do Núcleo de Arte, na cidade de Maputo, vestiu-se de uma nova imagem. É a par disso que para o actual elenco da direcção da instituição – que criou artistas, cruzou gerações, tornou-se uma referência incontornável no país e no mundo – as razões do orgulho se resumam num facto: “Estamos a “recauchutar” o bem patrimonial”.
Fomos conhecer o Núcleo de Arte já “recauchutado”. Ali, na Rua da Argélia número 194. A casa está diferente. Enquanto se fazia o fecho desta edição, na quarta-feira, 27 de Fevereiro, o espaço acolhia pessoas que iam testemunhar a sua inauguração, desta vez já reabilitada. Do elenco actual que, neste momento, está no seu segundo mandato, Artur Vicente é o presidente. André Macie exerce as funções de secretário, ao passo que Hélder Nhackotou é vogal.
Existem ainda os célebres Victor Sousa e João Fornasin (Forna) que fazem parte do conselho fiscal, mas, para perceber alguns aspectos da dinâmica daquela instituição cultural, falámos com o vogal Hélder Nhackotou.
Estamos engajados no trabalho
“Deste 2011 até os dias actuais, a direcção do Núcleo de Arte está com as atenções viradas para o projecto da reabilitação das suas instalações. Neste momento estamos a terminar a primeira fase do processo que envolve a reestruturação do edifício principal. Por essa razão, ainda que durante 2012 as actividades tenham decorrido de modo normal, não realizámos muitos intercâmbios”, começa por dizer o artista.
“Aproveitámos o espaço anexo ao Núcleo de Arte – reservado para a produção de obras de cerâmica – para realizar algumas actividades, incluindo, até, as de natureza burocrática. Estamos a trabalhar no sentido de produzir um boletim cultural – de que já existe a edição zero no site da organização – sobre as actividades do Núcleo de Arte. Temos estado a receber opiniões dos leitores, 80 porcento das quais indicam que estamos num bom caminho”, considera Nhackotou que não poupa esforços para falar da sua instituição: “Está prevista, ainda neste ano, a criação do Gabinete de Comunicação e Gestão de Actividade, um programa que em certo grau irá libertar a equipa executiva das várias actividades que desenvolve”.
Um projecto filantrópico
Para 2013, está prevista, no Núcleo de Arte, a realização de várias actividades desde workshops, exposições e movimentos de intercâmbio artístico-cultural. A par disso, Nhackotou – que afirma que muitos artistas ainda estão por agendar as suas actividades. – afirma que, com a nova dimensão que o Núcleo de Arte possui, os custos da sua exploração também irão tornar-se onerosos.
Falou do projecto Mozambikes, típico de uma acção de filantropia, iniciado em 2012, a fim de afirmar que “ainda está em curso. A primeira fase – que constitui a criação de obras de artes a partir de bicicletas – já terminou. Neste ano, far-se-á a mostra daquilo que foram os resultados da iniciativa. As obras voltaram para as oficinas da empresa Mozambikes para serem feitos os trabalhos finais. Isso implica a colocação de novos suportes para garantir a conservação das criações”.
De acordo com o artista, o objectivo do projecto Mozambikes é promover o leilão das obras, para que o fundo que daí resultar seja doado às instituições que desenvolvem acções de filantropia em zonas recônditas do país. Lá onde há pessoas que – por diversas razões, a pobreza e as calamidades naturais, por exemplo – experimentam dificuldades sociais. Aliás, já foram identificadas algumas das referidas instituições. Os centros de saúde são um exemplo.
Encontrámos inúmeras dificuldades
O novo elenco da direcção do Núcleo de Arte está no seu segundo mandato. A reabilitação da galeria é, de facto, um grande ganho. Quais são, então, as principais dificuldades encontradas na instituição?
Considera que os desafios foram vários: um dos principais foi a necessidade de recauchutar o património físico da casa. “Ela já estava, completamente, a apodrecer. Sentimos uma necessidade de dar uma prioridade ao assunto. Estávamos a correr o risco de um dia ficarmos sem tecto. Tomámos este desafio como uma prioridade, razão pela qual tivemos de trabalhar duramente para a sua materialização”.
“As instalações são muito velhas, a partir do próprio edifício central que estava a cair aos pedaços. A parte secundária que comporta a oficina e os anexos, neste momento, também irá precisar de mesma atenção. Estamos a trabalhar com os nossos parceiros para que – dentro dos acordos que temos – os anexos também sejam reabilitados. O outro é a necessidade de organizarmos os arquivos do acervo da instituição: temos muita informação que deve ser estruturada e organizada. Já encontrámos uma instituição que está interessada em apoiar-nos neste sentido”.
Um desafio (necessário e) precioso
Num país eminentemente jovem, como Moçambique, em 92 anos, a idade do Núcleo de Arte, gerações humanas cruzaram-se, novos estados formaram-se, vicissitudes operaram-se e artistas plásticos moçambicanos tornaram-se célebres no mundo. Macambaku, Samate Mulungo, Malangatana e o escultor Chissano, por exemplo, são alguns que já encontram a morte. Um facto, no meio de tudo, é que, ao que tudo indica, até à sua partida não se havia feito nenhuma documentação sobre a história do Núcleo de Arte.
O Núcleo de Arte existe desde o período colonial. Por isso, há necessidade de se fazer um registo documental em que se fale desse percurso. Esse é o desafio que os dirigentes daquela organização se propõem enfrentar. Ou seja, a criação de um livro sobre a instituição que irá retratar aspectos inerentes à sua vida e obra, desde a sua fundação até os dias actuais. Quem foram os pioneiros da sua fundação? O que se fez para o seu desenvolvimento? E como foi realizado?
Isso, para Nhackotou, “significa que é muito importante que se encontrem patrocínios porque o Núcleo de Arte não dispõe de recursos financeiros para que esse projecto seja materializado com alguma urgência sob pena de se perder essas fontes de informação”.
Aliás, o artista enfatiza que, infelizmente, “estamos a perder muitos artistas plásticos consagrados, no país, e não lhes temos explorado em nada no campo da informação. É certo que existem outras instituições – como, por exemplo, o Museu Nacional de Arte, o Arquivo Histórico – que podem facultar-nos alguma informação, mas a mesma é básica”.
Nas palavras de Nhackotou, a direcção actual do Núcleo de Arte – que faz parte de uma geração muito recente – não dispõe de muita informação sobre a vida da instituição.
Sabe-se, porém, “que temos artistas que viveram todos esses períodos. O escultor Chissano e o pintor Malangatana, já falecidos, são algumas das pessoas que nos podiam falar muito bem do referido percurso. Receia-se que, provavelmente, não tenham feito registos pessoais sobre a vida da referida casa de cultura”.