Samuel Chavangavane, de 35 anos de idade, a esposa e duas filhas vivem à beira de um precipício criado por uma saibreira explorada pela empresa CRBC-China Road & Bridge Corporation, desde meados do ano passado, para alimentar o projecto da Estrada Circular de Maputo. Contudo, a Empresa de Desenvolvimento de Maputo Sul, dona da empreitada, ignora o perigo e o sofrimento da família, cuja residência está a menos de 50 metros de onde é retirado o saibro. Ela queixa-se de isolamento e marginalização na medida em que as pessoas que se encontravam a menos de 200 metros do local foram reassentadas e indemnizadas, pese embora num lugar sem condições as mais elementares condições de habitabilidade.
Samuel Chavangavane vive no bairro 29 de Setembro, no distrito de Marracuene, na província de Maputo. A sua habitação não escapa aos olhos de qualquer transeunte dada a sua estrutura e acabamentos, o que dá a impressão de que investiu bastante para morar num sítio modesto. O que para essa família foi, no passado, um lugar aconchegante, paulatinamente, perante a indiferença das autoridades, tornou-se um pesadelo que pode culminar com uma tragédia.
O desassossegado do homem é de tal sorte que está a protagonizar um braço-de-ferro com o Serviço Distrital de Planeamento e Infra-estruturas (SDPI) de Marracuene e a Empresa de Desenvolvimento Maputo-Sul com vista a ser deslocado para um terreno seguro, à semelhança dos seus antigos vizinhos. Contudo, as duas entidades fazem-se rogados supostamente porque “não há lugar para a compensação e o reassentamento uma vez que a sua casa não é abrangida pela expansão da saibreira. E todo o perímetro da área de expansão do trabalho por parte do empreiteiro já foi devidamente demarcado incluindo a área de protecção a fim de salvaguardar as infra-estruturas.”
Messias Mabutana, líder comunitário do bairro 29 de Setembro, não teve meios para contrariar a decisão dos técnicos do SDPI e da companhia Maputo-Sul, tendo assinado a carta que impede que Samuel Chavangavane seja reassentado e indemnizado. O jovem disse ao @Verdade que não percebe por que razão está a ser relegado a uma cratera enorme e profunda, agora protegida por uma malha metálica. As filhas do jovem frequentam a 3ª e a 5ª classes na Escola Primária 29 de Setembro de Marracuene. Para irem à escola fazem “gincanas” porque a única via rápida está apenas aberta às máquinas.
A parte oeste da habitação do indivíduo supostamente injustiçado faz fronteira com um aviário abandonado e, finalmente, na parte sul encontra-se um cemitério familiar aparentemente em desuso. As delimitações acima referidas condenam o nosso entrevistado a um isolamento total, para além de que as possibilidades de contrair doenças devido a poeiras causadas pelos camiões que extraem areia. Sobre o facto de Samuel Chavangavane não estar a ser reassentado e compensado, a nossa Reportagem contactou o SDPI de Marracuene mas ninguém se encontrava disponível com vista a esclarecer o assunto.
Todavia, determinadas pessoas abalizadas em matérias de construção, ouvidas pelo @Verdade, consideram que Samuel Chavangavane não foi, talvez, reassentado e ressarcido por a sua casa ser onerosa. Virgílio Sitole, do Gabinete de Comunicação e Imagem, da Empresa de Desenvolvimento Maputo- -Sul, alegou, ao nosso Jornal, que o cidadão lesado e o SDPI do distrito de Marracuene em nenhum momento remeteram o problema à empresa que implementa o projecto da Estrada Circular de Maputo.
“Oficialmente não temos informação sobre este caso específico”. Virgílio Sitole acrescentou que o processo de reassentamento ainda não está encerrado. Entretanto, parece que ele faltou à verdade ou, quiçá, não sabia que os técnicos da sua instituição, Celso Souto e Alfredo Miambo, e do SDPI de Marracuene, Cremildo Machava, já emitiram um despacho que martiriza Chavangavane e os seus parentes. “Se os técnicos do Serviço Distrital de Planeamento e Infra- Estruturas de Marracuene concluírem que Samuel deve ser reassentado, assim será feito”. Aliás, a vítima assegura que já esteve na empresa Maputo-Sul e foi atendido por Celso Souto.
Insatisfeito com a situação, Chavangavane expôs o seu caso, esta terça-feira, 22 de Abril, ao Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), onde foi orientado no sentido de remeter uma queixa à Direcção Provincial da Acção Ambiental da Matola e aguardar pelo decurso do processo. O jovem foi igualmente informado de que a CRBC-China Road & Bridge Corporation não tem licença para explorar a saibreira, por isso, ele devia intentar um acção contra o empreiteiro ao SDPI e a companhia Maputo-Sul.
O desagrado da Livaningo
A Livaningo, uma organização não-governamental (ONG) de advocacia e educação ambiental, desenvolvimento sustentável e justiça social, está indignada com o facto de o processo de reassentamento das famílias abrangidas pelo projecto de construção da Estrada Circular de Maputo ser lesiva aos interessados, pois a avaliação dos imóveis e bens não tem sido satisfatória e a maioria da população considera a compensação injusta. Segundo a organização, algumas pessoas foram coagidas. Nestas circunstâncias, foram obrigadas a assinar documentos nos quais concordavam com a avaliação efectuada em relação às suas residências sob o risco de ficarem sem nenhuma recompensa.
“Tem havido cooptação, isto é, as pessoas que se aliam e ajudam na coacção dos seus vizinhos têm tido uma melhor avaliação e, consequentemente, um valor maior de compensação. Os espaços sagrados também não tiveram a devida consideração, a componente tradicional africana moçambicana não foi contemplada”, refere a instituição. Num outro desenvolvimento, a Livaningo indica que as autoridades municipais não assumem a sua responsabilidade na disponibilização de espaços para as pessoas serem reassentadas.
“O modelo de compensação utilizado foi o pagamento em dinheiro das infra-estruturas afectadas e o fornecimento de terrenos para a construção de casas, mas este modelo não corresponde à capacidade real dos órgãos competentes para a sua execução satisfatória”. O que indigna, também, a Livaningo é que durante o reassentamento houve gente que teve em sua posse a compensação em dinheiro para construir a sua residência mas que não dispõe de espaço para o efeito.
“Há uma probabilidade muito elevada de as famílias gastarem o valor integral da compensação adquirida, antes de o talhão ser atribuído, e ficarem sem casa e sem condições para construírem uma nova moradia condigna”. Para a Livaningo o acesso à informação é fraco, pois até o momento algumas famílias têm as suas casas marcadas mas não foram contactadas para a avaliação dos seus imóveis. Só sabem que não podem realizar nenhum tipo de obra e quando questionam as entidades envolvidas há uma discordância entre o que diz a Empresa de Desenvolvimento de Maputo Sul e o Concelho Municipal da Cidade de Maputo.
“Todos os abrangidos iriam ser reassentadas no mesmo bairro de origem e usufruiriam das mesmas condições anteriores ou melhores, mas o que acontece é que nos locais de reassentamento não existem condições de habitabilidade, as crianças têm de percorrer longas distâncias para chegarem à escola, não existem poços nem fontanários, há bairros sem energia eléctrica, onde existe electricidade as famílias devem custear a sua ligação, não existem postos de saúde nem vias de acesso em boas condições”.