As empresas do sector extractivo evitam, regularmente, o pagamento de impostos através da extrapolação dos custos de exploração. Em 2012, a Anadarko declarou custos de exploração, em Moçambique, de 700 milhões de dólares. Um ano depois, declarou custos de exploração de três mil milhões de dólares. O Governo deveria fazer uma auditoria imediata aos custos de exploração da Anadarko e da ENI. Os contratos prevêem uma auditoria inicial dos últimos três anos, podendo-se alargar o período, em caso de indício de “manifesto incumprimento dos procedimentos aplicáveis, fraude ou conduta dolosa”.
Mesmo no cenário mais optimista, as primeiras receitas para o Estado provenientes da exportação de Gás Natural Liquefeito (LNG, sigla inglesa) da bacia do Rovuma só entrarão nos cofres do Estado daqui a cinco anos. Mas essa receita do Estado já está em risco devido às despesas de exploração inflacionadas, que não estão a ser monitoradas nem auditadas, adequadamente, pelo Governo.
Isto acontece porque, no sistema de partilha de produção que governa as concessões da Bacia do Rovuma, a divisão do “gás lucro” entre o Estado e as empresas só começa depois da recuperação de custos pelas empresas. Quanto maior forem as despesas, mais tempo o Estado tem de esperar pela sua parte do gás lucro. A experiência de outros países em desenvolvimento ricos em recursos, sugere que as empresas petrolíferas internacionais declaram despesas inflacionadas e/ou não elegíveis, reduzindo assim a parte do lucro do Estado (ver estudo de casos de Timor-Leste, Indonésia, Índia e Alasca abaixo).
Os Contratos de Concessão para a Exploração e Produção (EPCC) de Moçambique incluem provisões claras para a supervisão das despesas de exploração por parte do Estado. As empresas devem apresentar um plano de exploração que inclui custos previstos para aprovação, no início do ano, e uma “declaração de recuperação de custos”, com uma lista das despesas declaradas, no fim de cada ano. Todavia, a pesquisa do CIP sugere que estes processos não estão a ser seguidos de forma rigorosa e que declarações com despesas inflacionadas estão a ser aceites sem uma análise cuidada.
Os riscos, para a receita do Estado resultante de despesas de exploração inflacionadas, são significativos, mas não se comparam ao risco de despesas inflacionadas durante a fase de desenvolvimento, que deverá começar em 2015 e que envolverá dezenas de milhões de dólares. Uma vez que a extrapolação de custos em projectos de gás natural é comum e não a excepção (frequentemente em 45% ou mais), as oportunidades para inflacionar os custos são excepcionalmente elevadas. É fundamental que Moçambique implemente uma supervisão rigorosa antes do início da fase de desenvolvimento.
Existe apenas uma resposta eficaz do Estado aos riscos da despesa inflacionada: auditorias detalhadas. Estas auditorias são realizadas regularmente noutros países, conforme demonstrado nesta publicação. Produtores Africanos emergentes, incluindo Quénia, Uganda e Gana (ver caixas abaixo) estão cada vez mais a focalizar a auditoria na exploração e desenvolvimento para proteger a receita do Estado.
O Estado deve proteger, desde já, as receitas do Rovuma através dos quatro passos seguintes:
• Divulgação: o Governo deve divulgar, imediatamente, as declarações anuais de recuperação de custos apresentadas pela ENI e Anadarko de 2006 a 2013;
• Documentos: o Governo deve assegurar, imediatamente, que todos os documentos relevantes para fundamentar as declarações de recuperação de custos das empresas ficam em Moçambique (frequentemente não é o caso – ver o estudo de caso de Timor);
• Auditorias: o Governo deve iniciar uma auditoria formal às ‘declarações de recuperação de custos’ anuais da ENI e Anadarko dos últimos três anos, conforme previsto nos contratos de EPC;
• Auditorias Secundárias: se a primeira ronda de auditorias revelar “manifesto incumprimento dos procedimentos aplicáveis, fraude ou conduta dolosa”, as auditorias secundárias que se seguirão deverão abranger o período que vai desde a data da assinatura dos contratos.
1. Receitas do Estado em Risco
A experiência em outros países ricos em recursos sugere que as empresas inflacionam, habitualmente, as despesas, de forma a maximizar os seus lucros Timor Leste, por exemplo, iniciou um amplo programa de auditorias que já resultou em centenas de milhões de dólares de receitas adicionais para o Estado e pode, eventualmente, recuperar biliões de dólares de impostos não pagos. Produtores africanos emergentes estão a reconhecer estes riscos e a iniciar rigorosos programas de auditoria.
Alguns pensavam que a evasão fiscal através da inflação de despesas fosse um problema de países em desenvolvimento, mais pequenos e com fraca capacidade. Mas os estudos de caso da Indonésia e da Índia, abaixo, demonstram que tal não é o caso. Estes riscos estão associados ao modelo de partilha de produção.
Nas palavras dos auditores indianos “… é inconcebível que um empreendedor privado não proteja os seus interesses financeiros e avalie todas as propostas de investimento e operacionais para assegurar que resultem em receitas adicionais para si em termos de recuperação de custos e da parte que lhe cabe do gás lucro”.
Os desafios são tão fundamentais que a Indonésia teve que reescrever as suas leis para tentar minimizar o abuso e a Índia está a considerar abandonar o modelo de partilha de produção.
O estudo de caso do Estado Americano do Alasca demonstra que nenhuma jurisdição está imune. Ao longo de um período de 25 anos, um em cada seis dólares da receita do Estado recebida da indústria petrolífera foi garantida através de litígios contra empresas. A certa altura, o Alasca dedicou US$217 milhões em taxas de advogados e contabilistas para recuperar mais de US$2,7 mil milhões. No total, os litígios ajudaram o Estado a recuperar mais de US$10 mil milhões em receita inicialmente perdida, devido a práticas abusivas das empresas petrolíferas. A única resposta eficaz para proteger a receita do Estado é implementar um sistema de auditoria eficaz. Assume-se, frequentemente, que as auditorias só são importantes depois de as receitas do gás começarem a fluir. Mas isto não é verdade. De acordo com o FMI, “As receitas estão vulneráveis a falhas na auditoria durante as fases de exploração e desenvolvimento […] Negligência na auditoria das despesas de exploração e de desenvolvimento pode prejudicar a base tributária quando um projecto começa a gerar receita.”
2. Estará a Anadarko a Inflacionar os Custos de Exploração?
Os custos de exploração inflacionados representam um risco significativo para a receita do gás natural liquefeito do Rovuma. Não há documentos do Governo, no domínio público, sobre a escala das despesas de exploração ou de processos de verificação dessas despesas. A informação disponibilizada pelas empresas também é escassa. A ENI não parece ter feito nenhuma declaração pública sobre a escala das suas despesas de exploração na bacia do Rovuma. A Anadarko tem sido mais aberta, mas os seus números em rápida ascensão levantam sérias dúvidas sobre os riscos de custos inflacionados.
A Anadarko usou um slide semelhante em várias apresentações a investidores, ao longo de 2012. Esta informação estava incluída nos materiais distribuídos pela Cove Energy antes da venda da sua participação de 8,5% à empresa Tailandesa PTT. Em Outubro de 2012, a PTT usou o mesmo gráfico como parte do seu “conselho aos investidores” ao reportar a aquisição da participação de 8,5% na concessão. A Anadarko alega que os custos de exploração, até ao fim de 2012, foram de US$700 milhões.
A 13 de Setembro de 2013, o PCA da Anadarko, Al Walker, indicou, durante uma visita a Tóquio, que “no fim do ano, o grupo teria investido US$3 mil milhões na prospecção da Área 1 da bacia do Rovuma no norte de Moçambique.” Esta declaração de U$3 mil milhões em exploração foi repetida várias vezes, desde Setembro de 2013, e foi confirmada pela Anadarko em resposta a uma pergunta directa do Centro de Integridade Pública.
O aumento das despesas de exploração é difícil de compreender. O que pode justificar US$2,3 mil milhões de custos adicionais num período de doze (12) meses? Não há, certamente, indicação de tais despesas extraordinárias no relatório anual da Anadarko de 2013. Todos os anos, as empresas listadas numa bolsa de valores dos EUA devem, por lei, submeter um relatório anual ao US Securities and Exchange Commission. Existem regras rígidas para a elaboração destes relatórios de forma a proteger os direitos dos investidores. Segundo o relatório anual da Anadarko de 2013, os custos de exploração globais da Anadarko, naquele ano, foram de apenas US$1.3 mil milhões, e tais incluem actividades no Golfo do México, Serra Leoa, Quénia, Costa do Marfim e Nova Zelândia, para além de Moçambique.
Apesar dos vários pedidos, a Anadarko recusa-se a fornecer ao CIP uma resposta plausível para o aumento de US$2,3 mil milhões das despesas de exploração de US$700 milhões no fim de 2012, ou seja, em apenas doze meses.
3. Governo não Faz Supervisão Adequada
Não há nenhuma indicação de que o Governo tenha auditado as despesas de exploração da bacia do Rovuma. De facto, existem sérias reservas sobre se há uma supervisão adequada destas despesas por parte do Governo. Repetidos pedidos de informação sobre os processos usados pelo Governo para monitorar os pedidos de recuperação de custos ficaram, mais uma vez, sem resposta.
Dados informais sugerem que os processos de supervisão previstos para os contratos do Rovuma (e analisados abaixo) não estão a ser seguidos de forma rigorosa e declarações com despesas inflacionadas estão a ser aceites sem uma análise cuidada.
O Governo deveria fornecer detalhes sobre estes processos. Será que as declarações de custos estão a ser analisadas de forma cuidada? Existem exemplos de declarações não elegíveis e que foram rejeitadas? Existem exemplos de facturas inflacionadas de empresas afiliadas que estão a ser analisados?
É importante reconhecer que os riscos para a receita do Estado devido às despesas inflacionadas têm um impacto para além da recuperação de custos. Estas mesmas despesas passarão a ser deduções contra as receitas brutas das empresas no cálculo futuro do Imposto sobre Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC). Todavia, a resposta que o CIP recebeu da Autoridade Tributária (AT) é de que toda a informação sobre o processo de aprovação dos planos de investimento e de recuperação de custos seja requerida junto ao Ministério da Planificação e Desenvolvimento, uma vez que as suas atribuições, por Lei, restringem-se ao domínio da execução fiscal e aduaneira.
Isto sugere que a AT não esteve envolvida na revisão e aprovação dos pedidos de recuperação de custos. Na verdade, quem toma todas as decisões sobre esta matéria é o Ministério dos Recursos Minerais, juntamente com o Instituto Nacional de Petróleos (INP).
4. Supervisão e Auditorias aos Contratos do Rovuma
De acordo com os Contratos de Concessão para Exploração e Produção (EPCC), existem três momentos de revisão da despesa por parte das empresas e do Governo:
(1) A empresa deve submeter um plano de exploração, anual, antes do início do ano que abrange o ano a que diz respeito e o subsequente, com detalhes dos custos previstos.
(2) A empresa deve elaborar uma declaração de recuperação de custos, trimestral que inclua os custos recuperáveis transportados do trimestre anterior, bem como os custos recuperáveis para os trimestres em questão.
(3) A empresa deve submeter uma declaração de fim de ano que inclua uma declaração de recuperação de custos anual, bem como uma declaração de despesas e respectivos recibos.
Os contratos do Rovuma incluem provisões para o Governo auditar as contas e registos das empresas num período de três (3) anos, a partir do fim de cada exercício.
“Para fins de auditoria, o Governo pode analisar e verificar, na medida do razoável, todas as cobranças e créditos relacionados com as operações petrolíferas, tais como livros de contas, entradas contabilísticas, registos materiais e quaisquer outros documentos, correspondência e registos necessários para auditar e verificar as cobranças e créditos. Para além disso, os auditores terão o direito de, no âmbito da auditoria, visitar e inspeccionar, mediante uma notificação razoável, todos os locais, fábricas, instalações, armazéns e escritórios do concessionário que sirvam às operações petrolíferas, incluindo visitar pessoal associado a essas operações.”
Existe um limite temporal para as auditorias. Se o Governo não fizer uma auditoria relativa a um exercício, ou fizer a auditoria mas não emitir um relatório de auditoria no prazo especificado […] considera-se que o Governo não se opôs à declaração de recuperação de custos. No entanto, existe uma excepção importante. Se existirem evidências de “manifesto incumprimento dos procedimentos aplicáveis, fraude ou conduta dolosa” as auditorias podem recuar para cobrir o período que for necessário.
5. Como as Despesas Inflacionadas Prejudicam a Receita do Estado
A receita do Estado proveniente do sector extractivo é determinada por quatro variáveis principais: o volume de recursos vendido, o preço de venda, os custos de produção e as taxas de impostos. Destes quatro, normalmente, dá-se menos atenção às despesas. No entanto, a experiência em outros países ricos em recursos sugere que abusos nesta área são uma das principais fontes de perda de receita do Estado.
As principais fontes de receita do Estado são todas calculadas com a dedução de custos elegíveis. Num sistema de partilha de produção, o ‘gás lucro’ é distribuído entre a empresa e o Estado apenas depois do ‘gás custo’ ter sido alocado à empresa para cobrir as despesas. O Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC) é calculado como receitas brutas menos despesas elegíveis. Apenas os royalties são avaliados sem considerar as despesas incorridas na produção do recurso. Qualquer aumento nas despesas, sendo todo o resto igual, resulta numa redução na receita do projecto.
Nos casos em que as despesas adicionais sejam legítimas, tanto a empresa como o Estado sofrem, na medida em que o projecto, simplesmente, fica menos rentável. Mas se se incluírem as despesas não elegíveis ou inflacionadas, a empresa gera lucro adicional à custa do Estado.
Em alguns casos, as despesas declaradas não são elegíveis. Exemplos extraídos de casos reais incluem empresas que pretendem declarar:
- Despesas incorridas antes da assinatura do contrato;
- Despesas para interesses pessoais dos administradores, funcionários expatriados e suas famílias; o Despesas de formação técnica dos expatriados;
- Uma factura duplicada por um bem ou serviço que já foi contabilizado;
- Inclusão de despesas tais como taxas de marketing de petróleo e gás, ou despesas relacionadas com fusões, aquisições ou transferências de interesses que, normalmente, não são elegíveis, segundo o contrato.
Em outros casos, o preço dos bens e serviços legítimos são intencionalmente inflacionados. Esta prática, conhecida como adulteração de facturas, é preocupante para transacções entre empresas afiliadas. Por exemplo, a perfuração off-shore é terciarizada a outra filial da empresa mãe. A factura submetida pelo trabalho é inflacionada em 30% para além do valor real da perfuração. Os 30%, neste cenário, são registados como um custo para o projecto, mas são, de facto, lucro para a empresa. Este ‘lucro’ é reportado numa jurisdição com impostos baixos – um processo conhecido como transferência de lucros. Os contratos, normalmente, contêm cláusulas que estipulam que todas as transacções entre empresas afiliadas sejam baseadas em ‘preços de mercado’, mas estes são muito difíceis de implementar.
Há duas categorias de custos adicionais que são uma fonte constante de controvérsia. Em primeiro lugar, custos com sedes no estrangeiro são uma despesa legítima, mas têm sido, frequentemente, utilizados para inflacionar as despesas do projecto. Na maioria dos contratos, estes custos estão limitados a uma percentagem dos custos globais. Em segundo lugar, os custos dos juros sobre o financiamento de projectos são também uma potencial área de abuso. Muitos regimes fiscais aplicam limites ao rácio do endividamento. Tal como a adulteração de facturas, as empresas afiliadas fornecem, frequentemente, o financiamento. Isto aumenta os riscos das taxas de juro não serem baseadas em preços de ‘mercado’, mas concebidas para minimizar o pagamento de impostos.
Por último, existem exemplos de facturas submetidas para bens que nunca foram adquiridos e para serviços que nunca foram prestados. Erros Honestos ou Evasão Fiscal?
Não há uma resposta simples para a pergunta óbvia sobre se as reivindicações inadequadas são erros honestos ou tentativas de evitar a tributação. O desenvolvimento e operação de projectos petrolíferos são do domínio de engenheiros e gestores de projectos e maximizar as receitas das empresas minimizando os pagamentos fiscais é o âmbito de trabalho de contabilistas e advogados fiscais. Considere, por exemplo, o seguinte anúncio de vaga para um ‘auditor de recuperação de custos’ para uma empresa petrolífera canadiana no Chade. A primeira responsabilidade deste funcionário é “gerir a maximização da recuperação de custos e reembolsos através da identificação de variações e custos específicos, conforme indicado no Contrato de Partilha e Produção da empresa (PSC).”
É difícil provar que os erros na reivindicação de despesas das empresas são intencionais. As empresas nunca querem admitir fraude intencional. Mesmo quando são consideradas culpadas em tribunal, procuram evitar qualquer implicação de irregularidade intencional. No entanto, os beneficiários de declarações de despesas inadequadas fornecem bons indícios sobre a questão de intenção. Parece quase impossível encontrar exemplos em auditorias de livros de empresas petrolíferas em que os erros implicaram um aumento e não uma redução dos pagamentos fiscais ao Estado.
6. Recuperação de Custos
O processo de recuperação de custos, uma parte integrante dos acordos de partilha de produção, cria fortes incentivos para as empresas inflacionarem as despesas e tem sido tema de controvérsia em muitos países ricos em petróleo (ver estudo de casos na Indonésia e Índia, abaixo).
A recuperação de custos é um mecanismo que permite à empresa recuperar os seus custos directamente de uma parte do petróleo/gás produzido. Conforme indicado na figura 2, subtraem-se três conjuntos de custos – exploração, desenvolvimento e operação – da produção bruta. Só depois dos custos recuperados é que o restante ‘gás lucro’ é dividido entre a empresa e o Estado.
1. Custos de Exploração: Custos de exploração são despesas incorridas na prospecção por petróleo na área do EPCC. O período de exploração começa com a assinatura do EPCC (para a Anadarko e ENI, 2006) e inclui a descoberta do petróleo e sua avaliação subsequente, até o Governo aprovar o primeiro plano de desenvolvimento. Os custos relacionados com a exploração podem ser recuperados no ano de início da produção comercial. Exemplos de custos de exploração, tal como definidos no Anexo C dos EPCC, incluem: pesquisa e estudos sísmicos; perfuração do furo central; mão-de-obra, materiais e serviços usados nos poços de perfuração e instalações usadas apenas para apoiar estes fins, incluindo estradas de acesso.
2. Custos de Desenvolvimento: frequentemente designados por custos de investimento, os custos de desenvolvimento são o dinheiro gasto para construir infra-estruturas para extrair o petróleo e levá-lo para o mercado. A implementação da infra-estrutura de investimento representa uma grande maioria dos custos de um projecto de LNG. De acordo com o Plano Director do Gás, um único vagão de LNG deverá custar, no mínimo, US$6 mil milhões. Os custos operacionais anuais deverão ser inferiores a US$90 milhões. E, uma vez que as projecções iniciais de custos de investimento são quase sempre subestimativas, dever-se-á esperar excedentes avultados.
A recuperação dos custos de desenvolvimento e produção está limitada a uma taxa anual máxima de vinte e cinco por cento (25%) com base numa depreciação linear, no ano em que ocorreram ou no ano em que inicia a produção comercial.
Exemplos desses custos, conforme delineados no anexo C dos EPCC’s, incluem: poços de perfuração e conclusão; custos das instalações no terreno, tais como unidades de produção e tratamento; plataformas de perfuração; unidades de armazenamento de petróleo; terminais e cais de exportação; portos e instalações relacionadas; estradas de acesso para actividades de produção.
3. Custos Operacionais: começam a partir do início da produção comercial. Os custos operacionais atribuíveis às operações petrolíferas podem ser recuperados na totalidade no ano em que foram incorridos. Estes custos incluem todas as despesas incorridas nas operações petrolíferas incluindo: operação e manutenção de instalações no terreno finalizadas durante as operações de desenvolvimento e produção; produção e recolha de petróleo; armazenamento e transporte do petróleo do reservatório para o ponto de entrega.
4. Custos Administrativos e de Serviço: os custos de serviço são despesas directas e indirectas em apoio às operações petrolíferas, incluindo armazéns, escritórios, veículos, estações de água e esgotos, estações de energia, alojamento, unidades recreativas e mobiliário, ferramentas e equipamento usados nestas actividades. Custos gerais e administrativos são todos os custos do escritório principal, escritório de campo e custos administrativos gerais na República de Moçambique, incluindo, mas não se limitando, a serviços de supervisão, contabilidade e funcionários. Estes custos também permitem custos fixos fora de Moçambique (normalmente na sede da empresa) até um máximo de 5% para custos do contrato até US$5 milhões, 3% para custos entre US$5 milhões e US$10 milhões e 1,5% para custos superiores a US$10 milhões.
Custos Recuperáveis com Aprovação Específica e Custos Não Recuperáveis
A maioria dos custos é recuperável através do processo normal de ‘declaração de recuperação de custos’, sem aprovação adicional do Governo. Todavia, existem duas excepções importantes.
Em primeiro lugar, quando os serviços são fornecidos por uma empresa afiliada ao concessionário, ‘os custos serão baseados nos custos reais e serão competitivos. Os custos não serão mais elevados do que os preços mais favoráveis cobrados pela empresa afiliada a terceiros por serviços semelhantes com termos e condições noutros locais’.
Segundo, “juros, taxas e custos relacionados incorridos em empréstimos comerciais contraídos pelo Concessionário para Operações Petrolíferas” requerem aprovação governamental, sendo que essa aprovação não pode ser “indevidamente recusada.”
Para além disso, existem quatro custos específicos definidos como “não recuperáveis”, nomeadamente:
• Marketing do petróleo ou custos de transporte do petróleo para além do ponto de entrega.
• Custos de arbitragem e de especialista independente no âmbito do Artigo 30 do EPCC.
• Imposto sobre a Produção de Petróleo e IRPC.
• Multas e sanções impostas por qualquer autoridade pública na República de Moçambique ou em outro sítio.
Estudo de Casos:
Recuperação de Custos, Auditoria de Livros da Empresa e Litígio
1. Timor-Leste Usa Auditorias Fiscais e Processos Criminais para Defender Receitas do Governo Timor-Leste é a economia mais dependente do petróleo no mundo. Nos últimos anos, as receitas do petróleo acumularam-se a uma taxa de mais de US$250 milhões por mês. O dinheiro tem fluído tão rápido que, durante muitos anos, Timor-Leste dedicou poucos esforços para garantir que recebia o que lhe era devido. A empresa de contabilidade internacional Ernest and Young serviu como auditor independente entre 2007-2010 e, como prática comum, era paga pelas empresas.
Em 2011, Timor Leste iniciou uma série de auditorias fiscais para os anos 2005-2010. Ao longo das auditorias, as autoridades fiscais encontraram um obstáculo que não previram: os documentos da empresa estavam na Austrália e não em Timor Leste. Quando os auditores pediram os documentos, foram informados que as leis de confidencialidade fiscal da Austrália proibiam o seu retorno. Um impacto inicial do processo de auditoria foi pedir às empresas para manterem cópias de todos os documentos relevantes no país.
O processo de auditoria teve um impacto de curto prazo imediato nas receitas, com uma recuperação de cerca de US$79 milhões, na primeira ronda. As implicações de longo prazo podem ser, ainda mais significativas, com o Governo a reportar que continua a fazer 28 avaliações às empresas petrolíferas que podem totalizar centenas de milhões de dólares em impostos devidos.
A realização das auditorias continua a ser um desafio. Foi necessário um procedimento legal formal em Março de 2013 para um operador petrolífero, finalmente, concordar em fornecer documentos que serviram de base para deduções fiscais de milhões de dólares. Mas, as auditorias fiscais do Governo continuam a gerar resultados. O Ministro das Finanças de Timor-Leste afirmou que, durante 2012, o país recebeu mais de US$400 milhões resultantes de “actividades relacionadas com auditorias”.
A 10 de Julho de 2012, o Conselho de Ministros confirmou que o Governo estava “envolvido em acções legais contra a empresa petrolífera multinacional ConocoPhillips e outras, para recuperar quantias significativas de dinheiro que acreditava pertencer ao povo de Timor Leste como obrigações legais resultantes de contratos de produção.”
Todavia, os ganhos do Governo vêm a custo dos lucros da empresa. A ConocoPhilips reporta que, entre 2010 e 2012, “pagou, sob protesto, impostos no valor aproximado de US$227 milhões” e que estava a invocar o “acordo de estabilidade fiscal” previsto no contrato para continuar a arbitragem em Singapura.
2. Indonésia Muda Lei para Evitar Abuso da Recuperação de Custos
O Governo da Indonésia há muito que acreditava que as empresas petrolíferas estavam a inflacionar as declarações de recuperação de custos para maximizar as receitas. O Governo estava particularmente preocupado com os anos anteriores a 2010, quando a produção petrolífera estava em declínio, mas os pedidos de recuperação de custos estavam a aumentar significativamente.
Como resultado de disputas constantes e repetidas após a auditoria de despesas, a Indonésia implementou o “Government Regulation concerning Cost Recovery and Provisions on Income Tax in Oil and Gas Activities” (Regulamento No. 79/2010).
O regulamento estabelece um teste padrão de três partes para os custos serem considerados recuperáveis: devem estar relacionados com as operações de gás e petróleo dentro da área do contrato; devem ser baseados no princípio do preço de mercado se for entre empresas afiliadas; e devem ser, previamente, aprovados por autoridades governamentais, em forma de programa e orçamento. O regulamento exclui, explicitamente, 22 categorias de despesas que não são recuperáveis nem dedutíveis. Alguns exemplos de despesas não elegíveis incluem:
• Despesas para interesses pessoais dos administradores, funcionários expatriados e suas famílias;
• Incentivos, pensão e seguro para administradores, funcionários expatriados e suas famílias;
• Despesas incorridas antes da assinatura do contrato;
• Excedente excessivo de material devido a erros na planificação e/ou aquisição;
Impostos e taxas legais dos consultores, a menos que directamente relacionadas com operações petrolíferas;
• Taxas de marketing do petróleo e gás do concessionário;
• Despesas de formação técnica de expatriados;
• Despesas com fusões, aquisições ou transferências de participações;
• Aprovisionamento de bens e serviços superiores ao valor aprovado em mais de 10%.
Apesar de eliminar algumas incertezas em torno da elegibilidade das declarações de recuperação de custos, continua a haver disputas. Uma auditoria do Governo a declarações de recuperação de custos entre 2010 e 2012 encontrou US$221,5 milhões de despesas não elegíveis.
3. A Índia Considera Abolir a Recuperação de Custos depois de uma Auditoria
Revelar Abusos A recuperação de custos tem sido uma fonte de controvérsia entre as empresas petrolíferas e o Governo na Índia. Até finais de 2012, a Índia tinha permitido que mais de duas dúzias de empresas petrolíferas recuperassem mais de US$ 24,5 mil milhões em despesas. Preocupações com a escala dessas despesas levaram o Auditor Geral e Controller (CAG, sigla inglesa) a conduzir uma auditoria detalhada das declarações de três empresas: Reliance, Cairn e BG, para determinar se os “interesses do Governo (incluindo royalties e parte do lucro) estavam a ser adequadamente protegidos”.
A experiência da auditoria demonstrou o quão difícil pode ser conduzir uma supervisão efectiva às empresas do sector extractivo. O pedido dos auditores do Estado para obter documentos das empresas foi inicialmente recusado por, alegadamente, não ser relevante para a análise de “procedimentos contabilísticos” e que seriam necessários, apenas, para uma análise do “desempenho” que não estava prevista no contrato. Os documentos da maioria das empresas foram disponibilizados, mais de um ano depois da primeira solicitação e, apenas, depois de uma ordem directa do Ministro de Petróleo e Gás Natural. Finalmente, após a conclusão da auditoria, uma das empresas alegou que as cláusulas de confidencialidade constantes dos contratos proibiam o Governo de partilhar a auditoria, mesmo com a comissão parlamentar responsável pela supervisão do sector petrolífero.
A auditoria concluiu que o regime fiscal existente continha incentivos para as empresas inflacionarem as despesas incluídas nos seus pedidos de recuperação de custos. Especificamente, a auditoria determinou que “é inconcebível que um empreendedor privado não proteja os seus interesses financeiros e avalie todas as propostas de investimento e operacionais para assegurar que resultem em receitas adicionais para si em termos de recuperação de custos e da parte que lhe cabe do gás lucro”. Os auditores também criticaram o Ministério do Petróleo por não implementar os termos dos contratos de forma eficaz e não detectar os abusos que prejudicaram parte do lucro do Estado.
No seguimento da controvérsia, o Governo Indiano estabeleceu um painel de alto nível para analisar os contratos existentes e estudar “vários modelos de contratos com vista a minimizar a despesa do concessionário sem comprometer, primeiro, os resultados de hidrocarbonetos, ao longo do tempo e, em segundo lugar, a parte do Estado”. O painel concluiu que o sistema de recuperação de custos “encoraja o concessionário a inflacionar os custos em detrimento da parte do ‘petróleo lucro’ para o Estado”. Por conseguinte, as suas recomendações principais foram que a Índia adopte um “novo sistema contratual e regime fiscal, baseado numa partilha da receita pós -royalties para ultrapassar as dificuldades de gestão do modelo existente baseado […] no mecanismo de recuperação de custos”.
4. Estado Americano do Alasca Processa
Empresas Petrolíferas para Garantir Receitas Devidas O Estado Americano do Alasca apresenta um bom exemplo dos desafios técnicos de garantir a proporção total das receitas devidas ao Estado. Segundo uma análise realizada em 2003, ao longo do ciclo de vida de mais de 25 anos do sector petrolífero “um em cada seis dólares que o Alasca recebeu do seu desenvolvimento petrolífero foi obtido através da contestação legal do pagamento original das indústrias”.
Desde as primeiras exportações em 1977, a maioria (90%) da produção petrolífera no Alasca tem sido controlada por três empresas, nomeadamente a British Petroleum, ExxonMobil e ConocoPhillips. Nos primeiros 25 anos da produção, o Alasca recebeu, aproximadamente, US$70 mil milhões em receitas do petróleo derivados dos pagamentos de royalties de 12,5% do valor do petróleo e de três impostos principais: o imposto sobre o rendimento, o imposto sobre a produção e o imposto sobre a propriedade.
Com base em análises e auditorias independentes, os funcionários responsáveis pela supervisão do sector petrolífero no Alasca afirmam que “a indústria reduziu recorrentemente a base para o cálculo do royalty e do imposto sobre o rendimento por subavaliar o valor de mercado de barril de petróleo no ponto de venda. A sobreavaliação das despesas do transporte por via do gasoduto (tarifas) teve o mesmo resultado.”
De modo a garantir o que os oficiais do Governo do Alasca acreditavam ser a partilha justa de receitas deste desenvolvimento petrolífero, eles foram forçados a tomar medidas legais prolongadas e intensivas contra as empresas. Entre 1977 e 1994, o Departamento Legal do Alasca reportou ter pago a advogados e especialistas em contabilidade de mais de 30 empresas diferentes um total superior a US$217 mil milhões para dar seguimento a litigiosas alegações legais.
O dinheiro foi bem empregue. O litígio resultou em pagamentos adicionais das empresas ao Governo de US$2,7 mil milhões. As questões em disputa eram muito técnicas e em alguns casos baseadas numa diferença legítima de opinião na interpretação da complexa linguagem contratual e da lei fiscal. Todavia, em muitos casos, as diferenças eram baseadas num completo engano e fraude. Através do rastreio da exportação e valor de cada barril de petróleo exportado, as autoridades do Alasca demonstraram que as receitas globais foram, deliberadamente, reduzidas com a adulteração do real valor de venda do petróleo e pela inflação dos custos associados ao transporte do petróleo através de oleodutos e tanques.
Em 2000, o litígio havia produzido um valor adicional de US$10,6 mil milhões em receita, incluindo US$6,8 mil milhões em pagamentos directos de impostos e royalties relacionados à reavaliação dos custos de transporte por oleodutos. Este padrão continuou com a recuperação de mais US$1,7 mil milhões ao longo da última década. Os números acima subestimam, substancialmente, a escala do abuso. Muitas outras reivindicações foram lançadas pelo Governo contra empresas, mas foram resolvidas fora do tribunal e, por isso, não são públicas.