Mais do que uma festa, um intercâmbio cultural, um momento de convívio, o VIII Festival Nacional da Cultura, a decorrer entre os dias 15 e 21 de Agosto do corrente ano, em Inhambane, representa um campo para a aclamação da paz, da igualdade de género em Moçambique. No último sábado, 28 de Junho, no certame referente à fase provincial, a nível da cidade de Maputo, os 32 grupos oriundos dos sete distritos municipais da urbe manifestaram – através da dança, do humor, da música ligeira e tradicional – a insatisfação causada pelo ambiente de guerra que se vive no país, apelando a alguma harmonia social.
Faltando um mês e meio para o início do VIII Festival Nacional de Cultura, em Inhamabane, até o último sábado, o apuramento dos grupos culturais para representar as suas províncias no evento continuavam rigorosos. É com as eliminações que se verificaram desde a etapa dos postos administrativos até à fase provincial que se pretende levar à “terra da boa gente” as melhores colectividades artísticas. Ou os que tiverem persistido e se dedicado imenso para merecerem estar na fase final do evento de todos nós.
Para além da guerra, casos de violência doméstica, a luta contra a pobreza, o tráfico de menores, entre outros, foram os temas que se sublimaram entre os vários concorrentes ao VIII Festival Nacional da Cultura na cidade de Maputo. Tal como declamaram os membros do Grupo Cultural da Escola Primária Completa de Guaxene, maioritariamente constituído por crianças, “se a miséria é companheira do homem / é porque o mesmo homem / ainda não acordou / para a realidade viver!”. Afinal, “o homem ainda não parou para pensar / que a solução de tudo / está nas suas mãos, / está na sua inteligência / que é a riqueza / de que Deus o dotou / desde o primeiro dia”.
No poema, os petizes de idade compreendida entre os 11 e 15 anos de idade exortaram os mais velhos no sentido de “todos nós, numa sintonia / acordarmos e unirmos / os esforços para podermos / vencer a batalha contra a pobreza”. A par de outros agrupamentos, em cinco minutos de actuação concedidos a cada grupo, os “Bagunceiros”, uma colectividade de teatro do distrito municipal KaTembe, encenaram os problemas da violência doméstica que geram crises em inúmeras famílias moçambicanas.
Por sua vez, os estudantes da Escola Secundária Heróis Moçambicanos, provenientes do distrito municipal KaMubukwana, levaram a público o tema do tráfico de menores. Na história contada através do teatro, as raparigas exibiram casos de petizes maltratados e outras ambiciosas que, na tentativa de se livrarem da pobreza no seio da família e dos maus-tratos a que são votados, caem nas malhas enganosas dos criminosos. O desejo é único – a esperança de mudar de vida e melhorar a sua condição social. Raptadas, as crianças são vendidas e tornadas prostitutas.
Não é só com armas que se liberta um país
@Verdade conversou com Rafael Diogo Cumba, responsável pela Companhia de Canto e Dança das FADM, pertencente ao Comando das Unidades Cerimoniais. O artista revelou que o grupo foi criado em 1980, mas, devido a alguns problemas, não chegou a avançar e, alguns anos mais tarde, desapareceu.
“Foi, então, em 2002 que a companhia foi reformada e, desde lá, participámos em várias actividades nacionais, incluindo o Festival Nacional da Cultura. Estivemos, pela primeira vez, em 2008, em Xai-Xai. Concorremos também em 2010 e não fomos aprovados”.
No entanto, o entrevistado acredita que participar no Festival Nacional da Cultura a nível nacional faz parte dos sonhos dos artistas, mas, “estes devem saber que mais do que uma espécie de disputa esta festividade proporciona-nos um ambiente de convívio com os irmãos de outras regiões do nosso país”.
Questionado sobre a capacidade que o grupo tem de associar a sua vida militar às danças tradicionais, Cumbe afirmou que “não é só com as armas que defendemos o país, mas também através da arte”. E não lhe faltam argumentos: “Se formos a ver e voltarmos aos tempos passados, veremos que mesmo a tribo de Ngungunhana usava a dança, principalmente o Xigubo e o Muthine, para se defender. Portanto, com esses bailes, queremos demostrar que as batalhas vencidas em Moçambique e não só foram conquistadas somente com as armas, mas também com a cultura”.
O Xigubo é uma forma de celebração por meio da qual as tribos do sul do país expressavam as suas glórias em diversas actividades como, por exemplo, a agricultura e a pastorícia desde muito antes da colonização portuguesa em Moçambique. Igualmente, nos dias que correm, utiliza-se este bailado para se emitirem mensagens de combate ao mal, ao mesmo tempo que se exaltam alguns valores da cultura e tradição africana.
À semelhança do Xigubo, o Muthine é uma dança guerreira que remonta aos tempos da migração Mpfecane, há mais de dois séculos. Esta manifestação cultural é muito popular no sul de Moçambique com destaque para a província de Maputo, nos distritos de Marracuene e Matutuine.
Ela é preferencialmente praticada por homens vigorosos como meio de treinamento militar para o combate ao inimigo, bem como para celebrar as suas vitórias em batalhas militares.
Nem todos conseguiremos vencer
Atanásio Nyusi, músico e intérprete moçambicano, participou pela segunda vez no Festival Nacional da Cultura, tendo sido apurado em 2010 para o evento que decorreu na província de Manica. Este ano, na cerimónia ocorrida na Escola Secundária Eduardo Mondlane no bairro Ferroviário das Mahotas, Atanásio não conseguiu conquistar votos suficientes para a sua participação no VIII Festival Nacional da Cultura, mas garantiu-nos que com a experiência que acumulou, um dia, conseguirá vencer.
De todos os modos, vale a pena referir que o artista teve uma actuação que encantou o público, ao apresentar a música Likhokholiko, uma palavra onomatopaica que representa o canto do galo. “Como aqui em Africa não tínhamos relógios, precisávamos de um galo para nos despertar. Então trouxe o mesmo cacarejar que avivou os chefes nacionalistas como, por exemplo, Kwame Nkrumah e Ahmed Sekou Touré”.
Segundo Nyusi, o cacarejar do galo é que orientou esses líderes no sentido de encontrarem formas de livrar África da opressão. “Eles tinham de arranjar uma forma de expulsar o colono de todas as formas possíveis”. Com mais de trinta anos de idade, Atanásio canta desde que se conhece. “Não sei há quantos anos me dedico à música. Acho que a minha idade se confunde com a minha carreira”, disse acrescentado que “um africano quando nasce é embalado em panos e, para minimizar os choros, a mãe é obrigada a cantar. Daí que herdamos essa capacidade. Uns seguem a música, outros não”.
Atanásio referiu ainda que utiliza a música para expressar o sentimento do povo moçambicano. Embora, no seu entender, existam pequenas diferenças no seio das populações do nosso território “todos lutamos pelo mesmo ideal, a paz”.