Há um conjunto de acontecimentos, bons e maus, que faz parte da vida dos ‘chapeiros’. “Xapa 100 (My Love)” – como se intitula a obra apresentada em estreia na semana passada pelo Grupo de Teatro Mutumbela Gogo – foi só um pretexto a partir do qual somos convidados a analisar o esforço realizados pelos homens dos transportes semicolectivos na tentativa de minimizarem o impacto da falta de meios de circulação no país.
Encenada por Manuela Soeiro, “Xapa 100 (My love)” retrata a história de dois protagonistas, o motorista Quito e o cobrador Titos, que fazem as suas vidas numa viatura de transporte semicolectivo, o vulgo ‘chapa’. O drama é apresentado perante uma plateia de um público que participa no espectáculo como se fosse algum tipo de juiz. Há, em cena, um misto de situações, vivências, biografias, simulações e ficções que comovem os espectadores.
Tal é o caso, por exemplo, de uma passageira que é interdita de viajar no ‘chapa’, pura e simplesmente, por ser gorda. Para além dessa humilhação, na peça também se discute o oportunismo que é manifestado por pessoas, aparentemente idóneas e dignas de alguma confiança, que se aproveitam da confusão que se instala entre os passageiros ao entrarem no carro a fim de roubarem os seus bens com destaque para o dinheiro e os telefones celulares.
Nesse contexto mostra-se que nos ‘chapas’ nunca há segurança pois, mesmo no seu interior, há pessoas que se aproveitam das paragens obrigatórias, nos semáforos, para, através das janelas, surripiarem certos bens. Esses constrangimentos afectam, muitas vezes, os estudantes e os trabalhadores que se fazem transportar naquele tipo de veículos, sobretudo nas horas de ponta. Destacam-se, ainda, os problemas causados pelo congestionamento de carros e estradas esburacadas que, por sua vez, danificam as viaturas.
A nossa Polícia, por sua vez, é abordada sob o ponto de vista da prática da corrupção. Em vez de regular o trânsito, os agentes da lei e ordem e a Polícia de Trânsito, muitas vezes, fazem cobranças ilícitas aos automobilistas. Por outro lado, os ‘chapeiros’ contestam a incompreensão dos seus patrões, os proprietários das viaturas, quando, diante de tudo isto, exigem o dinheiro previsto a ser gerado por dia. Com alguma naturalidade, os actores adequam-se às exigências dramáticas de cada situação interpretada.
A obra evolui com a transformação dos actores representando a situação de estudantes e ladrões – que circulam nas mais movimentadas paragens da cidade – incluindo as autoridades policiais. Mas o sacrifício e o sofrimento sentido para se ter um assento no ‘chapa’ manifesta-se da mesma forma para todos. Os cidadãos experimentam um misto de incertezas sempre que saem de ou para as suas residências, postos de trabalho, escola e afins.
Com cerca de uma hora de duração, para além de uma série de embaraços, “Xapa 100 (My Love)” também ilustra momentos alegres como, por exemplo, quando, ocasionalmente, nasce uma criança dentro do ‘chapa’, ou os momentos em que os ‘chapeiros’ se solidarizam em relação às pessoas necessitadas.
De acordo com a Manuela Soeiro, a encenadora da obra, “realmente muita gente não gosta do ‘chapa’, sobretudo, as pessoas que vivem nas grandes cidades, porque já têm experiências constrangedoras nos “My Love”.
Portanto, com o “Xapa 100 (My Love)’, crio essa história real, em que falo dos problemas registados actualmente nos ‘chapas’. De todos os modos, não olho apenas para o lado negativo da realidade como também focalizo alguma atenção para o sentimentalismo e o espírito de solidariedade que esses homens manifestam na sociedade”.
De acordo com Jorge Vaz, que interpretou a personagem Quito, “a peça traz, resumidamente, a história dos transportes semicolectivos, desde a sua evolução, as transformações porque passaram até se chegar ao estágio actual”.
Reconhecendo o caos que se assiste entre a situação do ‘chapeiro’ e dos seus utentes Vaz afirma que “o Governo devia criar condições para melhorar as estradas esburacadas e a falta de transportes no país”.
O elenco que interpreta as cenas da obra teatral “Xapa 100 (My Love)” é constituído pelos actores Jorge Vaz, Horácio Mazuze, Dalila Figueiredo, Flávia Mabote, Samuel Mhamatane, Tonecas Xavier e Nilma Comba.