Apesar dos sucessos que têm sido alcançados em diferentes domínios no âmbito do empoderamento da mulher, a Associação Moçambicana para a Promoção da Rapariga (AMORA) entende que ainda há muito a ser feito em prol da rapariga. A ministra da Mulher e Acção Social, Yolanda Cintura, diz que o Governo, por exemplo, na área da educação, tem apostado num sistema de incentivos através da isenção das taxas das propinas e de fornecimento de material escolar às raparigas nalgumas escolas como forma de garantir o equilíbrio de género e uma maior inclusão da rapariga ao nível de ensino. No entanto, a coordenadora da AMORA, Augusta Lobo, em conversa com o @Verdade, defende que o poder em Moçambique ainda está nas mãos dos homens e alterar esse quadro não se afigura tarefa fácil. “É necessário um trabalho de preparação, de consciencialização, compreensão e muita luta para de que facto as mulheres ocupem os cargos em 50 porcento no sector público”, afirma.
(@V): Quando e com que objectivo foi criada a Associação Moçambicana para a Promoção da Rapariga (AMORA)?
AMORA: A associação AMORA foi criada em 2000 e oficializada no ano seguinte. Na altura, ao nível do país, o debate sobre questões do género, principalmente focadas na rapariga ainda não se faziam sentir com afinco. Foi a partir daí que um grupo de activistas teve a iniciativa e decidiu criar esta agremiação. Desde então, começámos a trabalhar com raparigas em situação de vulnerabilidade ou que nas suas famílias tivessem uma renda baixa e que tinham dificuldades em ir à escola e que, consequentemente, não tinham acesso à informação sobre questões ligadas à sua saúde, por exemplo.
(@V): Em que ponto do país iniciaram as vossas actividades?
AMORA: A nossa intervenção como associação iniciou na província nortenha de Nampula onde integrámos raparigas na escola e também transmitimos informações sobre aquilo que são os seus direitos como pessoas, assim como cidadãs moçambicanas. A partir dessa altura começámos a fazer trabalhos nos distritos de Nampula e lutámos para nos expandirmos noutras províncias do centro até chegarmos a Maputo. Muita gente começou a aderir ao nosso tra- balho. Brevemente teremos uma delegação em Mani- ca para apoiar a rapariga esteja ela na escola ou fora dela. Trabalhamos com raparigas dos 18 aos 35 anos de idade.
(@V): De que forma a AMORA presta o seu apoio?
AMORA: Nalguns casos, quando chega a altura das matrículas, por exemplo, como sabemos, tem havido muitos problemas com algumas raparigas, então nós fazemos contactos com as escolas no sentido de estas serem integradas nas instituições de ensino e em al- guns casos conseguimos bolsas de estudo. Em Nampula, a associação construiu um Centro de Alfabetização que depois foi transformado em inter- nato para raparigas. De um modo geral, temos feito advocacia na área de direitos humanos e no âmbito da saúde sexual e reprodutiva. Outro tipo de apoio é dado em forma de palestras, educamos a rapariga a saber defender-se duma violação sexual e como canalizar à Polícia um problema deste tipo caso o tenha.
(@V): Quais têm sido os resultados desse trabalho?
AMORA: São positivos. Muitas vezes somos solicitados mas não temos ca- pacidade de resposta; também dizemos às raparigas que por nós formadas para passarem o ensinamento a outras mulheres de modo a expandirmos a informação.
(@V): De que forma se faz sentir a falta de capacidade de resposta?
AMORA: A falta de capacidade de resposta é no sentido de não termos meios para chegarmos aos locais onde somos solicitados. Em Marracuene, por exemplo, mesmo que tenhamos que dar uma palestra só podemos ir se houver meios. Sentimos que naquele distrito há muitos problemas com a rapariga, desde as gravidezes precoces até às doenças sexualmente transmissíveis. É uma zona que serve de passagem de muitos camionistas, então já se pode imaginar o drama social que lá se vive. Há muito que se fazer em muitos lugares, mas nem sempre é possível desenvolver um trabalho contínuo por falta de fundos. Cada trabalho que é realizado faz surgir novas demandas e muitas vezes não temos capacidade de resposta.
(@V): Os problemas que a associação tenta combater, como gravide- zes precoces e casamentos prematuros, ainda são muito frequentes. A que se deve essa situação?
AMORA: Os problemas que afectam toda a sociedade não podem ser abra- çados só pela AMORA. O trabalho que fazemos é, se calhar, uma gota de água no oceano.
(@V): Quem são os vossos parceiros nestas actividades?
AMORA: O primeiro parceiro é o Fórum Mulher, a WDF, já tivemos finan- ciamento do Conselho Nacional do Combate ao HIV/SIDA, da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade, e recentemente submetemos um projecto cuja resposta ainda não temos.
(@V): Dessas organizações não surgem fundos suficientes para pode- rem trabalhar onde detectam muitos problemas?
AMORA: Temos representação em alguns lugares. Muitas vezes chegamos a usar meios dos membros, por exemplo, se um membro está disponível a deslocar-se até determinado lugar, leva-nos a trabalhar. Enquanto aguardamos pelas respostas de alguns pedidos que fizemos, não podemos fazer trabalhos fora da cidade.
(@V): Quanto é que a associação gasta anualmente para apoiar as raparigas?
AMORA: Os financiamentos que recebemos têm variado. Geralmente dão-nos entre 10 mil e 20 mil dólares. Mas, dependendo da contribuição voluntária dos membros, o valor oscila entre 25 mil e 30 mil dólares. Quando vamos ao campo, na escola por exemplo, falamos com os professores para nos indicarem um determinado número de raparigas para trabalharmos com elas. Na comunidade trabalhamos com os líderes comunitários, junto dos líderes e dos encarregados de educação, porque muitos dos problemas que as raparigas têm estão muito ligados ao comportamento dos pais e dos encarregados de educação. Então mostramos-lhes que algumas práticas têm de ser mudadas.
(@V): Qual seria o montante ideal para que pudessem fazer o vosso trabalho tranquilamente e atingirem as metas traçadas?
AMORA: Se nós tivéssemos, no mínimo, 300 mil meticais por mês, estaríamos em condições de executar as nossas actividades. Para além de empoderarmos a rapariga, também temos o problema de apoiá-la para que possa fazer alguma coisa para a sua sobrevivência, a fim de sair da pobreza.
(@V): Como é que encaram a recente aprovação do novo Código Penal pelo Parlamento?
AMORA: Primeiro, para mim foi chocante, quando numa primeira fase se legislou que o violador poderia casar-se com a vítima para não ir preso, mas depois da marcha e dos encontros que marcámos com a presidente da Assembleia da República, alguma coisa foi feita, mas não é tudo o que nós desejamos e esperamos que, de acordo com a promessa feita, com o andar do tempo se compreenda e se efectue a retirada de outros artigos polémicos. Não estamos muito satisfeitos...
(@V): Por que não estão satisfeitos?
AMORA: Nem todos os artigos foram retirados de acordo com o nosso consentimento. Julgamos que vamos continuar a lutar para ver alterado o que gostaríamos que fosse. A sociedade civil também ainda não se encontrou para fazer o balanço das suas actividades em relação ao Código Penal.
(@V): A sociedade civil pretende que até 2015 pelo menos 50 porcento dos cargos nos sectores públicos sejam ocupados por mulheres e não nos parece possível atingir ...
AMORA: É uma luta muito grande que as mulheres terão de fazer para chegar lá, porque, de facto, o poder em Mo- çambique está nas mãos dos homens e não é fácil inverter a situação. Então, tem de haver um trabalho de preparação, de consciencialização, compreensão e muita luta para de facto estarmos nos cargos públicos em 50/50 porcento.
(@V): Que tipo de luta con- creta pretende realizar?
AMORA: Teremos que fazer muita formação ao nível dos órgãos do poder, o que tam- bém não é fácil, e falarmos sobre género porque as pes- soas ainda pensam que géne- ro é mulher, mas género não é mulher. Nos problemas do género, estão lá os homens e as mulheres. Então, se a Constituição nos diz que temos direitos iguais, temos que trabalhar todos em conjunto coordenados, de modo a consagrarmos esses direitos. Se nós não exigimos os nossos direitos ninguém nos vai poder dar de bandeja. Por isso, precisamos de continuar a falar, a trabalhar e a encontrar estratégias que permitam que as pessoas compreendam que, de facto, as oportunidades de- vem ser usufruídas também pelas mulheres. Nas comunidades faremos trabalhos de advocacia e educação, sejam religiosas ou não. Este é o meu ponto de vista. Quando vamos às comunidades não queremos saber de que partido ou religião as pessoas são, vamos conversar com as pessoas e esperamos que elas cultivem aquilo que ensinamos.
(@V): Voltando à conversa sobre a vossa associação, em quantas províncias está representada a associação?
AMORA: Estamos em três províncias, nomeadamente Nam- pula, Zambézia e Maputo. Temos 25 representantes em cada província.
(@V): Quais são os desafios e as dificuldades que a asso- ciação têm enfrentado?
AMORA: As dificuldades são muitas, todas relacionadas com fundos e meios. Sem di- nheiro nada se pode fazer, mas vamos fazendo aquilo que é possível. O principal desafio é garantir que toda a rapariga tenha a consciência daquilo que faz, conhecer os seus direitos de modo a tornar-se uma cidadã responsável. Esse é o desafio, uma rapariga que tenha o desafio de estudar, que saiba como se proteger no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos, de modo que esteja emponderada para vencer na vida.