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Hortêncio Langa está decepcionado com a cidade de Maputo

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Esta semana conversámos com o compositor moçambicano, Hortêncio Langa, autor de uma das mais antigas composições musicais em homenagem à nossa capital. Na altura, 1992, a nossa capital comemorava 105 anos de existência. Em cumplicidade com o apresentador de televisão, Victor José, já falecido, Langa gerou a obra Maputo. A criação é uma verdadeira ode à urbe de todos nós. O drama é que, diante da realidade actual – apesar de que isso não retira a sua beleza – o artista tem imensas dificuldades para advogá-la. Saiba as razões…

Ficámos a saber de Hortêncio Langa que a música Maputo foi ‘encomendada’ pelo falecido apresentador de televisão, Victor José, a fim de ser entoada, com um conjunto de 105 crianças da Associação Continuadores, por ocasião da celebração dos 105 anos da capital moçambicana. A ser verdadeira a informação – já que o próprio artista tem algumas dúvidas em relação à data – uma leitura dedutiva mostra-nos que se devia estar em 1992. Moçambique era independente há 17 anos.

Portanto, decorrem já 22 anos desde que a obra foi criada. Por isso, importa saber do também escritor se a cidade de Maputo daquela época fosse a hodierna, ele teria tido a inspiração para fazer a composição que marcou gerações. Enquanto não se discute a questão, cuja resposta está entre estes parágrafos, perceba-se o seguinte: “Eu não vou às praias de Maputo. Elas são muito sujas”.

@Verdade: Em que circunstâncias começa a sua relação com a cidade de Maputo?

Hortêncio Langa: A minha experiência em relação à cidade de Maputo data dos anos 60. Estou a falar de uma relação mais consciente porque, na altura, eu era adulto e vinha de Gaza para continuar os meus estudos. Foi a partir de então que conheço a Lourenço Marques como se chamava. Nessa altura gostei da urbe, porque embora eu vivesse nas zonas suburbanas, havia alguma beleza e urbanidade.
Lembro-me de que havia um colégio chamado Pedro Nunes que ficava em frente ao Arcebispado. Eu e alguns amigos saíamos dali para a piscina do Clube Desportivo de Maputo. Era muito bonito apreciar a urbe de cima. Ver a baixa da cidade e os complexos desportivos existentes. Estas são algumas das coisas que me marcaram. Por exemplo, estando na empresa Electricidade de Moçambique, a partir da avenida Amílcar Cabral, era possível ver a baixa e a praia da Katembe. Tudo isso era espectacular. Infelizmente, nós estamos a perder um pouco desse espectáculo, esse panorama natural, que é muito importante para a beleza da urbe. Isso magoa-me de certa forma.

@Verdade: Terá sido esse contexto que inspirou a criação da música Maputo?

Hortêncio Langa: Sim! Creio que, na época, quando eu compus a música Maputo, a nossa cidade não tinha os obstáculos que, actualmente, existem. Para mim, sob o ponto de vista da natureza, temos uma urbe privilegiada. Por isso, para a acção de qualquer paisagista, sobretudo os que têm a responsabilidade de modificar a cidade, é importante aproveitar, esse panorama natural a fim de esculpir, a cidade tendo em conta o espectro subjectivo da natureza. Ou seja, a paisagem artificial, produzida pelo homem, deve estar em consonância com as características naturais do local. Isso daria um aspecto muito bonito à própria região.
Além do mais, eu penso que os primeiros urbanistas que criaram a cidade de Maputo tiveram em conta as suas características naturais. Harmonizaram a sua intervenção no espaço em função da vista da costa.

@Verdade: Naquela época, quais eram as principais referências da urbe? Que factores as tornavam singulares?

Hortêncio Langa: Na época tínhamos os cafés como, por exemplo, o Continental, o Djambu, o Gil Vicente – que eram/são espaços de entretenimento – e o próprio Jardim Tunduro que agora se encontra num estado de degradação lamentável. Neste último lugar, as pessoas iam divertir-se, namorar, estudar até inspirar-se para a produção artística. Recordo-me de que, nessa altura, eu estudava Pintura na Escola Industrial.
Também tínhamos as praias, sobretudo esta da Costa do Sol, a partir das quais quando se contemplava a cidade via-se um espectro bonito. Infelizmente, com os prédios que se constroem agora, já não é possível ver essa paisagem porque está obstruída pelos edifícios. É preciso combinar a beleza natural com a artificial.

@Verdade: E como é que esses lugares que enumerou influenciavam a dinâmica social na época?

Hortêncio Langa: Os cafés eram lugares onde as pessoas se encontravam para conversar, tomar um café, passear com a namorada, estudar e discutir ideias. Esses espaços exerciam uma grande influência na vida das pessoas, sobretudo nos trabalhadores que marcavam encontros com os colegas para conversar. Por exemplo, lembro-me de algumas imagens feitas por Ricardo Rangel que ilustram esses locais. Penso que essas fotografias nos podem dar uma ideia sobre a relação entre o homem e a cidade nessa época.

@Verdade: Quer contar-nos alguma história particular que, apesar das mutações ocorridas, cruza as gentes desta urbe ao longo dos tempos?

Hortêncio Langa: Na época existiam os carnavais, as grandes festas da cidade, em que se faziam desfiles entre os bairros. Também havia muitas associações culturais como é o caso da Associação Africana e da Associação dos Naturais de Maputo, incluindo vários clubes desportivos e centros culturais e recreativos.

@Verdade: Como é que a música, enquanto um dos factores a partir dos quais se estrutura uma cidade e uma sociedade, influenciou a actual Maputo? Será que houve essa influência, sob o ponto de vista de criação de infra-estruturas sociais novas?

Hortêncio Langa: Essa é uma boa pergunta. Mas, infelizmente, tendo em conta o aspecto do movimento artístico-cultural, as construções não têm tido uma grande atenção da parte de que quem de direito. Por outro lado, há uma grande vontade dos parceiros de outros países, como é o caso das representações diplomáticas que criam, por exemplo, o Centro Cultural Brasil-Moçambique, o Instituto Português, o Centro Cultural Moçambique-Alemanha que ajudam bastante não só na disseminação do movimento artístico como também no apoio às associações culturais.
Creio que a própria Associação dos Escritores Moçambicanos e o Núcleo de Arte, por exemplo, têm tido apoio à luz da cooperação existente entre si e estas organizações. De todos os modos, seria uma grande mais-valia se o próprio Governo moçambicano tivesse um plano nesse sentido. Recordo-me de que, na sua época, o Dr. Eneas Comiche, o presidente do Conselho Municipal que tinha o hábito de consultar os munícipes sobre a vida da urbe, planeava transformar a Praça de Touros de Maputo num centro cultural multiuso.

@Verdade: Fica a ideia de que, de uma forma geral, tendo em conta uma iniciativa interna, as nossas manifestações artístico-culturais não modificaram muito a estrutura da cidade.

Hortêncio Langa: Há algumas excepções. Por exemplo, as iniciativas de Naguib que criou murais fazem alguma diferença. Estou a falar de artes plásticas. Mas outras formas de arte poderiam ser levadas em conta. Por exemplo, é apropriada a criação de espaços públicos onde os artistas se pudessem encontrar para gerar as suas criações.

@Verdade: Os prédios que se edificam, continuamente, em Maputo – assim se pensa – revelam a tendência de modernização que marca os nossos tempos. Há novos edifícios que são construídos em espaços que não haviam sido explorados, outros em reposição nos locais onde se destruíram alguns. Tendo em conta que a cidade de Lourenço Marques foi criada a pensar num determinado número de habitantes e até num determinado número de veículos a circular, até que ponto esta sobreposição é saudável para a própria urbe?

Hortêncio Langa: Sob o ponto de vista demográfico, podemos perceber esta realidade como um problema sério de urbanização. Na Europa do século XIX, por exemplo, por causa da Revolução Industrial, houve um grande êxodo rural de pessoas que queriam trabalhar na cidade. Sucedeu que, na urbe, não havia casas suficientes para os trabalhadores. As que havia não eram adequadas. Não existiam boas condições de higiene, saúde pública e salubridade do meio. Por isso, houve surtos de doenças e muita gente morreu.
Então, o Governo melhorou, de forma generalizada, a situação porque se constatou que se estava diante de um problema que iria afectar toda a sociedade, incluindo as classes socialmente estáveis. Esta, portanto, foi tida como a primeira medida governamental em prol da saúde pública. Foi a partir daí que os estudiosos também começaram a preocupar-se com os modelos de uma cidade ideal.
Por isso, actualmente, quando se viaja para as grandes cidades da Europa, como Paris, percebe-se que em sua volta há urbes – onde existem indústrias e regiões onde se pratica a agricultura – que até alimentam as capitais. Por outro lado, se formos a ver as cidades da América Latina que são relativamente mais novas que as europeias, percebemos que elas crescem muito rapidamente em termos demográficos. A vantagem é que no caso das cidades brasileiras, como a de São Paulo, há um trabalho sério de saneamento urbano.

@Verdade: Há locais que exercem uma grande influência na nossa vida – o sentido contrário é válido – que se tornam urinóis, revelando o grave problema da falta de balneários públicos em Maputo. Como é que avalia o moçambicano, tendo em conta esse constrangimento com que vive diariamente?

Hortêncio Langa: Esse é outro problema sério, porque nós temos instituições a nível do Ministério da Saúde e do Conselho Municipal criadas para dar resposta a estas situações. Não percebo é como é que essas entidades conjugam os esforços para garantir a salubridade do meio e a saúde pública. O Ministério do Turismo empenha-se em atrair turistas para uma cidade em que vemos as pessoas a urinar em pleno público. Falta-nos uma boa postura camarária.

@Verdade: Está-se a aproximar o Verão. Quais é que têm sido as suas opções entre as praias de Maputo?

Hortêncio Langa: Eu não visito nenhuma praia em Maputo, porque todas têm estado superlotadas debatendo-se com o problema de lixo e de águas sujas. As pessoas compram comidas e bebidas e atiram a sujidade para o mar. Não há nenhum trabalho de educação cívica. Por isso, a situação em que nos encontramos é terrível. Devia haver uma actuação conjunta entre os Ministérios da Saúde, da Cultura, da Educação, do Turismo e o Conselho Municipal de Maputo a fim de se garantir a educação dos jovens a partir da escola.

@Verdade: Se a urbe daquela época estivesse como a actual se apresenta, acha que teria encontrado inspiração para compor a música Maputo?

Hortêncio Langa: Acho que hoje teria um sentido diferente e crítico, o que não retira a beleza da cidade. Tanto é que algumas pessoas pensam que, com mais prédios, a urbe fica mais bonita. Mas trata-se de uma beleza inferior àquela que teria se se combinassem as modificações artificiais com o panorama natural do espaço geográfico.


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