As redes mosquiteiras do Sistema Nacional de Saúde estão a ser desviadas para o mercado informal a nível da cidade de Nampula, em detrimento das mulheres grávidas, crianças menores de cinco anos de idade e outros beneficiários do programa de distribuição gratuita daquele material de protecção contra a picada do mosquito, principal causador da malária. Diariamente, técnicos de Saúde levantam enormes quantidades daquele material nos armazéns supostamente para distribui-los nos hospitais, mas tais meios não chegam aos utentes. As autoridades do sector mantêm-se impávidas perante a situação.
A maior parte das mulheres grávidas é obrigada a comprar redes mosquiteiras nos mercados informais, quando devia recebê-las gratuitamente nas unidades sanitárias aquando da abertura das fichas pré-natais. No grupo das pessoas vulneráveis à malária, estão as crianças menores de cinco anos de idade.
Na verdade, existem muitas famílias que ainda não dormem debaixo de uma rede mosquiteira. Maria de Cármen, responsável por um agregado composto por seis membros, é exemplo disso. Segundo contou ao @Verdade, a única rede de que dispõe recebeu-a em 2005 no âmbito de uma campanha promovida por uma organização não-governamental.
Ana Paula Gonçalves, residente no bairro de Namicopo, cidade de Nampula, tem duas crianças menores de cinco anos, mas nunca beneficiou de nenhuma rede mosquiteira oferecida pelos responsáveis do sector da Saúde. E, devido ao seu fraco poder financeiro, não pode comprar uma rede de protecção contra as picadas do mosquito.
Orlando de Jesus Maria, de 44 anos de idade, chefe de uma família de cinco pessoas, incluindo duas crianças menores de cinco anos, é o único que se serve da rede mosquiteira. O estranho é que todos os anos o Governo moçambicano, através do Ministério da Saúde em colaboração com os parceiros de cooperação, tem levado a cabo actividades com vista a reduzir os índices de mortalidade por malária.
Alguns cidadãos entrevistados entendem que há funcionários envolvidos em actos de corrupção que desviam as redes mosquiteiras para o mercado informal, abrindo espaço para o enriquecimento ilícito. Os interlocutores acrescentam que é por isso que os esforços são enormes e os resultados quase inexistentes.
António Ernesto, cidadão residente no bairro de Carrupeia, cidade de Nampula, admite a insuficiência de redes mosquiteiras e a necessidade de se redobrar esforços para que haja uma maior abrangência no processo de distribuição, mas ele defende uma mudança de mentalidade por parte das comunidades.
“É crime, mas é o nosso ganha-pão”
Alguns comerciantes entrevistados pelo @Verdade confessam ser do seu conhecimento de que a venda de redes mosquiteiras do Sistema Nacional de Saúde é, de facto, um crime mas, mesmo assim, preferem arriscar porque aquele acto constitui a única fonte de rendimento para o sustento das suas famílias.
Raúl Juma, de 30 anos de idade, é pai de duas crianças. Só uma é que frequenta a primeira classe. Além de material escolar, ele deve garantir lanche para o menor todos os dias. Portanto, o desafio de criar os filhos é grande, aliado ao elevado custo de vida. Por isso, instalou uma pequena barraca no famoso mercado de Cavalaria, onde vende jogos de panelas para cozinha.
Segundo as suas palavras, o negócio não lhe rende o suficiente para assegurar o sustento da família, pelo que se serve do comércio de redes mosquiteiras para incrementar a sua renda.
“Graças a Deus, nunca me faltou pão na mesa”, disse Juma, visivelmente satisfeito com o negócio das redes mosquiteiras, embora ilícito. A mesma satisfação é partilhada por Bila Alberto que se dedica à venda de cosméticos também na “Cavalaria”, mas o @Verdade confirmou que o negócio é apenas um disfarce.
O que se constata, porém, é que existem redes mosquiteiras montadas na tenda de Bila, porque os cosméticos não lhe rendem o suficiente. A clientela baixou drasticamente neste mês do Ramadão, mas esse não é o motivo para ficar triste. Os lucros resultantes da venda de redes compensam o esforço empreendido na actividade.
Sem revelar os seus fornecedores, os interlocutores não esconderam que se trata de um negócio que envolve altas individualidades do sector da Saúde.
Direcção Provincial de Saúde indiferente
Contactado para se pronunciar em torno dos casos relacionados com a venda de redes mosquiteiras no mercado informal, o responsável pelo programa de malária na Direcção Provincial da Saúde de Nampula, Calton Guedes, mostrou o seu total desconhecimento. “Nós nunca ouvimos falar dessa prática”, disse.
Na tentativa de se eximir de quaisquer responsabilidades, Guedes acusou a população de estar a fazer o desvio de aplicação das redes mosquiteiras, estando a usá-las para as actividades de pesca, cobertura de produtos alimentares nos celeiros, entre outros procedimentos incorrectos.
O nosso interlocutor esclareceu ainda que as autoridades sanitárias não têm conhecimento do destino que é dado ao material. O nosso interlocutor descartou a possibilidade de alguns funcionários afectos aos armazéns de medicamentos estarem envolvidos no comércio ilegal de redes mosquiteiras.
Ele adiantou que há mulheres grávidas que recebem aquele meio que protege da picada do mosquito para depois encaminhá-lo para o mercado negro em vez de usá-lo para os propósitos para os quais foi concebido.
Ainda assim, Guedes não aventa a hipótese de investigar o caso para apurar os canais através dos quais os comerciantes dos mercados têm acesso às redes mosquiteiras do Sistema Nacional de Saúde, visto que são adquiridas pelo Governo para a distribuição gratuita, em que se prioriza as mulheres grávidas e crianças menores de cinco anos de idade.
Contudo, um funcionário daquela instituição, cujo nome omitimos por razões óbvias, revelou que o processo de distribuição gratuita de redes mosquiteiras a nível dos hospitais se encontra momentaneamente interrompido. Facto curioso é que nos mercados há sempre redes que são fornecidas por supostos funcionários afectos ao armazém.
Sem entrar em detalhes, a nossa fonte assegurou que a situação de desvio de redes mosquiteiras é do conhecimento das entidades de tutela, mas não nos disse se existe ou não algum plano com vista a estancar o problema.