A usurpação da terra, a rejeição das sementes transgénicas, a defesa de um negócio desfavorável para os camponeses por parte do Governo, a falta de uma legislação que proteja as sementes locais, o deficiente acesso ao crédito e as dificuldades de acesso a mercados para venda de excedentes agrícolas são a tónica dominante da III Conferência Internacional Camponesa sobre Terra da União Nacional de Camponeses (UNAC), que decorreu em Maputo entre 01 de 02 de Outubro corrente.
Relativamente a usurpação da terra, os camponeses consideram que a implantação de mega-projectos tem um impacto directo e negativo no seu dia-a-dia, em virtude de o Executivo estar conceder grandes extensões de terra a investidores estrangeiros sem realizar consultas comunitárias, o que, também, constitui uma violação grosseira da Lei de Terra.
João Mosca, que reconhecer que a lei proíbe a venda da terra, mas a realidade prova o contráriom, entende que o problema não é necessariamente legal. “A lei deixa de ser boa quando não se cumpre. Sabemos de muitos casos que o próprio Estado não cumpre, ou não actua quando os agentes económicos não cumprem a lei”.
“Ter uma lei que não se respeita, nem se faz cumprir significa que aquela protecção que a lei poderia dar aos produtores começa a ser muito fraca”, disse Mosca, defendendo que “a máquina estar capturada pelos interesses... O Estado está a defender o capital e não os camponeses.”
Costa Estevão, representante da região norte na conferência, disse que “a nossa produção vai baixar, porque estamos a ficar sem terra” e muitos camponeses serão “empurrados” para a fome e pobreza.
Segundo ele, a empresa Agro-alfa, em Monapo, por exemplo, arrancou um espaço de 10 hectares a um cidadão que até tinha o título de uso e aproveitamento de terra. O mesmo cenário acontece de forma corriqueira noutros pontos do país. Para costa, os mega-projectos podem até garantir emprego à população, mas “o camponês, sem a terra fica triste”.
No que a adubos diz repeito, Rabeca Mabui, da UNAC a nível da província de Maputo, disse, em representação da zona sul de Moçambique, que a produção da banana, na Moamba, por exemplo, está a forçar os camponeses “a recorrerem a outras zonas devido a produtos químicos. Eles não têm condições para reverterem o cenário”.
Rabeca, que também se queixou d usurpação de terra nas zonas costeiras das províncias de Gaza, Maputo e Inhambane, questiona: a quem “beneficia a agricultura mecanizada?”.
Em relação às dificuldades de acesso ao crédito e falta de mercados, o membro do conselho de administração da UNAC, Rita Rizuane, disse que os bancos não dão crédito aos camponeses porque alegam que “a agricultura é uma actividade de risco”.
Ela queixou-se, igualmente, da falta de mercados para a comercialização dos produtos. Por isso, Rita pede ao Governo “insumos agrícolas e alocação de extencionistas”. Ela relatou igualmente o sofrimentos dos camponeses de Tete e Manica por causa da poluição do ar e da água, o que leva a que não se beba o precioso líquido por estar poluído, e nem se pode deixar alimentos ao ar livre.
Refira-se que a III conferência da UNCA visa aprofundar o debate público e democrático sobre os principais desafios estruturais do desempenho do sector agrário, bem como a urgência de uma reforma agrária baseada na facilitação e dinamização dos meios de produção e produtividade no país e de travar-se, com urgência, o fenómeno de usurpação da terra.
Não às sementes híbridas
De há tempos a esta parte, as autoridades das agricultura têm estado a promover o uso das chamadas semente híbridas. Contudo, os camponeses apelam ao Governo para que crie uma legislação que proteja as sementes locais.
“O Governo deve criar uma legislação e políticas que visem incentivar que os camponeses continuem a produzir, conservar e fazer a selecção de sementes locais”, defendeu Agostinho Bento, da UNAC, para quem as sementes locais “são melhores em qualidade. São adaptáveis para algumas condições que não são aquelas em que o camponês moçambicano trabalha, as sementes híbridas são adaptáveis às regiões agro-ecológicas e precisam de muita água e produtos tóxicos”, o quais o agricultor não está capacitado para adquirir nem moto bombas para implementar uma agricultura de irrigação.
“A entrada no país de organismos geneticamente modificados que vão dar origem a sementes geneticamente modificadas constitui um perigo, não só para os camponeses, mas também para a saúde das pessoas, no geral e para a biodiversidade, porque elas são produzidas com o objectivo de combater os insectos”, explicou Agostinho Bento, acrescentando que volvido algum tempo os bichos apercebem de que tais sementes contêm veneno e criar resistência.
“Estamos a desequilibrar a natureza” com os remédios e os entendidos na matéria defendem que tais sementes podem, a longo prazo, constituir um problema de saúde. “Não posso avançar com precisão mas há indicção de que venham provocar irritação ao no corpo e até cancros.”
Para Bento, ao introduzir sementes modificadas, o Governo moçambicano está, de forma grave, a violar os direitos seculares dos camponeses pois estes sempre reproduziram as espécies que os seus avós usaram conservando a sua qualidade”.
MCT diz “sim” às sementes híbridas
Carlos Santana, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), explicou que há conjunto de acções com vista a melhor implementação das sementes em alusão. As mudanças climáticas obrigam para que sejam adoptadas quer sementes melhoradas, quer sementes geneticamente modificadas, apesar dos seus inconvenientes.