O Governo moçambicano está a rever, há mais de um ano, a Lei do Petróleo sem consulta pública, facto que não confere transparência ao processo. A versão final do documento está actualmente a ser analisada pelo Conselho de Ministros e deverá ser aprovada pelo Parlamento, em princípio em Maio próximo, segundo o Centro de Integridade Pública (CIP).
Não há dúvida de que a Lei do Petróleo necessita de uma actualização. A versão actual foi elaborada em 2001, muito antes das descobertas de gás natural na Bacia do Rovuma e de perspectivas sobre a produção de Gás Natural Liquefeito (GNL). Infelizmente o processo não está isento de falhas e o Governo diz ter interesse em auscultar os pontos de vista dos moçambicanos.
Uma versão do projecto de Lei está disponível no website do Ministério dos Recursos Minerais (MIREM), juntamente com um convite para participar no "debate" (ou pelo menos enviar uma mensagem através de correio electrónico). Mas a versão de Fevereiro de 2012 está desactualizada, de acordo com o CIP.
As oportunidades para apresentação de contribuições serão maiores se baixar a versão mais actualizada, em língua inglesa, de Julho de 2012 do website do Instituto Nacional de Petróleo (INP). Contudo, a mesma não dará o sentido completo de como o Governo tenciona lidar com o sector económico que irá gerar a maior parte das futuras receitas para Moçambique.
Mudanças na Lei do Petróleo
O que poderá ser diferente na futura Lei do Petróleo? Eis alguns destaques: Gás Natural Liquefeito: A antiga Lei do Petróleo não faz referência ao Gás Natural Liquefeito (GNL). Esta Lei foi produzida na esperança de que seria descoberto o petróleo no país. A Lei agora incorpora o GNL e cria um novo “Contrato de Concessão e de Infra-estruturas” e, ainda, um “Plano de Desenvolvimento de Infra- estruturas” para cobrir a construção e operação das fábricas de liquefacção de gás.
Concorrência nas Concessões: Ao abrigo da Lei de 2001, há uma opção para conceder concessões com base em negociações directas com asempresas petrolíferas. Esta opção foi retirada da versão da Lei disseminada para comentários públicos. De facto, esta garantia de um processo competitivo foi realçada como sendo uma das melhorias significativas na futura Lei do Petróleo. Todavia, a versão final da Lei, na mesa do Conselho de Ministros, inclui novamente a opção de negociações "simultâneas ou directas", nos termos do Artigo 5, o que constitui um retorno para a Lei de 2001. Isto implica que a perspectiva de alocar concessões através de processos não competitivos e os riscos a ela associados, de tratamento preferencial e práticas corruptas, prevalecem.
Propriedade das Empresas: Nos casos em que os concorrentes à obtenção de direitos de realização de operações petrolíferas forem corporações, a futura Lei pretende impor dois novos requisitos. Primeiro: requer que todas as empresas que partilham um contrato de concessão sejam registadas numa jurisdição em que o Governo possa, de forma independente, verificar a titularidade, gestão, controlo, bem como a situação fiscal. Segundo: requer a identificação dos titulares de participações e a proporção relativa das participações que cada um detém. Contudo, apesar da obrigatoriedade de se providenciar esta informação ao Governo, não há indicações de que a mesma será tornada pública.
Transmissão de Direitos de Petróleo: De acordo com a versão final da proposta de Lei, a aprovação do Governo será explicitamente necessária para todas as transmissões de direitos de petróleo. Esta cláusula estará ligada à decisão do Governo de cobrar as mais-valias (impostos sobre os ganhos de capital), quando os direitos de concessão forem vendidos, embora não haja menção explícita dos impostos sobre os referidos ganhos de capital.
Aquisição de Bens e Serviços: A versão final da Proposta de Lei inclui uma nova secção relativa à Aquisição de Bens e Serviços. Aí se refere que as empresas petrolíferas devem dar preferência aos produtos e serviços locais, quando comparáveis em termos de qualidade e disponibilidade e quando o preço, incluindo impostos, nãoseja superior em mais de 10% por cento.
Meio Ambiente e Comunidades: A protecção ambiental e os interesses das comunidades locais são mencionados, mas principalmente em referência aos futuros regulamentos. Existe um compromisso de canalizar uma ‘percentagem’ das receitas do Governo, geradas pelas operações petrolíferas, para o desenvolvimento das comunidades nas áreas das operações petrolíferas, mas não se inclui uma taxa específica.
Demandas da Sociedade Civil
Pela importância estratégica da indústria extractiva para o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique, há apelos da Sociedade Civil para uma governação transparente, um debate público aberto, pagamento justo pela venda dos recursos naturais de Moçambique e a protecção dos direitos dos cidadãos moçambicanos. Em resposta à Proposta da Lei do Petróleo, a Sociedade Civil apelou para uma série de medidas que ainda não foram incluídas, designadamente:
Transparência: A publicação das receitas através das cláusulas da Iniciativa de Transparência das Indústrias Extractivas (ITIE) garante que o Governo receba o que as empresas pagam. Mas não faz nenhuma referência sobre quanto é que as empresas deviam ter pago. A boa prática emergente é a de publicação automática de todos os contratos, garantindo condições de igualdade para os investidores e reduzindo os riscos de corrupção. A lista dos titulares das licenças para todas as concessões mineiras devia ser pública, incluindo a identificação de accionistas individuais. As empresas estatais devem publicar os seus relatórios anuais com os relatórios financeiros a serem submetidos à auditoria, documentando as receitas recebidas e como é que essas receitas foram aplicadas.
Conflitos de Interesse: O Estado é simultaneamente um órgão regulador do sector e um parceiro comercial na produção do petróleo – funções que devem ser desempenhadas por diferentes braços do Governo. O licenciamento, por exemplo, deve ser separado da monitoriae da execução. Os conflitos de interesse também devem ser abordados até ao nível pessoal: não se devia permitir que um indivíduo que faz parte do Governo e/ou da Administração Pública tenha um interesse financeiro no sector.
Limitação dos Poderes Discricionários do Conselho de Ministros: Para cumprir com a melhor prática internacional, o Sector do Petróleo deve ser gerido com base em leis e regulamentos claros, publicamente acessíveis. Isto cria condições de igualdade e reduz os riscos de tratamento preferencial para determinadas empresas. A futura Lei do Petróleo, tal como a antiga, concede um amplo poder ao Conselho de Ministros para regular, aprovar e definir como o sector irá operar. De facto, o leque de competências explícitas aumentou de cinco na Lei de 2001 para catorze na futura Lei. O alargamento destes poderes sugere que a gestão do sector continuará baseada num processo decisório não transparente.
Responsabilização por Conduta Incorrecta: As leis e regulamentos do Governo para proteger os direitos dos moçambicanos são inadequados. Os regulamentos sobre assuntos importantes, desde questões relativas ao reassentamento involuntário aos padrões de saúde e segurança devem ser reforçados. As sanções pelo não cumprimento dos regulamentos devem ser incrementadas para garantir que elas criem um genuíno desincentivo, ao invés de ser um pequeno custo de fazer negócio. E a responsabilidade deve ser aplicada para além das subsidiárias locais das empresas multinacionais para incluírem a empresa-mãe em si.
Um Negócio "Justo": O Sector do Petróleo de Moçambique tem sido gerido através de leis públicas vagas e contratos detalhados e confidenciais. A criação do Contrato de Concessão e de Infra-estruturas para as fábricas de GNL alarga esta prática e coloca a informação importante ainda mais fora do domínio público. Os termos financeiros que determinam a separação entre as receitas da empresa e do Governo devem ser incorporados na Lei, incluindo não apenas os pagamentos de ‘royalty’ e o imposto sobre as receitas, mas também os termos mais significativos do acordo de partilha de produção. Afutura Lei retira todas as referências ao Regime Fiscal (constante no Capítulo V da Lei em revisão) que iriam reger o Sector de Petróleo. De facto, isto faz pouca diferença em termos práticos, uma vez que a Lei de 2001 indica apenas que o Conselho de Ministros tem autoridade para estabelecer um "regime fiscal especial".
Consulta Pública: Em todo o processo da revisão da Lei do Petróleo não houve uma plataforma adequada de consulta pública. Isto era um indicador inequívoco de que o Governo não iria considerar as demandas da Sociedade Civil por uma maior transparência e boa governação no sector petrolífero no nosso país. Mas ainda há tempo para uma discussão e um debate público genuíno. Isto é, se, de facto, o Governo pretender auscultar a sociedade moçambicana.
Próximos Passos e Novos Documentos
Muito ficou por fazer na Lei do Petróleo a ser aprovada. O regulamento do sector não é limitado à Lei, agora na mesa do Conselho de Ministros. Existem três outros documentos legais actualmente em elaboração que irão definir os termos para as empresas que realizam pesquisas e produzem petróleo em Moçambique: Trata-se, primeiro, do Regulamento de Petróleo que entrará em vigor dentro de 180 dias após a aprovação da futura Lei de Petróleo. Muitos dos detalhes importantes relativos às operações petrolíferas irão constar nas 50 páginas desse documento e não nas 14 páginas que constituirão a futura Lei de Petróleo. Este é o documento que irá descrever as questões principais, incluindo a confidencialidade dos contratos, a queima do Gás Natural, os padrões de saúde e segurança e a avaliação do impacto ambiental e social.
Segundo, há indicações de que está a ser elaborado o novo regime fiscal para os Sectores de Petróleo e de Minas, actualizando os termos sobre as percentagens de ‘royalty’ e os impostos que estão em curso desde 2007/2008. Esta Lei irá determinar que proporção do lucro vai para o Governo e que proporção vai para a empresa. O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem estado a trabalhar com o Governo, há mais deum ano, neste assunto.
Esta legislação poderá ser aprovada pelo Parlamento em Outubro. Finalmente, um novo modelo de Contratos de Concessão de Pesquisa e Produção está a ser preparado para a 5a Ronda de Licenciamento para as concessões de petróleo. Estes são os documentos sobre os quais as empresas participam nos concursos para terem o direito em relação a determinadas concessões.São os termos desses contratos que determinam o que as empresas irão, de facto, pagar ao Estado e não as Leis e Regulamentos públicos.