O nosso povo, por norma, sempre pautou pela imbecilidade e por uma moral de plástico. Sempre fomos incapazes de lutar pelos nossos direitos. É nossa característica profunda e intrínseca cruzar os braços, vergar os ombros e deixar andar. Enquanto a opressão destes que nos (des)governam não mexer com os nossos brandos costumes, não atacar as nossas regalias miseráveis e ridículas, jamais ergueremos o punho contra o caos que se instalou no país.
Somos demasiadamente egoístas para abdicar do nosso conforto e sair à rua para protestar. Os tumultos dos passados 5 de Fevereiro e 1 de Setembro não nos deixam mentir. Quem saiu à rua e protestou contra o custo de vida? Foi o gueto. A cidade de cimento – onde reside quem vive folgadamente – ficou pregada aos televisores e às redes sociais a emitir opiniões sobre a greve e sobre os grevistas. Ninguém partiu um vidro ou atirou uma pedra na cidade de cimento. Tudo o que aconteceu foi por obra e graça do gueto.
Observamos impávidos e serenos a luta dos madgermanes e pensamos que não é nada que nos diga respeito. Os funcionários da G4S também lutaram pelos seus direitos e nós não fizemos nada. Os desmobilizados de guerra continuam a ser maltratados, enxovalhados e ridicularizados nas Terças-feiras e nós continuamos a engravidar o silêncio.
No caso da morte brutal de Emídio Macie a cidade voltou a falar escondida num teclado. Pediu justiça, mas foi incapaz sequer de promover uma marcha de protesto com destino à embaixada sul-africana ali na Julius Nyerere, o reduto do conforto do Maputo que bebe whisky velho e fala de pobreza.
Pouco tempo depois da morte de Macie, a polícia moçambicana tirou a vida de Alfredo Tivane e o gueto protestou. Exigiu justiça e até tentou fazê-la com as próprias mãos. O gueto só parou diante dos tiros da polícia e do gás lacrimogéneo. A cidade, como sempre, assistiu do seu camarote VIP o protesto e, mais uma vez, emitiu opiniões sobre o sucedido.
Os acontecimentos dos últimos meses provam que só o gueto, porque realmente sofre com o transporte, a ausência de justiça e o custo de vida, pretende criar um país melhor e luta por isso. O gueto materializa as suas frustrações e tenta impor uma nova ordem. Contudo, esbarra na complacência da cidade e nas armas da FIR.
A cidade tem de deixar de ser cobarde e apoiar a luta dos irmãos da periferia. Nenhum whisky e nenhuma espécie de conforto são dignos quando a opressão abraça eloquentemente os demais.