A Direcção de Saúde da Cidade de Maputo afirma, embora sem avançar números concretos, que nas enfermarias das unidades sanitárias da capital moçambicana há centenas de doentes rejeitados pelas famílias, facto que, para além de acarretar custos para garantir o seu atendimento, desprestigia a saúde humana. Uma parte destes enfermos chega aos hospitais em estado clínico débil e, em caso de perda de vida, ninguém reclama os corpos.
Alice Abreu, médica-chefe da cidade de Maputo, disse à nossa Reportagem que comparativamente aos anos passados, em 2012 decresceram os casos de pacientes deixados à sua sorte pelos familiares. Contudo, há uma necessidade de se pesquisar as causas do problema e encontrar-se formas de refreá-lo.
“O mais preocupante é que não são unicamente os doentes em estado grave que são abandonados, mas também os que morrem e isto obriga-nos a recorrer à vala comum para os enterros”, disse Abreu que apontou que as estatísticas sobre estes casos estão dispersas, mas, na capital do país, os hospitais Central de Maputo e gerais de Mavalane, José Macamo e Machava são os que registam mais casos de rejeição de doentes e de cadáveres.
Uma pessoa internada por muito tempo devido à falta de alguém para cuidar dela corre o risco de contrair outras doenças e cria uma sobrecarrega nos serviços das unidades sanitárias e retarda o alargamento do sector da Saúde em geral, explicou a nossa fonte.
Noutras circunstâncias, os bebés recém-nascidos são igualmente abandonados pelas respectivas mães e a desculpa é sempre a mesma: a falta de condições para sustentá-los. Este fenómeno tem alimentado conversas de repúdio nos corredores e nas enfermarias dos próprios estabelecimentos sanitários, alegadamente porque banaliza a vida, a morte e faz com que os serviços não suportem a demanda.
Serviços Funerários reconhecem o problema
A delegada dos Serviços Funerários da Cidade de Maputo, Leonor Marraneja, estabeleceu uma relação entre o abandono de doentes nos hospitais, a morte e a vala comum. Assegurou ao @Verdade que está a aumentar, de forma assustadora, o número de corpos largados ao acaso. De Janeiro a Março do ano em curso, 458 defuntos, dos quais 350 menores de idade, foram abandonados sendo que a maior parte provém dos serviços de internamento do HCM. É premente que a sociedade civil, as igrejas e as estruturas dos bairros encontrem uma forma de estancar este problema.
Leonor Marraneja reconheceu esta situação e explicou-nos que, para além dos cadáveres que são encontrados em diferentes artérias da capital do país, alguns vítimas da sinistralidade rodoviária, de afogamentos e suicídios, o desamparo começa nos serviços de internamento de enfermos que padecem de HIV/SIDA, tuberculose e malária. Algumas famílias alegam, para tal atitude, a falta de fundos para a realização de um enterro condigno em caso de falecimento.
Os enterros indigentes
Todas as Quartas e Sextas-feiras, dezenas de corpos sem vida e rejeitados são enterrados na vala comum do Cemitério de Lhanguene. No ano passado, só o Hospital Central de Maputo (HCM) registou 1.096 cadáveres abandonados, dos quais 874 de crianças, que foram sepultados sem nenhuma cerimónia fúnebre com o caixão exposto publicamente para permitir que os parentes, amigos e outros interessados pudessem honrar a sua memória antes do repouso eterno.
Anualmente tende a crescer o número de compatriotas que jazem nestas condições. A vala comum é reservada a um conjunto de mortos que não podem ser colocados em campas individuais por diversos motivos, dentre eles a origem desconhecida e, por vezes, não entram nas estatísticas dos funerais.
“O problema é que os nossos parentes pensam que um funeral digno implica a aquisição de alimentos e bebidas em fartura para as pessoas que vêm consolar os enlutados. Esta situação faz com que o trabalho seja difícil para a morgue e exige a duplicação de esforços para evitar a rápida decomposição de corpos. Acarreta custos elevados para o sector da saúde e limita a capacidade de armazenamento de cadáveres porque o Hospital Central de Maputo tem apenas 106 câmaras de conservação”, narrou a nossa interlocutora.
Segundo a fonte, o tempo de permanência de uma pessoa morta na casa mortuária é de 15 dias para ser reclamado pelos parentes, mas este tempo tem sido prorrogado por uma ou duas semanas quando se trata de um óbito de alguém oriundo de fora de Maputo, mas raras vezes o cadáver é reivindicado.
Marraneja considerou que a insuficiência de recursos financeiros não pode constituir motivo para um defunto ser sepultado numa vala comum quando existem as autoridades dos bairros que podem mobilizar a população a desembolsar montantes para ajudar a comprar um caixão. Para além do HCM, as unidades sanitárias que mais casos de abandono de corpos registam são os hospitais gerais de Mavalane e José Macamo. Para mitigar este problema, os serviços funerários da capital do país estão a promover campanhas de sensibilização das famílias e das comunidades no sentido de incutir nelas a ideia de que “um enterro digno não significa ter condições para oferecer um banquete às pessoas que nos acompanham no momento de dor e consternação.”
Vala comum, uma alternativa para aqueles que não têm família
O administrador do Cemitério de Lhanguene, Horácio Maluvane, disse à nossa Reportagem que enterrar um cadáver numa vala comum é uma acção dolorosa, triste e sobretudo indecente. Contudo, é uma alternativa para os que supostamente não têm ninguém. Esta prática acontece por diversas razões, mas a desculpa mais recorrente tem sido a falta de valores monetários para se realizar um funeral.
Segundo o nosso interlocutor, todas as Quartas e Sextas-feiras dezenas de corpos são enterrados numa cova comum. Alguns defuntos são também de pessoas que vieram a Maputo por vários motivos e acabam por encontrar a morte sem o conhecimento dos parentes.
“O processo de sepulturas começa com a recolha de corpos nos hospitais com capacidade de armazenamento, nomeadamente os hospitais Central de Maputo, José Macamo, Mavalane e da Machava”, disse Maluvane, para quem os defuntos recolhidos no Hospital Geral José Macamo são maioritariamente crianças abandonadas, cuja existência se deve ao facto de aquela unidade sanitária receber doentes de todos os distritos municipais de Maputo e por os mortos serem conservados localmente.
A nossa fonte afirma ainda que a vala comum do Cemitério de Lhanguene, tem capacidade para receber enterros por um período superior a 10 anos porque a edilidade reassentou algumas famílias que viviam nas suas proximidades, o que contribuiu para o alargamento do espaço.
Edilidade estuda a possibilidade de ter caixões a baixo custo
A vereação da Saúde e Acção Social de Maputo está a estudar formas de passar a ter caixões a baixo custo para que as pessoas que morrem sem que os parentes tomem conhecimento tenham campas individuais, embora venham a ser tratadas como abandonadas. Todavia, o município queixa-se de exiguidade financeira, afirmou Maluvane.
A vala comum é aberta com a força humana
O nosso entrevistado disse que o espaço para a “sepultura” colectiva de centenas de mortos em situação de indigência é aberto por quatro pessoas. Porém, enquanto persistir a falta de uma máquina escavadora não é possível evitar este esforço por parte dos coveiros.
Entretanto, o Conselho Municipal de Maputo assegura assistência e cuidados de saúde aos funcionários e a tantos outros que recolhem os cadáveres nos hospitais e nas ruas de Maputo. Por semana são submetidos a exames médicos, têm subsídio de risco e outros benefícios, de acordo com o administrador do Cemitério de Lhanguene.