As comunidades das zonas de exploração de madeira em Sofala ainda não receberam os mais de 46 milhões de meticais dos 20% a elas destinados. Os valores foram depositados na conta da Direcção Provincial da Agricultura em Sofala entre 2010 e 2014. Ninguém sabe onde está o valor. A única certeza que se tem é que os operadores madeireiros depositaram-no naquela conta, domiciliada na Delegação do Banco de Moçambique, em Sofala.
Está instalado o ambiente de tensão e suspeição em Sofala. Em causa está a dificuldade da Direcção Provincial da Agricultura e, particularmente, dos Serviços Distritais de Florestas e Fauna Bravia de esclarecer o destino dos 46.863.981,7 meticais, valor que não inclui os 67.281.469,45 meticais de reflorestamento que, segundo as comunidades locais e os empresários madeireiros, não está a acontecer, não obstante ocorrerem os depósitos de montantes, segundo o Centro de Integridade Pública (CIP).
Na sequência desta descoberta, a governadora de Sofala, Maria Helena Taipo, cancelou a emissão de licenças de corte de madeiras para todos os operadores. O objectivo era perceber onde estava o problema. O embargo foi levantado no dia 20 de Maio, após um encontro alargado com os operadores florestais, comunidades das zonas de exploração de madeiras, funcionários públicos locais e alguns dirigentes ligados ao sector de florestas.
Nesse encontro, a governadora de Sofala chegou à conclusão de que “o problema está do nosso lado”, ou seja, do lado do governo provincial, muito particularmente da Direcção Provincial da Agricultura e os seus respectivos Serviços Provinciais da Floresta e Fauna Bravia. Na sequência disso, a governadora de Sofala ordenou uma investigação com vista a apurar a dimensão do problema e os possíveis culpados.
Os valores transferidos que não chegaram ao destino
Os relatórios e outros documentos a que o CIP teve acesso mostram que os operadores madeireiros efectuam sempre os depósitos, cumprindo com as suas obrigações. De 2006 a 2009, as receitas florestais ascenderam a 60 milhões de meticais, dos quais 12 milhões, correspondentes a 20%, foram destinados às comunidades das zonas de exploração, segundo fixam os artigos 2 e 102 do Diploma Ministerial número 93/2005 e do Regulamento das Florestas e Fauna Bravia, respectivamente.
“O Decreto nº 12/2002 de 6 de Junho define que vinte por cento de qualquer taxa de exploração florestal ou faunística se destina ao benefício das comunidades locais da área onde foram extraídos os recursos”, o que na prática não está a acontecer.
Uma pesquisa do CIP, que constatou a existência de burocracia e fragilidades no processo de alocação dos 20%, o que cria condições para oportunidades de corrupção, concluiu ainda que durante aquele período não havia grandes problemas.
“As transferências dos 20% sempre ocorreram sem grandes sobressaltos. Neste período, todas as comunidades organizadas em Comités de Gestão de Recursos Naturais (CGRN) com contas cadastradas receberam os valores a que têm direito. Os problemas começam a partir de 2010 até 2014. Neste período, as licenças de exploração de madeira produziram uma receita de 448.543.129,68 meticais”.
Esse dinheiro foi depositado pelos operadores florestais na conta nº 050811529010, aberta no Banco de Moçambique a favor da Direcção Provincial de Agricultura de Sofala. Vinte porcento deste valor, o equivalente a 89.708.625,94 meticais, deveriam ter sido canalizados às comunidades das regiões onde se exploram os recursos florestais. No entanto, até aqui as comunidades receberam apenas 42.844.644,24 meticais. Os remanescentes 46.8 milhões de meticais têm paradeiro desconhecido. As comunidades ainda não o receberam.
Os relatórios da Direcção Provincial da Agricultura (DPA) e dos Serviços Provinciais da Floresta e Fauna Bravia (SPFFB) dão razão às comunidades. De 2006 até Maio de 2015 foram transferidos perto de 55 milhões de meticais (12 milhões entre 2006-2009 e 43 milhões entre 2010-2015). Entre 2006 e 2014, as licenças geraram uma receita na ordem dos 508 milhões de meticais. As comunidades deveriam ter recebido 101 milhões correspondentes a 20%, mas receberam apenas metade, cerca de 55 milhões.
Um membro da Agência de Desenvolvimento Económico Local (ADEL) disse ao CIP que “é estranho que alguns comités já constituídos nunca tenham recebido o valor dos 20%. Pelo que sabemos, o sistema consiste em os operadores pagarem os impostos e o tesouro em Maputo fazer a sua distribuição; não temos conhecimentos técnicos sobre estes procedimentos pelo que quase nada podemos comentar em torno das questões colocadas”.
“Os 20% destinados às comunidades são uma forma importante de assegurar que os operadores madeireiros compartilhem os lucros dos recursos com as comunidades das regiões onde os mesmos são explorados. Mas hoje em Moçambique há um problema. Tanto os funcionários como as elites locais querem desviar esse dinheiro e eles fazem isso complicando os sistemas e escondendo as suas acções. Assim, a necessidade é simplificar os sistemas com vista a tornar os processos mais fáceis para que às comunidades os valores devidos sejam pagos, como é aumentar a transparência para que todos saibam que o dinheiro foi e é pago e como ele foi e é usado”, indica o CIP.