Décadas depois da luta contra o VIH/SIDA e apelos para que as pessoas infectadas e afectadas por esta doença tenham carinho, em Moçambique o estigma e a discriminação ainda são problemas sérios e longe de serem estancados devido a uma série de ideias erradas sobre a enfermidade, segundo indica um estudo lançado na terça-feira (02), na capital do país, cujos dados foram colhidos aleatoriamente nas províncias de Maputo, Gaza, Manica, Sofala e Nampula.
A pesquisa concluiu ainda que, no geral, ainda prevalece a falta de conhecimento da doença, concretamente no que diz respeito às formas de contágio, prevenção e tratamento. Tal situação deve-se, em aparte, a mitos e ideias erradas em torno do VIH/SIDA. Certos entrevistados, de acordo com a investigação, chegaram a dizer que o Tratamento Anti-Retroviral (TARV) mata.
Outro grupo de pessoas acredita que é possível curar a enfermidade por via de “rituais de purificação”. Aliás, há gente que crê que a pandemia do século pode ser transmitida por via de “contacto físico casual e superficial”.
Os pesquisadores explicam que esta situação gera desconfianças irracionais que constituem uma barreira à prevenção de mais infecções e ao fornecimento de cuidados, apoio e tratamento adequado. Estima-se que 11% da população moçambicana, com idades compreendidas entre 15 e 49, vive com o VIH/SIDA e uma em cada 10 pessoas adultas está infectada, sendo as mulheres as mais contaminadas.
Em Moçambique o HIV/SIDA é uma doença que afecta mais de um décimo da população adulta e que se reflecte em mais de 356 novas infecções diárias e 225 óbitos diárias, segundo o relatório que se refere ao ano de 2013. “Este torna-se um assunto de prioridade nacional”.
Na região rural, em média, pelo menos 9,2% da população entre os 15 e 49 anos de idade vivem com o VIH/SIDA e na zona urbana a taxa de prevalência é de 15,9% (CNCS, 2011).
De acordo com o Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação sobre o VIH/SIDA, (INSIDA 2009), Maputo, Gaza, Manica e Sofala constituem as províncias com maiores taxas de prevalência de VIH/SIDA, com 16,8%, 25,1%, 15,3% e 15,5%, respectivamente. Pelo contrário, a província de Nampula, apenas precedida por Niassa, revelou uma das menores taxas de prevalência da doença, fixando-se em 4,6 porcento.
O relatório revela ainda que o facto de, em Moçambique, a principal forma de transmissão do VIH ser a relação sexual reforça a crença errada de que a enfermidade está relacionado com um comportamento sexual reprovável e que o doente é de algum modo responsável pelo seu estado de saúde.
Para a compilação deste estudo, os dados foram recolhidos através de entrevistas realizadas em cinco províncias, nomeadamente, Maputo, Gaza, Manica, Sofala e Nampula. No total foram validados e contemplados no presente estudo 741 questionários, tendo-se procurado uma representação qualitativa de mulheres, homens e de residentes em zonas rurais e urbanas.
Parte dos inquiridos ficaram a saber de que certas pessoas falam mal de si (36,3%), outros foram vítimas de pressão psicológica ou manipulação pelo cônjuge (36%), foram, também, verbalmente ameaçados ou insultados (24,4%), excluídos de acções familiares (12,8%), exceptuados de actividades sociais (7,2%) e fisicamente atacados (5,1%). Cerca de 14,5% dos entrevistados considera que perdeu emprego (sobretudo devido à deterioração do seu estado de saúde), (6%) confirmaram terem sido forçados a mudar do seu local de residência, (5,4%) reportaram terem sido, eles próprios ou os filhos despedidos, expulsos ou suspensos de uma instituição de ensino devido à sua condição de PVHS, negados serviços de planeamento familiar, serviços de saúde e reprodutiva (3%).
Sobre a opção de ter filhos, o relatório divulga que 15,8% do total dos inquiridos disseram ter sido aconselhados por um profissional da saúde a não ter (mais) filhos por causa da sua condição de PVHS (3,1%), 78,3% de mulheres afirmaram mesmo ter sido coagidas por um profissional de saúde a serem esterilizadas depois do diagnóstico e 6,8% alegaram ter sido obrigadas a interromper uma gravidez. Noutra perspectiva, cerca de 60% dos inquiridos manifestaram sentimentos negativos em relação a si próprios (estigma interno) por serem portadores de VIH, 35,5% tinham pouca auto-estima, 34,8% sentiam-se envergonhados, 32,8%) sentiam-se culpados, 10% sentiam vontade de se suicidar e 6,1% achavam que deveriam ser punidos.
Em função desta auto-estigmatização, em particular no ano que precedeu o inquérito, 27,9% dos inquiridos inibiram-se de participar em encontros sociais, 26% isolaram-se da família e amigos, entre 13% a 16% decidiram parar de trabalhar ou de procurar trabalho, não casar ou não ter relações sexuais, e cerca de 10% evitaram ainda ir a uma cínica ou hospital quando precisava.
Por sua vez, Rito Massuanganhe, representante do Conselho Nacional de Combate ao SIDA (CNCS), explicou que o índice de estigma é o primeiro exercício em Moçambique, que espelha a percepção pública da forma como a compreensão da pandemia de VIH/SIDA é encarada e interpretada na família, comunidade e nas instituições. Por isso, o défice de valores éticos e morais, a observância nos serviços da metodologia profissional, sobretudo no atendimento e atenção para com as pessoas vivendo com VIH/SIDA e, acima de tudo, a alta prevalência de tabus, preconceitos em torno da problemática do VIH/SIDA, constitui um calcanhar de Aquiles. “
As Pessoas Vivendo com VIH/SIDA (PVHS) sentem na pele, na consciência, quando confrontados com desprezo, reducionismo na família, unidade sanitária, no mercado, tribunal comunitário e noutros ciclos de interesse onde a suas vidas fluem”, concluiu Massuanganhe.