Arriscamo-nos a afirmar que, nos tempos que correm, os únicos utentes dos barcos à vela são os turistas que querem experimentar o prazer de cortar as águas sem poluí-las. Sem o ruído dos motores, numa baía que, pelas suas características, reivindica o silêncio e a tranquilidade. Outros utilizadores deste meio de transporte marítimo serão os nacionais que vão transportar mercadoria volumosa, grosso modo para a comercialização. Mas também as pessoas deste tempo moderno não têm capacidade para suportar a demora. Por isso enfiam-se, ou nos dois grandes barcos a motor da Transmarítima, com capacidade para perto de cem passageiros cada um, ou ainda nos mais pequenos, com motores fora de bordo. Todos querem chegar depressa aos seus destinos.
Quem perdeu com tudo isso são os veleiros. E quem perdeu também, com tudo isso, são as cidades de Inhambane e Maxixe, que nunca mais terão o arrebatador espectáculo que nos era oferecido diariamente. De graça. Com dezenas de “jangadas” entregues ao vento e ao mar com as suas velas enfunadas, quais regatas onde todos saíam a ganhar. Hoje são os motores que roncam, e ninguém está contra isso. Até porque os dois barcos da Transmarítima, quando chegaram, foram amplamente aplaudidos.
Quase por unanimidade, exceptuando os proprietários das barcaças com motor fora de bordo, que viam naquela novidade alguém que ia competir com eles no negócio de forma desigual. Mas as regras do negócio ditam isso mesmo: ganha quem oferece melhores serviços e, se o preço for competitivo, a margem de conquista do espaço é ainda maior.
Não obstante a presença dos dois “colossos”, a luta continua e, ao fim do dia, todos ganham alguma coisa, pelo menos para manter o negócio. São cerca de duas dezenas de barcaças que diariamente transportam passageiros, cobrando um valor de 10 MT por cada indivíduo.
A capacidade desses barcos varia entre 35 e 50 lugares, com algumas excepções provocadas por um e outro de maior calado, que pode transportar até perto de 70 pessoas. Estas embarcações levam ainda vantagem sobre as maiores porque são mais rápidas e, em tempo de maré calma – que é característica geral da baía de Inhambane – os utentes preferem ir nestas. Daí que estão em permanente movimento porque as duas cidades fervilham, mais por força da Maxixe, onde o negócio tem maior ritmia, do que propriamente pela energia da capital.
Segurança
Nos dias de mau tempo os pequenos barcos não podem navegar. Relatos de naufrágios, na travessia Inhambane-Maxixe, por desrespeito às normas de navegação, têm sido muito escassos. E será durante as intempéries que os “grandes” vão redobrar os esforços. Mesmo tendo vindo para salvar uma situação que dantes punha em perigo permanente os utilizadores daquela via, o “Magulute” e o “Baía de Inhambane”, nomes pelos quais são baptizadas as duas embarcações, mostram-se cansados.
Estão quase a todo o momento nas “mãos” dos mecânicos. Já houve situações em que ficaram à deriva no mar por avaria e só não aconteceu o pior porque o destino não quis. Na última segunda-feira, a Reportagem do @Verdade deslocou-se ao ancoradouro com a intenção de conversar com alguns marinheiros que se fazem à água todos os dias, transportando pessoas e bens.
Eles reconhecem que o trabalho que realizam é de alto risco, mas que fazer? Alguém tem que estar ali. Perguntámos ao responsável pela Associação dos Transportadores Marítimos, um homem conhecido por Vukani, sobre os principais problemas que se têm registado na baía. “Geralmente não temos tido problemas de maior. Relativamente aos acidentes, praticamente não temos registado casos que possam merecer registo”.
Quando o tempo está bom, alguns barcos ultrapassam a lotação estabelecida, com todos os riscos que isso representa. Entretanto Vukani desdramatiza. “Se isso na verdade acontece é contra o estabelecido”. – – Mas como é que se podem dar esses casos se em princípio temos aqui um fiscal? “Não sei, mas não temos tido problemas”. Quanto ainda a outros meios com motores visivelmente desgastados, Vukani não se quis pronunciar, mesmo depois de lhe termos interposto: – E se esses motores pararem no meio da água?
A desolação
Quando navegavam os barcos à vela, as cidades de Inhambane e Maxixe pareciam um paraíso unido pela baía. Os marinheiros “acotovelavam-se” na disputa dos passageiros. E no meio deles erguia-se um homem bastas vezes “acusado” de ser simpático: o Mangoba, agora exausto pelas longas batalhas que partilhava com os golfinhos que têm aparecido por ali.
Mesmo sabendo a “xibalo”, os que não queriam descalçar para se fazerem aos barcos, eram levados aos ombros. As mulheres, que também não queriam tirar os seus sapatos, faziam-se transportar nos braços de dois homens, como se aqueles membros fossem uma machila. A história tinha o seu toque cultural.
De longe ouvia-se o chamamento “Maxixeeeeeeeee! Sewiiiiiiiiii! Sewi era pronunciado aos gritos do lado da Maxixe, visando aqueles que queriam demandar Inhambane Sewi, como é chamada a capital da Terra da Boa Gente. Os homens que não quisessem ir sobre os ombros de outros homens descalçavam e arregaçavam as calças, as mulheres puxavam as saias deixando ver as sempre cobiçadas coxas. Era uma festa!
Hoje tudo acabou. Ficou a desolação. Mangoba (um marinheiro histórico na Maxixe) também já não está lá. É a vida!