As selecções nacionais de basquetebol em seniores masculinos e femininos vão, nos próximos dois meses, Agosto e Setembro, participar nos respectivos campeonatos africanos da modalidade, o Afrobasket. Contudo, até hoje, o país não organizou nenhuma competição oficial com vista a seleccionar os melhores atletas e, em última instância, conferir-lhes maior rodagem competitiva.
No próximo mês de Agosto, entre os dias 26 e 31 em Abidjan, capital da Costa do Marfim, a selecção sénior masculina vai participar no Campeonato Africano de Basquetebol, edição 2013. Neste certame, Moçambique está integrado no grupo C com as selecções de Angola, de Cabo Verde e da República Centro-Africana.
Já a selecção feminina, que será anfitriã do Afrobasket do seu escalão, só entra em cena a partir do dia 20 até 28 de Setembro próximo, figurando como cabeça de série do grupo A, em que se incluem o Senegal, o Egipto, o Zimbabwe, a Costa do Marfim e a Tunísia.
No entanto, o país vai para estes dois certames continentais sem, no mínimo, ter organizado nesta época desportiva que arrancou no passado mês de Março uma competição oficial. Aliás, sem provas, ainda que conhecidas as caras (ideais) que podem ser alistadas nas duas selecções nacionais questionam-se os critérios de convocação de atletas usados pelos respectivos técnicos. Tecnicamente falando: qual é a garantia que os jogadores escolhidos oferecem ao país, sabido que não competiram e muito menos demonstraram as suas capacidades e habilidades quer físicas, quer técnicas em campo?
Desde a abertura da época desportiva pela Federação Moçambicana de Basquetebol (FMB), em Março, até hoje aquele organismo não organizou nenhuma competição, ainda que dependente das associações provinciais para encontrar, por exemplo, as equipas que devem desfilar num campeonato nacional de ambos os sexos. Mas, o mais calamitoso é, na verdade, a falta de calendarização do basquetebol moçambicano.
A cidade de Maputo, diga-se de passagem, é o ponto de referência desta modalidade a nível do país, facto inegável que faz com que a maior parte dos integrantes das duas selecções nacionais sejam deste ponto. Ademais, é consensual afirmar-se que a falta de provas na capital afecta, por tabela, o país no geral.
A cidade de Maputo só organizou um torneio
Desde o anúncio oficial da abertura de época, a Associação de Basquetebol da Cidade de Maputo (ABCM) decidiu, nos princípios de Março, reunir-se com os seus associados para discutir como seria feito o relativo calendário. Infelizmente, na referida reunião, não compareceram os clubes Desportivo e Ferroviário de Maputo, que são os únicos com pavilhões, ou seja, de quem depende a capital para realizar as provas de seniores.
No entanto, mesmo sem a presença deles, ficou decidido de forma unânime que os campeonatos da cidade iriam arrancar a 29 de Março, antecedidos pela inscrição dos clubes. Mas, para além de aquele dia ter coincidido com a sexta-feira Santa, aqueles dois clubes faltosos avisaram, dias depois da reunião, que o pavilhão do Desportivo estaria em obras e que o do Ferroviário só podia acolher jogos da equipa da Universidade Pedagógica (UP), visto que entre eles existe um acordo de uso das instalações.
Contudo, este impedimento ficou ultrapassado quando o clube locomotiva decidiu ceder o seu campo para a realização das provas ainda que, naquela altura, tenha levantado outra questão relacionada com o facto de estar a pagar as mesmas taxas que das outras colectividades sem pavilhões exigindo, porém, uma espécie de “indulto”. Foi daí que, transcorridos dois meses depois do previsto, finalmente arrancou o Torneio de Abertura da cidade que, em seniores masculinos, registou uma interrupção de quase um mês por motivos administrativos.
Neste certame, estranhamente, não participaram pelos respectivos clubes, grande número de atletas que militam na selecção nacional, seja em masculinos, seja em femininos, como aliás é apanágio em todos os anos. O mais curioso é que, durante o torneio, nenhuma das duas selecções estava em actividade para justificar a ausência dos principais jogadores.
Anastácio Monteiro, secretário-geral da ABCM, aceitou falar ao @Verdade para, no mínimo, esclarecer o que está por detrás da falta de calendarização e consequente desorganização do basquetebol moçambicano, com principal enfoque na cidade de Maputo. Aquela fonte revelou dois dados interessantes: é que por um lado há falta de fundos nos cofres da associação e, por outro, ainda que ligado ao primeiro, os clubes não honram os seus compromissos.
“Temos de partir do princípio de que a primeira competição organizada por nós é o torneio de abertura. Infelizmente ainda não terminámos esta prova porque estamos com crise de tesouraria, visto que é preciso pagar aos árbitros” disse a fonte, acrescentando que, exceptuando o Ferroviário de Maputo e a Universidade A Politécnica, “os clubes devem à ABCM cerca de 250 mil meticais de subsídios para os árbitros”.
Isto, para Monteiro, não só coloca em causa a continuidade do torneio de abertura da época, faltando somente um jogo para o seu término, ainda que seja conhecido o vencedor, como também compromete a calendarização das competições pois, sem terminar esta, não se pode organizar outra prova. “Quem faz o dia-a-dia do basquetebol são os árbitros. Se não pagamos a estes profissionais, que moral teremos para pedir que eles apitem os jogos? É preciso incentivá-los pois, antes mesmo de serem árbitros, são pessoas com necessidades pessoais, cujo trabalho que prestam merece recompensa”.
“Para sair deste impasse, mantivemos um encontro na última sexta-feira (19 de Julho) com a federação, com os clubes e com o Ministério da Juventude e Desportos, em que decidimos que cada colectividade, para além de pagar os 40 mil meticais em dívida para com a ABCM, deve desembolsar mais 5000 meticais” afirmou Anastácio Monteiro quando questionado sobre as soluções em vista para que o país volte a movimentar o basquetebol a nível profissional.
No entanto, a fonte revelou alguma dúvida quanto ao tipo de competição que se segue depois do torneio de abertura pois os clubes, neste momento, estão sem os seus principais jogadores, ora ao serviço das selecções nacionais. “Quem deve definir a competição que se segue são os próprios associados. Temos de estar cientes de que não nos resta muito tempo devido às provas africanas que se avizinham sendo que uma parte das equipas tem os jogadores representados nas selecções que vão para os ‘Africanos’, o que torna mais viável organizar a Taça de Maputo”.
Contudo, o nosso interlocutor deixou escapar uma confissão: “a época iniciou tarde e a participação do país nos dois campeonatos africanos de Ae Setembro próximos, sabido que as selecções entrariam em períodos longos de estágio puxava, de uma ou de outra forma, a organização de provas oficiais e de rodagem para o próximo mês de Outubro”.
Uma federação sem norte
O “edifício” da desorganização no que à calendarização de competições no país diz respeito parece baralhar também a direcção da FMB. É que, segundo o comunicado número um daquele organismo, a realização do Campeonato Nacional de Basquetebol seria possível, ainda que sem datas fixas, somente no próximo mês de Novembro não estando claro, no entanto, se seria por via da Liga Moçambicana de Basquetebol ou das competições regulares de uma semana.
Francisco Mabjaia, presidente daquele organismo, pondera, com esta desorganização, mudar completamente a época desportiva desta modalidade em Moçambique. Se as associações provinciais só podem organizar os seus certames somente depois do mês de Setembro, na óptica do número um do basquetebol moçambicano a temporada deve também arrancar depois das provas africanas, com término previsto para o mês de Junho do ano seguinte.
Ou seja, Francisco Mabjaia é apologista da ideia de não existirem competições internas antes do arranque dos “Africanos”, sendo que os meses que se seguem seriam somente para a preparação das selecções nacionais com vista a participarem nas diversas provas internacionais, para se atingir aquilo que apelida de “ritmo competitivo invejável”.
“É preferível o basquetebol de rua do que o da quadra”
Para Helmano Nhatitima, capitão da equipa sénior do Desportivo de Maputo e outrora internacional moçambicano, com um registo de participações em várias edições do Afrobasket com a camisola da selecção nacional, é inconcebível não haver nenhuma competição no país.
Para este entrevistado, todo o atleta que se preza gosta de jogar basquetebol, da mesma forma que não existe nenhum professor que o é, sem exercer a profissão. “É característica do basquetebolista exibir as suas qualidades. Os clubes treinam todas as semanas com o objectivo de competir durante o fim-de-semana. É complicado quando ficamos meses a fio a treinar e as direcções dos clubes a pagarem salários aos atletas, para no fim não haver nenhum resultado”.
Este atleta, com cerca de 18 anos no basquetebol, confessa que o que se passa hoje em Moçambique, onde não há competições, é algo único e sem memória. Aliás, a falta de calendarização desportiva, para ele, é um insólito sem precedentes. “Desde que me tornei jogador, não me lembro (nunca) de ter passado por uma situação do género. É algo novo não termos certames” e aponta o dedo: “nós já tivemos diversos presidentes da Federação Moçambicana de Basquetebol (FMB) bem como dirigentes da Associação de Basquetebol da Cidade de Maputo (ABCM) e nunca passámos por isto”.
Sobre a desculpa de não haver actividades que dêem lugar à preparação das selecções nacionais, Helmano disse que a mesma não faz sentido. Serviu-se da sua experiência como jogador do conjunto nacional para afirmar que, “por diversas vezes, o país foi jogar fora sem, no entanto, afectar a existência de jogos internamente. No passado tínhamos várias competições desde os torneios de abertura, as taças, até campeonatos pelo que, no mínimo, só podíamos suspendê- las para dar lugar à prestação da selecção, retomando mais tarde. O que acontece hoje é que não temos nem um confronto oficial”.
“Uns falam de falta de dinheiro. Mas eu nunca vi, ao longo desta minha carreira, uma federação com muito dinheiro. Digo até mais: as associações passaram sempre por dificuldades. Mas a diferença reside no facto de, no passado, ter havido interesse e vontade de ver o basquetebol a ser disputado nos pavilhões. Pergunto: que dirigente fica feliz em saber que a sua modalidade não está a ser praticada? Que clube vai continuar a alimentar o basquetebol, como, por exemplo, pagar atletas e estágios, sabendo que no fim do dia não haverá nada?” lamentou Nhatitima.
“Já estivemos profissionalizados”
Helmano Nhatitima acha que o basquetebol moçambicano regrediu muito nos últimos anos. Para este atleta, os problemas estruturais que afectam esta modalidade “colocam Moçambique num buraco sem fundo. Não fizemos nada para melhorar e estamos a piorar cada vez mais. Precisamos rapidamente de mudanças. Pode não ser de pessoas, pois é preferível não ter presidentes mas campeonatos de rodagem”.
“Nós não podemos contentar-nos somente com o torneio de abertura. Precisamos, sim, de uma competição rodada e que nos ofereça qualidade. O espelho do basquetebol de qualquer país é a selecção nacional. Não é admissível um clube ter apenas seis jogos numa só época” comentou Helmano.
O nosso interlocutor lembrou com nostalgia a época de Ilídio Caifaz, antigo presidente da FMB que, na sua óptica, apesar de lhe ter dirigido muitas críticas na altura, conseguiu profissionalizar o basquetebol moçambicano com a fundação, por exemplo, da Liga Nacional, “perecida” há dois anos. “Nós jogávamos até doerem as pernas. O próprio Campeonato da Cidade era bastante renhido, visto que era disputado em três voltas. No passado, quando estávamos profissionalizados e com uma Liga Nacional, nós ombreávamos com o nosso maior rival na história das competições internacionais, a África do Sul. Hoje, nas condições em que estamos, não somos capazes até de jogar abertamente contra eles”.
Igualmente, quando instado a fazer a antevisão das duas competições africanas que se avizinham, em que Moçambique irá participar, Nhatitima lançou um forte alerta: “não quero ser pessimista. Espero que as duas selecções nos saibam representar. É verdade que temos alguma qualidade, mas se algo de mau acontecer não podemos atirar as culpas à equipa pois, como disse anteriormente, tudo o que se faz internamente tem resultados na selecção. Os atletas precisam de rodagem; precisam de competir; precisam de mostrar que estão em condições de entrar num campeonato ao mais alto nível e para ganhar”
“O basquetebol de rua está a ganhar terreno”
Segundo o nosso interlocutor, o basquetebol de rua foi sempre praticado no país, sobretudo na cidade de Maputo. Durante o período de férias, quando houvesse competições, jogadores de grandes clubes e da selecção nacional concentravam-se nas diversas ruas existentes na capital do país para levarem a cabo o que mais gostam de fazer: jogar.
Mas como é que se joga o basquetebol de rua? Esta especialidade dá ao jogador a liberdade de se expressar, ou seja, de criar e improvisar jogadas. O basquetebol de rua é a continuação do da quadra, com a diferença de dar valor à habilidade e à criatividade de cada atleta. Nesta disciplina, a altura não é um factor indispensável, sendo fulcral a habilidade técnica e de improvisação de cada atleta. Joga- -se basicamente nas ruas, no asfalto, nas praças, etc., em que por norma os jogos são acompanhados pelo som do “rap”.
As suas regras são menos rígidas do que o basquetebol de quadra e pode ser disputado em diversos formatos, seja de um para um, de três para três e até mesmo de cinco para cinco, existindo apenas uma tabela.
Contudo, é este tipo de bola ao cesto que nos últimos meses tem ganhado a adesão de basquetebolistas moçambicanos, sobretudo dos federados, conforme revelou Hermano Nhatitima: “hoje em dia os jogadores preferem estar no basquetebol recreativo por saberem que terão muitos jogos, do que no federado”.