Ao concerto dos 12 anos da Banda Moticoma, fomos com uma certa curiosidade – sentir as sonoridades da Mbira Nyunga-nyunga – e interessámo-nos pela sua história.
Depois de assistirmos ao primeiro concerto da Banda Moticoma, realizado no Centro Cultural Franco-Moçambicano, em Maputo, ficamos com uma ideia básica. Vimos um ‘show’ modesto, no entanto, carregado de grande simbolismo.
O evento foi programado com muita antecedência. Por isso, a ideia da modéstia deve-se à fraca adesão das pessoas, não obstante, a capacidade singular que os membros da referida colectividade possuem na execução instrumental e musical. Um outro factor que se associa a esta percepção prende-se à ‘nudez’ do palco em termos de arranjos do cenário que não houve.
Colocou-se um conjunto de músicos – instrumentistas, intérpretes e bailarinos – no centro do palco, onde actuou, para satisfazer a vontade de algumas pessoas, desejosas de ver um concerto de música tradicional. Tratou-se de um ‘show’ pouco elaborado, sob o ponto de vista de produção.
Entretanto, por outro lado, estas fragilidades manifestas e registadas não desvirtuaram o simbolismo que a realização carregava para os músicos. É que os mesmos, há 12 anos, labutam pela sublimação da sua arte e da cultura musical no país. O concerto foi, sim, simbólico porque, teimosos e sem se distrair dos seus objectivos, continuamente, os Moticoma correm em direcção ao triunfo.
É por essa razão que, além da interacção com o público – para o agrupamento – o evento, também, teve o objectivo de celebrar o tempo que passou, as conquistas materializadas, mas ao mesmo – em jeito de quem explica que está consciente dos obstáculos que se impõem no percurso, sobretudo a falta de apoio por parte dos mecenas culturais – para amealhar algum dinheiro para a gravação do primeiro trabalho discográfico.
Assistimos ao espectáculo, por isso (em forma de descrição) podemos afirmar que a banda é presente e actuante. Sabe fazer a festa, apesar de que – uma marca característica sua – vezes sem conta, os artistas fazem-na para si próprios. Isolam-se do público e, em jeito de desafio entre si, exibem os seus domínios na execução dos instrumentos. Instalam uma cena espectacular porque o mais importante, nessa estranha actuação, acaba por ser a produção de adrenalina que envolve o público.
Diz-se que os Moticoma sabem fazer um ‘show’ no sentido de que têm a consciência de que as suas músicas são para a celebração, demandando, por isso, a participação do público, através do canto ou da dança. É por essa razão que quando o público – por qualquer razão – se mostra apático, os artistas convidam-no a bailar.
É m resultado desta experiência que nos sentimos coagidos a interagir com alguns membros do colectivo – o instrumentista e vocalista Zandy Mundolas, o percussionista Ndzondza e o baixista Litho Jumpepa – para construir a história que o estimado leitor irá acompanhar a seguir. Mas a banda possui outros elementos como, por exemplo, o guitarrista Mole, o percussionista e corista Pak, o intérprete e percussionista Tony Maposse, o baterista Dolo, entre outros.
O nascimento
Zandy Mondolas: A criação da Banda Moticoma foi uma ideia de jovens estudantes do bairro do Alto Maé. Na altura todos tocávamos e praticávamos danças tradicionais – nas escolas e igrejas – sem fins lucrativos. As primeiras tentativas de nos unirmos fracassaram. Por vezes, as bailarinas faltavam muito aos ensaios. Daí que nós, os músicos, percebemos que a colectividade – como praticante de danças – não era séria. Apostámos na música.
Nos anos 2000, participámos num certame musical promovido pelo Centro Cultural Franco-Moçambicano em que ficámos em terceiro lugar. Sentimo-nos estimulados, sobretudo porque interagimos com outras bandas. No início só utilizámos batuques e vozes nas nossas músicas. Depois explorámos a Timbila, antes de descobrirmos a Mbira Nyunga-nyunga, o instrumento básico para a produção de todo o nosso espólio musical, que nos identifica.
Ndzondza: Na verdade nós produzimos uma música tradicional que tem influências de sonoridades de quase todo o país. Fazemos uma fusão de ritmos de tal sorte que não sabemos, com exactidão, que estilo musical é o nosso. Descobrimos a Mbira Nyunga-nyunga, da província de Tete, que é um instrumento musical que estamos a explorar de modo particular.
Não sei se existe, em Moçambique, outra banda que utiliza a Mbira Nyunga-nyunga como um alicerce da sua música. Por isso, congratularmo-nos com o facto.
Zandy Mondolas: Apostámos neste instrumento porque tem uma sonoridade agradável e muito espiritual. Há mais de mil anos, a Mbira Nyunga-nyunga foi utilizada pelos africanos nas mais sublimes cerimónias tradicionais. Mas, além das melodias que produz, esta Mbira encanta-nos por ser de Tete. Ela é, em certo sentido, nossa e – da mesma forma que se faz com a Timbila – devemos sublimá-la.
Compreendemos que existem jovens que tocam a música tradicional, mas nenhum já apareceu com a ideia de criar um vasto reportório musical com base na Mbira Nyunga-nyunga. Isso inspira-nos imenso, consolidando a nossa identidade. Empregamos outros instrumentos musicais modernos também.
As experiências duras
Ndzondza: As dificuldades fazem-nos crescer. Sempre tivemos vontade de superá-las. Éramos inexperientes, por isso também perdemos alguns elementos na banda, sobretudo porque, em Moçambique, a música não dá a vida que o artista anseia. As pessoas devem amá-la e lutar por ela. Se nós persistimos é porque vimos uma luz verde e queremos segui-la, continuamente.
Litho Jumpepa: Tornei-me membro da Banda Moticoma, em 2007, quando ela já tinha quatro anos. No entanto, eu vivia no bairro de Magoanine. A dura experiência que tive como membro da colectividade é que por, falta de dinheiro, duas vezes tive de sair de Mogoanine para o Alto Maé, onde ia ensaiar, e retornar a pé. Nenhum de nós tinha dinheiro para me apoiar no transporte.
Além disso, houve um tempo em que, por mais de dois anos, para fazer concertos, nós dependíamos de uma viola-baixo emprestada a qual, com toda a razão, os donos nos arrancavam sempre que quisessem. Também ocorreu uma situação em que o proprietário da Mbira – que nós pedimos emprestado – veio buscá-la a faltarem duas horas para o início do nosso ‘show’.
Zandy Mundolas: O problema é que, naquela altura, era muito difícil encontrar uma Mbira em Maputo. Nós estávamos aqui e nem podíamos viajar para a província de Tete.
O nosso mérito
Zandy Mundolas: Em 2008, ficámos classificados na segunda posição no Festival Crossroads, o que nos valeu representar Moçambique no Zimbabwe. Outro momento inesquecível foi a nossa participação, nas Ilhas Maurícias, num evento chamado ‘La Abolition de la Esclavage’, o fim da escravatura, em África. Também viajámos para Dinamarca, onde realizámos digressões por todo o país, durante um mês, em 2009. Essa experiência inspirou-nos imenso. Mas é preciso louvar a unidade que prevalece na banda. Nós somos amigos.
Na África do Sul, actuámos em Base Line, num dos palcos onde desfilam artistas como Hugh Masekela e Jimmy Dludlu. Em Moçambique já realizámos concertos nas províncias, sobretudo em Inhambane, na praia de Tofo.
Litho Jumpepa: Em termos musicais, senti-me muito realizado quando estive na Dinamarca porque, lá, tocava quase todos os dias, realizando mais de dois ‘shows’. Houve vezes em que realizámos quatro espectáculos num dia. Essa experiência faz com que mesmo o pior músico ganhe competência. Por essa razão, quando retornei a Moçambique senti que tinha um alto nível de execução instrumental, o que nos falta aqui. Temos falta de incentivos porque, no nosso país, toca-se muito pouco, e não há muitos festivais.