Durante algum tempo, 19 artistas plásticos moçambicanos transformaram bicicletas em obras de arte, cuja comercialização pode suavizar o sofrimento de pessoas desfavorecidas. A iniciativa chama-se Pinte Pelo Povo e é protagonizada por três organizações nacionais. As obras estão expostas na Mediateca BCI – Espaço Joaquim Chissano, em Maputo.
Em Moçambique, o Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS) de 2011 – publicado em Março último – revela que um pouco mais de metade de nascimentos (55%) ocorridos nos últimos cinco anos tiveram lugar em unidades sanitárias estatais e 43% ocorreram nos domicílios.
O documento informa que “a possibilidade de uma mulher ter assistência adequada durante o parto depende do lugar onde este ocorre. Nos países como Moçambique, onde tem poucos profissionais de saúde, os partos que se dão em casa têm pouca possibilidade de serem assistidos por pessoal médico – grifo nosso – qualificado, contrariamente aos que ocorrem nas unidades médicas”.
A razão é simples. A assistência ao parto por um profissional de saúde treinado é de extrema importância, pois contribui para a diminuição da mortalidade materna e perinatal”. No entanto, o problema é que, em Moçambique, nas zonas rurais, o sistema de transporte é deficiente – havendo lugares em que o mesmo não existe –, e os postos de abastecimento de água, que também são escassos, encontram-se a distâncias longínquas.
O IDS reporta também que quase três terços de moçambicanas (62%) declararam que tiveram pelo menos um problema de acesso aos cuidados de saúde. A percentagem é mais elevada nas zonas rurais (76%) do que nas cidades (35%). No depoimento das mulheres, esta realidade é originada, mormente, pelas longas distâncias entre as residências e os postos de saúde.
Mas o que estes números, apesar de denunciarem factos, têm a ver com criação artística? Com a pintura? Talvez, a uma horas dessas, o estimado leitor se questione. A verdade é que a maior parte dos artistas plásticos filiados na Associação Núcleo de Arte têm a consciência do sofrimento que a situação impõe na vida desses moçambicanos. Mais do que isso, compreendem que é necessário transformá-la.
Correlacionados com a necessidade de se suavizar as dificuldades das pessoas carenciadas, há muitos outros factores que inspiraram a Mozambikes, a empresa promotora da iniciativa, o Núcleo de Arte que forneceu os artistas, a mão-de-obra, para o efeito, incluindo a Mediateca BCI – Espaço Joaquim Chissano, onde as obras estão expostas, a executarem estas criações.
Há vários objectivos em volta da mesma manifestação: A promoção do uso de bicicleta, do seu poder na luta contra a pobreza nas zonas rurais, a divulgação e promoção da pintura e dos artistas plásticos, incluindo, por extensão, a divulgação da cultura moçambicana. Mas também, e acima de tudo, como refere Lauren Thomas, da Mozambikes, é importante “vender-se estas obras de arte para que se obtenha o dinheiro que será aplicado na compra de bicicletas a serem doadas às comunidades que têm dificuldades em termos de meios de transporte”.
Uma crença
O que se percebe neste conjunto de acções combinadas é que há uma crença, uma ideologia – ‘comprada’ por Arlindo, Bento, Bono, Carlos Fornasini, Carlos Jamal, Chichongue, Falcão, Fiel dos Santos, Forna, Hobjana, João Henriques, Mahumanhana, Makolwa, Mapfara, Matswa Vilankulo, Nhongwene, Niria Fire, Saranga e Quehá, os mesmos artistas que construíram as obras – difundida pela Mozambikes: “Uma bicicleta pode mudar uma vida, trazendo água potável, possibilitando o acesso a clínicas e escolas, transportando lenha e produtos agrícolas”.
É por isso que as pessoas a quem se ofertam as bicicletas são, criteriosamente, seleccionadas: “Para que uma pessoa receba uma bicicleta, ela deve ganhar menos que um salário mínimo e deve viver numa zona rural”. Além do mais, Lauren Thomas explica que “na semana passada doámos bicicletas às mulheres que trabalham nas machambas. Elas fazem um percurso de duas horas, a pé, para chegar ao local do seu trabalho ou para encontrar água potável”.
Durante a criação das obras, os artistas abraçaram com muito afecto a ideia fazer arte para apoiar as pessoas desfavorecidas. “Eles não receberam nenhum dinheiro para trabalhar, mas apostaram na causa. Ou seja, perceberam que esta acção era necessária e oportuna. O trabalho, em si, foi uma experiência divertida e diferente. Estas bicicletas que foram transformadas em obras de arte possuem ideias, pensamentos e emitem mensagens. Isso significa que os artistas acrescentaram valor às bicicletas”.
Como funciona a estratégia
Como explicar a ideia de reverter o dinheiro da obra comprada em bicicletas? Sobre o assunto, a co-fundadora da Mozambikes, Lauren Thomas, afirma que “nós avaliamos o custo da bicicleta, o valor dos materiais investidos na sua produção, desta vez, como obra de arte, incluindo o trabalho produtivo do artista. É o somatório de todos estes custos que nos dá a imagem/ideia de quantas bicicletas uma obra pode gerar”.
Se uma obra de arte for vendida a 5.500,00 meticais ela gera um total de três bicicletas. Isso significa que as 22 obras de arte – quando comercializadas – podem gerar um universo de mais de 60 bicicletas. Mas acredita-se que esta quantidade pode aumentar porque há obras que são comercializadas a um preço duplicado, sobretudo aquelas que são demandadas fora do contexto da exposição. Houve obras que foram vendidas por 10 mil meticais.
De acordo com a Mozambikes, o projecto irá continuar noutros formatos. “Estamos a pensar em realizar um evento no qual iremos revestir as bicicletas de capulana. Certamente que, desta vez, trabalharemos com designers e estilistas”.