Embora não disponha de palcos convencionais, o actor deste Moçambique contemporâneo – inspirado na ideologia da Escola de Comunicação e Artes – deve exibir as suas obras ao público. Mas reaproveitar os espaços alternativos, expondo as suas criações de graça, nem sempre é rentável. Como sair deste dilema?
Relativamente a esta questão do desenvolvimento das artes cénicas, o teatro sobretudo, os moçambicanos têm fé nos seus filhos que se estão a formar nas escolas de arte. Vêem-nos como se fossem a solução para os problemas actuais no sector das artes. Em certa medida, eles são uma luz para as dificuldades da sociedade contemporânea. Até porque a escola dota-os de conhecimentos teórico-práticos para o efeito. Uma das doutrinas boas apregoadas pela ECA é a necessidade de – contrariando a indisponibilidade das salas de teatro da capital do país para todos os artistas – se reaproveitar os espaços alternativos, transpondo a barreira do palco convencional.
Na Escola de Comunicação e Artes, e para os programas de formação daquela instituição, a táctica tem-se revelado eficaz. Funciona. O drama é que no fim da licenciatura, altura em que os actores e encenadores abandonam a academia, devendo, igualmente, começar a enfrentar os desafios do mercado em relação à necessidade de fazer teatro para satisfazer as necessidades dessa indústria cultural a situação torna-se complexa. A exposição de uma peça teatral é consequência de um trabalho árduo e oneroso de produção, muito bem conhecido pelos formandos e praticantes desta forma de arte.
Horácio Guiamba, actor do Grupo de Teatro Gungu, há mais de 10 anos, e estudante finalista de representação na Escola de Comunicação e Arte, caminha em direcção ao mercado. É a ele que colocámos a pergunta do parágrafo inicial dessa matéria. E antes de nos expor uma resposta mais elaborada, o actor reconhece que – tal como o problema – a questão é complexa. De qualquer modo, “há sempre uma saída porque, por causa desta realidade, as pessoas criam as suas obras tendo em conta essas dificuldades. Uma vez elaborado, o espectáculo é apresentado a um potencial financiador que o patrocina dentro de alguns condicionalismos que satisfazem os seus objectivos”.
Neste infortúnio, interpretando o raciocínio de Horácio Guiamba, há artistas que acabaram por se acomodar: “Agora as pessoas estão mais preocupadas com o dinheiro e não com a produção de espectáculos com arte. Ou seja, os artistas produzem as suas criações, pedem o financiamento nas organizações não governamentais e apresentam as obras de acordo com os interesses dessas entidades. Consequentemente, há valores artísticos que se perdem nessa criação”. Instala-se, no final, uma situação que coloca o actor à deriva no seu espaço alternativo. “Isso é preocupante porque, apesar de eu precisar de algum suporte financeiro, a minha arte não é comercial”, refere o artista que nos remete a esta pergunta essencial: como fazer arte genuína, tendo em conta todos os embaraços que se impõem ao processo?
Grosso modo, não dá para ignorar os feitos das doutrinas da ECA – numa altura em que a falta de espaço convencional podia fundamentar determinadas inacções. “Além de democratizar o acesso do público ao teatro, reaproveitar os espaços alternativos contribui para que nós, os actores, não fiquemos reféns das salas cujo acesso é condicionado”. O problema é que não tendo sala para apresentar a obra, numa situação em que o espectáculo é comercial, os espaços alternativos – de acesso livre – já não são apropriados para a exposição de peças de teatro. Seja como for, eles são a última opção para apresentar obras teatrais sob pena de a arte morrer.
Nesse sentido, e olhando para o facto de que não há artista sem utopias – sonhos por realizar – as de Horácio Guiamba, actor de 30 e pouco anos, cuja voz é utilizada para colocar Adolf Hitler a falar xichangana, estão relacionadas com a necessidade de haver espaços adequados para a exposição de obras artísticas para todos os fazedores de arte no país.
“No mundo das artes, no teatro principalmente, é muito importante que as pessoas tenham espaço de acção para expor as suas obras. Por isso, eu gostaria que um dia, em todas as capitais provinciais, os artistas tivessem uma sala disponível para fazer arte – sem terem de arrendar”, diz Guiamba a quem não faltam argumentos: “Eu conheço este país. Ele tem um grande potencial nas artes. Felizmente não fui desviado porque até agora estou no teatro, mas há grupos com actores talentosos que não conseguem evoluir porque não têm espaço para o efeito”.
É por essa razão que a sua expectativa é a de poder sair de sair de Maputo para qualquer canto de Moçambique, “a fim de exibir a minha obra, sem ser obstruído pelo problema da falta de salas de teatro”.