Os rappers suburbanos da cidade de Maputo estão “a caminho do alfa e do ómega”. A par disso, alertam os consumidores das suas músicas para o facto de que “o mundo precisa de nós”. No dia 23 de Fevereiro, agindo contra todos os obstáculos, realizaram, no bairro da Maxaquene, mais uma das “Tardes de Hip Hop”. É que eles precisam de libertar o espírito underground que habita em si.
No meio das crises sociais e naturais que se abatem sobre os moçambicanos, com enfoque para as enxurradas, os movimentos de solidariedade às vítimas das cheias têm-se tornado fecundos.
Na sua quarta edição, as “Tardes de Hip Hop” – cujos mentores acreditam que “o mundo precisa de nós” – quiseram impor-se como um movimento filantrópico. Querem apoiar as vítimas das cheias, como também acompanham o percurso feito “a caminho do alfa e do ómega”, o primeiro trabalho discográfico do rapper Faryseu The Ghost Devil, ainda por ser publicado.
Desta vez, não foi possível expressar o humanismo do movimento. Nem sempre a boa vontade basta para que as acções se concretizem. No mês passado, altura em que se realizou a quarta edição do dito movimento artístico-musical, tudo – o equipamento, o público, os artistas – chegou muito tarde ao Namburets Bar, onde o evento ganhou corpo. Inicialmente agendado para iniciar às 14 horas, a cerimónia só arrancou às 20 horas.
Então, porque falar de uma iniciativa que, logo à partida, se mostra um fiasco? O que se sabe acerca das “Tardes de Hip Hop”?. Por incrível que pareça, em vários bairros de Maputo, desde os finais do ano passado, esta iniciativa configura-se como um movimento que propõe uma ocupação salutar para os jovens.
Como tudo começou?
A iniciativa começou em Outubro do ano 2012. Jovens amantes da música Rap – que não têm a possibilidade de expor as suas criações musicais nas principais casas de pasto de Maputo – reuniram sinergias, associaram materiais de som, procuraram um espaço e realizam as primeiras duas “Tardes de Hip Hop” no bairro do Aeroporto, entre Agosto e Outubro.
O espectáculo que se realizou no bairro do Aeroporto, um espaço rico em termos de amantes e fazedores de arte, ainda na fase embrionária, conquistou a simpatia da comunidade. “Trata- se de pessoas que – ainda que não sejam rappers – gostaram do movimento e decidiram apoiar”, explica Kenneth Langa, o mentor da ideia, ao mesmo tempo que esclarece que “eu só tenho ideias, mas careço de material, o que eles têm. Por isso, juntámo-nos para materializar a iniciativa”.
Desde o princípio até esta parte, a concretização das “Tardes de Hip Hop” – uma realização que tem muitos aderentes – depende do apoio das pessoas envolvidas.
Por exemplo, o panfleto para a divulgação e promoção da iniciativa é produzido pelos irmãos Fija. Eles também fazem a edição de algumas imagens que são captadas nos locais do evento. “Nas primeiras duas edições, o pessoal da Fija possuía algumas colunas e dois microfones. Pedimos emprestado um amplificador de som porque as nossas condições, em termos de equipamento, são muito precárias”, explica Kenneth.
A terceira edição do evento que aconteceu no bar Ascendente – possui o seu equipamento de som – foi a mais fácil. A expectativa em relação à quarta edição foi totalmente gorada pelo facto de não ter sido preparada com muita antecedência. Na hora certa, todos os apoios desapareceram. A desorganização glorificou-se.
Uma paixão pelo necessitado
Refira-se, então, que as “Tardes de Hip Hop” são uma iniciativa que, em princípio, não tem nenhum fim lucrativo. No entanto, em decorrência do impacto das cheias, bem como do facto de haver a necessidade de apoiar a gravação do álbum de Faryseu, a organização tentou, debalde, cobrar os ingressos.
A ideia de realizar as “Tardes de Hip Hop” sob o mote “o mundo precisa de nós” – em princípio – escuda algo que se deve explicar: “isso deve-se ao facto de eu ter muito afecto pelas crianças da rua. Nesse sentido, desde o início das nossas actividades sempre angariámos materiais para o apoio às crianças desfavorecidas. Pensamos que uma forma de apoiar tais menores é oferecer-lhes algum material escolar. Isso faz com que se desperte neles o gosto pela escola, daí que os petizes acabem por ser atraídos para a escola sem darem conta do facto”.
Ou seja, “nós ajudamos as crianças a ajudarem- se sem se perceberem. No entanto, desta vez, com o problema das cheias, resolvemos angariar materiais para apoiar às vítimas. Há muitas pessoas que sofreram muito com o seu impacto”.
O mundo precisa de nós
De facto, se foi feito para nós, então, “o mundo precisa de nós”. Mas, como explicar esta ideia? Kenneth esclarece que “nós fazemos um estilo Rap, o underground, em que há muita mensagem. É verdade que é um pouco difícil que as pessoas captem a informação, devido ao facto de a música, em si, não ser muito convidativa para a dança, ao mesmo tempo que – para muitas pessoas – não dá gosto escutar”.
De qualquer modo, “se as pessoas escutarem, acabarão por perceber que precisam muito da mensagem que é emitida na música. Por exemplo, nas composições musicais de muitos rappers que eu escuto, percebo que eles têm um dom que lhes possibilita disseminar mensagens fortes de cujo poder nem eles têm consciência”.
É por essa razão que, dois meses depois, “quando os rappers escutam as suas próprias composições ficam admirados por causa do teor das suas mensagens. Então, nós dizemos que o mundo precisa de nós. Uma forma de nos encontrarem é ouvindo as nossas músicas”.
Muitas dificuldades
A periodicidade das “Tardes de Hip Hop” é condicionada pela colecta de apoios, sobretudo o material sonoro para a sua materialização. Por isso, “a primeira grande dificuldade está ligada ao acesso a equipamentos de som. Sentimos que a situação de termos que carregar as colunas de um lugar para o outro é muito complicada porque não temos um meio de transporte próprio”.