O futebol moçambicano é uma modalidade desportiva que definitivamente vive de aparências. Ou seja, não é o que parece e, pese embora seja a prioritária, o divisionismo entre os seus fazedores, a falta de coordenação bem como a deficitária formação imperam, fazendo com que a mesma esteja longe da sua própria essência. Nesta semana, o @Verdade conversou com o presidente da Federação Moçambicana de Futebol, Faizal Sidat, de modo a entender as verdadeiras razões do estágio precário da modalidade, que tem como a face mais visível a fraca prestação da selecção nacional, os Mambas.
@Verdade – Como é que está a Federação Moçambicana de Futebol?
FS – A federação, em termos de contas, neste momento, está muito bem. Apesar da redução de cerca de 60% do orçamento a nós alocado pelo Governo, conseguimos levar a cabo as nossas actividades sem sobressaltos. Posso dizer, com todo o orgulho, que a federação não tem nenhuma dívida. Isto deve-se à nossa capacidade de gestão e, sobretudo, aos vice-presidentes dos pelouros das finanças e da administração que são pessoas altamente idóneas.
@V – Quanto é que a federação recebia do Governo e quanto é que recebe agora?
FS – Recebíamos do Fundo de Promoção Desportiva (FPD) cerca de 30 milhões de meticais e desde o ano passado estamos a receber 10 milhões.
@V – A que se deveu essa redução?
FS – Penso que se deveu ao investimento feito nos Jogos Africanos. Mas devo dizer que temos um excelente relacionamento com o Ministério da Juventude e Desportos, bem como com o Instituto Nacional do Desporto. Sempre que temos algum défice ou algum programa pontual nós vamos ter com eles para pedir apoio e sempre se mostraram disponíveis a ajudar. Não temos razões de queixa.
@V – E a relação com os patrocinadores?
FS – Mantemos um bom relacionamento com os nossos patrocinadores e neste capítulo não temos razões de queixa. Anualmente renovamos os nossos acordos de parceira com os nossos patrocinadores, como é o caso do BCI, da Mcel, da HCB e da EDM.
@V – Questiona-se a transparência das contas da FMF e, inclusive, aquando da redução do FPD, deduziu- se haver um algum “saco azul” no organismo que dirige. O que tem a dizer?
FS – A FMF é um exemplo de transparência na gestão desportiva. É preciso afirmar que as nossas contas são auditadas anualmente por três agências, nomeadamente: KPMG, Ernst & Young e pelo Tribunal Administrativo. Temos também a auditoria da Confederação Africana de Futebol (CAF) e da Federação Internacional de Futebol (FIFA) na aplicação dos valores que eles alocam.
Até hoje não tenho uma nota de mau desempenho no que diz respeito às contas, seja por desvio de aplicação, ou por desvio de fundos. O Faizal Sidat é empresário de profissão e nunca precisaria de tirar um tostão dos cofres da federação para benefício pessoal. Estou neste posto para servir o futebol moçambicano.
@V – Quantas selecções de futebol existem no país?
FS – Temos no total oito selecções, nomeadamente a selecção A, a sub-23, a sub-20 e a sub-17 em masculinos; a selecção A e a sub-20, em femininos, bem como as selecções principais de futebol de praia e de salão.
@V – Há uma imagem de que somente a selecção nacional A de futebol é que está em actividade. Porquê?
FS – Não é verdade. Há duas semanas tivemos a selecção sub-20 a jogar contra a selecção da Baviera, na Alemanha. No início do ano passado tivemos a selecção sub-17 a jogar contra o Zimbabwe, isto só para dar alguns exemplos. O que acontece é que nós não temos competições para essas equipas e o dinheiro também é escasso para garantir jogos amigáveis. Todas as equipas estão em actividade e estão a trabalhar.
@V – O que é que está a falhar na selecção principal, os “Mambas”?
FS – Primeiro é preciso perceber que os atletas que estão na nossa selecção nacional são produtos dos clubes. Uma selecção não é e não tem clube e, segundo os regulamentos da FIFA, um atleta só se junta à selecção nacional cinco dias antes de um determinado jogo.
Deve-se entender que a nossa selecção nacional é reflexo do mau trabalho que existe nos clubes. Nós, como federação, temos de assumir a responsabilidade também por não termos um gabinete técnico capaz de levar um trabalho a longo prazo, todavia, já conversámos com o ministro da Juventude e Desportos sobre este assunto, visto que o gabinete tem de ser suportado pelo Governo.
@V – Pode dar exemplos concretos no que diz respeito aos clubes?
FS – Em Moçambique os clubes estão numa situação precária. Muitos não têm campos, não têm balneários e até sofrem com a falta de bolas. Podemos falar do caso do Maxaquene que, em plena competição africana, não tinha uma simples bola para treinar.
Se uma equipa de alta competição e campeã nacional não tem sequer uma bola, imaginemos como será na abordagem da formação. Dois, os nossos atletas que militam no estrangeiro, alguns a quem nós consideramos de craques e que jogam 90 minutos na nossa selecção, será que brilham nos respectivos clubes?
Aliás, convinha perguntar: será que militam nos principais campeonatos nos países em que estão? Ora, temos de ser francos ao afirmar que há um trabalho mau nos nossos clubes a partir da própria formação até ao profissionalismo do atleta, um comportamento que se vai repercutir na selecção nacional. Digo e repito: a selecção nacional é produto dos clubes.
@V – A formação no país é deficitária?
FS – Logicamente. Estamos mal na formação. Repare que os clubes moçambicanos não têm sequer uma academia de futebol em condições. Um talento que está no BEBEC, curiosamente o lado mais visível da nossa formação, joga descalço, num campo maior e debaixo de temperaturas altas. A este cenário não aceitável vamos apelidar de formação?
@V – E qual é a responsabilidade da federação?
FS – A federação não tem nenhuma responsabilidade na componente da formação. Isto é tarefa dos clubes e dos governos locais. Nós simplesmente trabalhamos para que esta modalidade esteja massificada. Mas com isso não quero dizer que não estamos a fazer nada, até porque, se for a reparar, a federação tem uma academia de formação.
@V – E porque é que edificou a academia?
FS – Simplesmente para provocar os clubes de modo a seguirem o exemplo. Não é nossa tarefa formar novos talentos. Depois de formarmos um talento, para aonde ele irá? Obviamente para um clube. Então, porque é que os clubes não podem formar os seus próprios jogadores atendendo que alguns, como a Liga Muçulmana e o Ferroviário de Maputo, têm capacidade financeira para tal?
@V – A Academia Mário Esteves Coluna está a funcionar?
FS – Em pleno. Neste momento contamos com cerca de 30 miúdos e, anualmente, temos organizado cursos de formação de treinadores, de árbitros, de gestores desportivos e de massagistas.
@V – Sente algum défice no que diz respeito à formação de árbitros e treinadores?
FS – Não, nestas duas componentes estamos bem. Muito recentemente fomos elogiados pela Confederação Africana de Futebol (CAF) por constituirmos um país modelo em termos de organização na formação de árbitros e de treinadores.
@V – Se a formação de novos talentos não é função da federação, porque seria a formação de treinadores?
FS – Noutros países existem escolas de formação e a federação cobra a essas escolas. Em Moçambique é diferente e nós estamos interessados em dotar os treinadores de conhecimento para que possam concorrer em pé de igualdade no estrangeiro.
@V – Quais são os níveis de formação ministrados pela federação?
FS – A formação é gradual. Começamos com o nível C e no ano passado, em Dezembro, organizámos a formação do nível B. Neste ano vamos formar no nível A, o mais elevado da federação.
AS PROMESSAS ELEITORAIS
@V – Durante a campanha falou de melhorar as condições das associações. Volvidos dois anos, o que se pode dizer dessa promessa?
FS – Em termos de equipamento e material informático, anualmente as associações são apetrechadas. Há, porém, duas ou três com problemas de infra- -estruturas que infelizmente ainda não conseguimos resolver por insuficiência de fundos. É preciso lembrar que desde 2011 estamos envolvidos em várias competições que drenaram muito dinheiro dos cofres da federação.
@V – Prometeu ajudar os grandes clubes na instalação de academias de formação...
FS – Até ao momento não recebi nenhum projecto concreto e credível que exija apoio da federação. Neste ponto é preciso perceber que a federação instou os clubes a que apresentassem projectos credíveis de academias.
@V – Apostou na construção de infra-estruturas desportivas na zona Centro e Norte de país. Que avaliação faz?
FS – A nossa ideia era pressionar o Governo para a construção de três campos nessas regiões do país. Foi nesse âmbito que foi edificado o Estádio Nacional do Zimpeto. Não é função da federação construir infra-estruturas desportivas.
@V – Sempre foi apologista dos campos sintéticos. Porquê?
FS – Porque é preciso dar um bom piso aos nossos artistas da bola. Se reparar, nos campos naturais em que se joga o Moçambola vai ver o estado deplorável dos mesmos pelo que não podemos continuar assim. Um país carente como o nosso, em termos de manutenção e água, precisa de apostar em campos sintéticos. Se numa relva natural se deve jogar menos para não estragá-la, num campo sintético todos podem jogar à vontade.
@V – Quem montou a relva sintética no campo do Costa do Sol e no Estádio da Machava?
FS – Foi a federação.
@V – Recebeu algo em troca?
FS – O combinado era que aqueles dois clubes iluminassem o campo 1º de Maio, o Caldeirão do Chiveve, na Beira, e o 25 de Junho, em Nampula. Infelizmente não cumpriram com o acordo.
@V – E a federação não podia dar continuidade ao projecto noutros campos?
FS – Porque é que não podem ser os respectivos clubes? Se eles têm capacidade de pagar entre 400 e 500 mil meticais de luvas, bem como viaturas e salários astronómicos aos seus jogadores, porque é que não podem investir em infra-estruturas? Em nenhum país do mundo uma federação tem o dever de apetrechar recintos desportivos dos clubes.
@V – Falou de uniformização do sistema de jogo das nossas selecções. Em que ponto estamos?
FS – Não prometi isso em nenhuma linha do meu manifesto. O que disse era que os clubes e a própria federação, esta última através da Academia Mário Esteves Coluna, deviam trabalhar na uniformização do sistema de futebol ainda na formação. Infelizmente não estamos a encontrar resposta nos clubes e nós, já há dois anos com as nossas selecções de base, estamos a implementar este sistema.
@V – Prometeu um encontro nacional dos desportistas, três meses depois de tomar posse, ou seja, em Outubro de 2011. Volvido mais de um ano ainda não decorreu o referido encontro. Porquê?
FS – Em Outubro do ano passado reunimo-nos com o ministro da Juventude e Desportos, e acordámos a criação de uma equipa de trabalho composta pelo próprio Ministério, pelo Instituto Nacional do Desporto e pela federação. A ideia é organizar um encontro mais vinculativo e deliberativo, que não termine somente no debate.
@V – Mas esta foi uma promessa de Julho de 2011...
FS – Entendemos que era preciso envolver muitas pessoas e sensibilidades e não achámos, aquela, a altura para organizar esse encontro. Neste momento estamos a divulgar a matriz para depois organizarmos a conferência.
@V – E está prevista para quando?
FS – Estamos à espera do aval do Ministério. O certo é que esta conferência vai decorrer a qualquer custo e antes do fim do meu mandato.
@V – Prometeu levar Moçambique à fase final do CAN 2012, do CAN 2013 e não conseguiu. É mais uma promessa não cumprida?!
FS – Nós estivemos quase no CAN 2013. Todos viram o que aconteceu. Se dependesse do trabalho da federação, a nossa selecção nacional teria estado no CAN. Todo o trabalho logístico foi feito e não faltou nada aos nossos jogadores. Demos estágios fora do país e tudo o mais de que a equipa técnica precisava.
“DOSSIER” GERT ENGELS
@V – Qual era o objectivo da contratação de Gert Engels?
FS – Rejuvenescer a nossa selecção, visto que tínhamos uma média de idades muito alta e, consequentemente, em queda livre.
@V – E não passava por qualificar os “Mambas” para o CAN 2013?
FS – Era um dos objectivos consagrados no contrato.
@V – E porque é que ele ainda é seleccionador nacional?
FS – A mudança de treinadores não vai trazer resultados positivos ao nosso futebol. O problema do nosso futebol é mais profundo e parte da organização dos clubes, da falta de infra-estruturas e profissionalismo dos nossos atletas. Por exemplo, sabe-se que hoje temos apenas 4 a 5 atletas que militam fora do país, mas onde e em que campeonatos? Em Moçambique, mesmo trazendo o José Mourinho, nós não chegaremos a nenhum “Mundial”. Nós temos de dar mais uma oportunidade a Gert Engels e o trabalho de rejuvenescimento da nossa selecção é algo visível.
@V – Então é um erro dizer que o nosso objectivo é qualificar os “Mambas” para o CAN?
FS – Temos de ser ambiciosos. O que seria de um jogador que está numa selecção sem ambição?
@V – Acredita na ingerência de alguns agentes FIFA na nossa selecção?
FS – Nunca acreditei. Conheço todos os seleccionadores que passaram pelos “Mambas” e não acredito que possam ter admitido esse tipo de comportamento na nossa selecção.
@V – Há jogadores que nem sequer clubes tinham, mas jogavam 90 minutos na selecção. Como se explica?
FS – Em Moçambique temos falta de jogadores para determinadas posições. Sei que quer referir-se ao Paíto, mas onde encontrar um defesa esquerdo para o substituir? É trabalho da federação formar um defesa esquerdo? Não. DEMISSÃO DE SIDAT
@V – Logo após a derrota de Marraquexe, a federação instaurou um inquérito para apurar as verdadeiras razões daquela humilhação. Qual foi o resultado?
FS – Nós apenas delegámos. O inquérito está a ser feito pelo Conselho Nacional do Desporto de modo a salvaguardar a imparcialidade. Só essa instituição pode responder a essa pergunta.
@V – Houve uma campanha contra o Faizal Sidat depois da derrota do Marraquexe. Teve conhecimento?
FS – Obviamente. Eu sou uma pessoa que ouve e aceita críticas. A única coisa que não tolero é o insulto e o racismo de que fui vítima nas redes sociais. Muitos estão identificados e sabemos que muitos não fazem nada pelo desporto senão ficarem atrás das redes sociais para criticarem tudo e todos.
@V – Vai candidatar-se a um terceiro mandato?
FS – Não! Penso que já dei tudo o que tinha a dar ao futebol moçambicano e são 18 anos de trabalho. Penso que é tempo de dar oportunidade a novas ideias.