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Celebração em dose dupla

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Sul-africanos e cidadãos do mundo uniram-se na Cidade do Cabo, e, a escutar o Jazz, protagonizaram uma celebração em dose dupla: os 20 anos do fim da opressão, do vigor da liberdade e da democracia, incluindo os 15 de existência do CTIJF. Entretanto, os artistas moçambicanos exploraram a ocasião para içar a bandeira da nossa cultura…

Moçambicanos com idades compreendidas entre 20 e 30 anos conhecem a África do Sul a partir de diversos tópicos. A luta de Madiba contra o Apartheid. As minas de ouro que atraem gentes do continente, incluindo moçambicanos para aquele país. A nação mais desenvolvida de África. Os ataques xenófobos. A sua jovem democracia e liberdade. A sua diversidade linguística. A sua cultura. Os seus artistas. E Nelson Mandela, por exemplo. A África do Sul é um país com uma história controversa e rica. É, na verdade, uma nação de histórias.

E é preciso narrá-las ao mundo a fim de vender o país – é esse o interesse da South Africa Tourism (SAT), a organização que financiou a nossa recente estada em Cape Town, onde testemunhámos o festival internacional de Jazz com o mesmo nome. A África do Sul hodierna faz-se com muito turismo, cultura e democracia. Reincidindo na cultura e no turismo, é sobre estes três elementos que falamos neste texto. Na verdade, não vamos falar, tentaremos falar porque da mesma forma que não se aprende uma língua em apenas um dia, não se pode aprender a cultura de um povo em uma semana. Numa vertente um pouco nacionalista moçambicanos, comecemos por articular sobre o Cape Town International Jazz Festival, analisando as actuações dos nossos artistas.

Satisfação causa inconformidade

Há factos curiosos no CTIJF. Quando a mínima porção de tempo que, no Cape Town International Jazz Festival, se reserva a cada artista ou banda esgota, tudo pára. O músico, mesmo apiedando-se da vontade popular, desejosa em consumir mais e mais a sua obra, nada mais lhe resta senão abandonar o palco. Regras são regras. Na décima quinta edição desta realização – terminou no dia 29 de Março – os artistas moçambicanos tiveram essa experiência incrível: o tempo acabou e o público, sedento em relação às suas performances, não se conformou.

Em edições anteriores do Cape Town International Jazz Festival, sobre os artistas moçambicanos a Imprensa tem reportado acerca do brilho das suas actuações. No entanto, ainda que tal informação ser verdadeira, a experiência pessoal de estar envolvido e testemunhar o referido êxito tem outro sentido. Os moçambicanos que – no último dia do evento – lotaram o palco Manenberg, no Cape Town International Convention Centre (CTICC), na cidade de Cabo, onde dois dos três artistas da nossa terra actuaram, são a prova deste facto. Por cada artista ou banda, independentemente da sua nacionalidade, a organização do evento cedeu um intervalo de tempo que varia entre uma e duas horas. Tomamos o tempo como variável a fim de avaliar o grau de interacção entre os artistas, em palco, e o público na plateia.

Tributo aos filhos da África do Sul

A experiência mais incrível de todas foi a protagonizada pela colectividade Shape Of Strings To Come, liderada pelo célebre guitarrista moçambicano, Jimmy Dludlu. Trata-se de uma das mais complexas orquestras – se não a única – que actuou na 15ª edição do Festival Internacional Jazz Cape Town. Além de Jimmy, este conjunto comporta os guitarristas Saudiq Khan, Elvis Dyers e Richard Ceasar, incluindo o teclista Camilo Lobard, o baterista Anthon Manell, o baixista Lucas Khumalo, os percussionistas Thomas Dyani e John Hassan bem como o trompetista Barndon Ruiters, o saxofonista Sizonke Xonti e o trompetista Siyasanga Charles. É uma iniciativa que, na verdade, se confunde com um trabalho de passagem de experiências artísticas por incluir três artistas muito jovens. Além do mais, o projecto possui um objectivo sublime – prestar homenagem aos artistas mais queridos da República da África do Sul.

Neste festival, não se admite que o artista teste o som: quando entra no palco é para actuar, porque o tempo é muito bem cronometrado. No entanto, apesar da pré-produção que possibilita que, tendo em conta a simplicidade ou complexidade das exigências de cada artista ou banda, se dispense ou não o rearranjo do palco – a rica composição dos Shape Of Strings To Come impôs aos membros da produção a necessidade de reconfigurar a referida estrutura, instalando novos instrumentos.

Estavam todas as condições criadas para que Jimmy Dludlu, igual a um líder sábio, conduzisse a sua orquestra implantando no local a celebração de que os presentes estavam à espera durante os 30 minutos que precederam o início do seu concerto depois do da norte-americana Lalah Hathaway. Envolvendo-se activamente na vibração do ‘show’, o público não se apercebeu de que o tempo já se havia esgotado. Jimmy e o seu Shape Of Strings To Come tiveram de contrariar o desejo popular e abandonar o palco, como preconizam as regras do evento: Não se deve exceder o tempo.

Jaco Maria

The story teller como, actualmente, também se chama o criador do trabalho discográfico com o mesmo título, Jaco Maria é um dos poucos artistas que teve, simultaneamente, a má e a boa sorte no CTICC. Má porque, como em qualquer parte do mundo, invariavelmente, o público chega atrasado aos locais onde decorrem as actividades culturais. Por essa razão, tendo o concerto sido agendado para iniciar a partir das 17.45 horas, de sábado, 29 de Março, mas, acima de tudo, dado o rigor no cumprimento do horário que a organização do evento preza, Maria teve de iniciar o ‘show’, não obstante com pouco público. Pouco público porque, em relação ao evento em referência, se podem formular inúmeras críticas. No entanto, nenhuma irá recair sobre a apatia das pessoas perante o mesmo. Há, sim, atrasos mas nunca ausências. Com a sua presença, o público confere o merecido brilho a este festival de dimensão e carácter internacional.

Por outro lado, no seu espectáculo, Jaco Maria teve sorte na medida em que (e isso é muito importante para os artistas moçambicanos que prosperam na diáspora) muitos dos seus conterrâneos deslocaram- se do país – para a África do Sul – a fim de apoiá-lo a fazer a bandeira cultural de Moçambique içar muito mais alto. Foi o que se viu.

Mesmo ante o rigor do horário, respondendo ao pedido do poderoso público moçambicano, o artista teve de repetir por alguns instantes o refrão de uma das suas músicas: “Kululamile!”. Mais importante é que enquanto o intérprete gritava – em jeito de saudação – “Viva Cape Town”, os seus conterrâneos recordavam: “Viva Maputo!”. E a festa ganhou grandes nuances desse modo. Neste sentido, a avaliar pela reacção do público, no mais genérico sentido da palavra, pode-se aferir que Jaco Maria tem a sua carreira consolidada na África do Sul. Ou, pelo menos, se isso for exagero – a obra do artista tem consumidores activos naquela terra.

No ‘show’ de Maria houve espaço para homenagens e gracejos, afinal este artista tem a consciência da importância que o seu trabalho possui na vida da humanidade. Como tal, “I’m singing for the beautiful people. I don’t need to die”. A sua música é actuante e possui, inclusive, a mensagem que ajuda a resolver determinados problemas conjugais: “Baby, please, don’t live me. I know. I get some money. You have what you need”. Desta forma também se assegura o lar.

Concordando com a ideia, o público ajudou o artista a disseminar o conteúdo de uma composição produzida em homenagem à sua esposa, num concerto continuamente vibrante. A par do excelente percussionista Jason Ward, que celebrou o seu aniversário no dia do ‘show’, não dá para ignorar a excelência que há no trabalho colectivo das coristas de Jaco Maria: Fancy Galada e Queen Mhayi. Mas a banda tem outros elementos, nomeadamente Kissangwa Mbouta, Mark Gouliath, Dylan Roman, Nathan Carlous, Buddy Wells e Lucas Khumalo.

Frank Paco

Art Ensemble Refira-se que a edição deste ano do CTIJF decorreu sob o condão da celebração dos 20 anos de liberdade e da jovem democracia sul-africana. E, neste sentido, e tendo em conta que os concertos contemporâneos são verdadeiros contextos de interacção temática, de discussão sobre os problemas e os êxitos dos homens, a sanção desfavorável que se formula a este respeito foi o quase inexistente debate sobre o dito tópico. Na África do Sul, as pessoas estão e – sem se demorarem nos clichés temáticos – celebram esse bem-estar, celebram a música, o Jazz em específico.

Entretanto, e isso é um assunto de que falaremos mais adiante, a proposta para o debate sobre o quanto custou a liberdade e a democracia que se celebra na África do Sul e, em certo grau, em Moçambique, foi instaurada por Frank Paco com o seu projecto Frank Paco Art Ensemble, sobretudo quando expôs o tema Dr. Chivambo Mondlane a fim de exaltar os feitos deste nacionalista moçambicano e dos demais africanos, incluindo Madiba. Num concerto decorrido no palco Manenberg, a projecto de Paco associa artistas como o baixista moçambicano Hélder Gonzaga, o teclista Muriel Marco, o pianista Marco Goliath, o saxofonista Byron Abrahams, o guitarista Dave LedBetter, o percussionista António Paco, o rapper Anthony Paco e a intérprete sul-africana Palesa Phumelele.

Na verdade, Dr. Chivambo – enquanto música – chamou a nossa atenção porque é uma fusão de Rap, Reggae e um pouco de música electrónica que resulta num tipo de ritmo sobre o qual temos uma imensa dificuldade em definir. Dr. Chivambo é uma música muito emotiva cujo título não é casual. Denota a tomada de uma decisão séria que implica uma grande responsabilidade e capacidade de suportar as consequências que dela resultarem. “Estes moçambicanos são loucos e estão a fazer loucuras aqui em Cape Town”, comentou um apreciador de música reagindo em relação à referida composição na Cidade de Cabo.

Africa Jusus Africa

Foi com esta composição que Kirk Whalum – este jazzman é um ritualista, ou, pelo menos, os seus concertos são rituais terapêuticos – chegou ao palco Manenberg, no CTICC, invocando, com o seu projecto The Gospel According to Jazz Africa, o nome de Cristo. Whalum dispensa apresentação. Ele participa pela enésima vez no CTIJF. No entanto, não deixa de ser uma espécie de um dos fortes atractivos de público para aquele evento. Ou seja, há gente que vai ao festival única e exclusivamente para apreciar Whalum.

Com ele, no dia 28, vimos em palco a filha do célebre solista norte-americano, Donny Hathaway. Trata-se de Lalah Hathaway. Esta intérprete mescla, nas suas obras, estilos como R&B, Jazz e Pop. Com uma voz poderosa, forte e presente produz a harmonia musical certa para tocar o coração de quem a escuta. Foi incrível vê-la actuar. Na sua carreira, em franco progresso, mas que já lhe proporcionou oportunidades de actuar com célebres artistas norte-americanos, Lalah conta com três trabalhos discográficos – Where it all begins, o mais recente, publicado em 2011, Self Portrait, de 2008, e Outrun the sky de 2004.

Transpor os limites

Cape Touw, como toda a África do Sul, é uma cidade rica. Com uma população de cerca de 3,5 milhões de habitantes, esta urbe “tem um dos principais portos do país, além de ser um centro comercial e industrial nas áreas de refinação de petróleo, automóveis, alimentar, têxtil, construção naval, química, entre outros”. A cidade do Cabo é, na verdade, “um excitante destino turístico que está entre os mais visitados no mundo”.

Mas também tem os seus contrastes. A riqueza nacional não significa, automaticamente, a eliminação da miséria. Ter essa realidade em mente é muito importante, porque também inspira a produção artística, cultural, bem como para o fortalecimento da democracia. Estes factos são, para nós, importantes porque como turistas, podíamos ignorá-los, o que não é bom para o fortalecimento da democracia – cuja celebração, neste ano, associou-se às festividades do décimo quinto CTIJF.

Com o seu projecto Trespassing Permitted, o célebre pianista sul-africano começou, no dia 28, o seu concerto discutindo os contrastes de Cape Town. Um jazz que a partir do qual se visualiza um conjunto de contrastes sociais que – uma vez reconhecidas e não ignoradas – facilmente podem ser minimizadas, sem se perturbar as pessoas desfavorecidas. E nisso faz sentido que se fale de Mandela, como Mike fez, enaltecendo a sua personalidade e humanidade. Este jazzman e a sua colectividade protagonizaram uma actuação, sobretudo na composição Take another five, que naturalmente atraiu a atenção do público harmonizando-o com o curso do pensamento do ‘show’. O que depois disso ocorre – a satisfação geral – se torna manifesto para todos a partir dos aplausos que se dedicam aos artistas.

Erikah Badu

Esta intérprete norte-americana, Erikah Badu, que encerrou o décimo quinto CTIJF, é muito celebrada na África do Sul. É como se fosse uma deusa. As pessoas – ao invocá-la – criam expectativa grande em relação ao seu concerto. É como se estivessem a dizer que o ‘show’ será bem-sucedido. E mesmo que não seja, o importante é ver. E como ela sabe disso, aproveitou a ocasião para atiçar a ansiedade do público que se viu obrigado a aguardá-la por cerca de uma forma, enquanto se ornamentava o palco em que iria actuar. Badu, cuja música tem fortes motivações em relação ao amor, realizou um concerto apreciado por todos – muito em particular porque se embrenharam na onda das suas músicas, o tempo inteiro.

O sucesso do CTIJF

Com uma moldura humana constituído por mais de 37 mil participantes, nos dois dias, o CTIJF contribui significativamente para o desenvolvimento da economia sul-africana. No ano passado, por exemplo, criou oportunidades de emprego para mais 2.721 pessoas. Mas, mais do que isso, e porque a África do Sul é um país rico em história e turismo, a SAT – entidade que assegurou a nossa estadia naquele país – está interessada em que se narre a história sul-africana nas diversas partes do mundo. “‘A imagem da África do sul é um santuário’ é a mensagem que estamos a disseminar para atrair as pessoas e nunca ‘venham a África do Sul porque é o melhor do que os outros países’”, refere o representante da SAT.

“A nação de Madiba proporciona, sem dúvida, uma experiência incrível em que se deve participar”, diz o representante da SAT acrescentando que “o que fazemos é mostrar transparência em todos os nossos processos democráticos. Amamos o nosso trabalho. Por isso queremos partilhar essa experiência”. Por exemplo, “mesmo com a grandeza que possui, Mandela nunca construiu uma ponte ostentando o seu nome”. As histórias sobre o South African way of life, além de incríveis são inúmeras. A celebração dupla dos 15 anos do Cape Town International Jazz Festival e os 20 anos da liberdade e democracia sul-africana, neste ano, são pequenos exemplos.

Inocêncio Albino


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