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Governo é insensível aos problemas das rádios comunitárias em Moçambique

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A falta de um quadro legal específico constitui um obstáculo ao funcionamento das rádios comunitárias uma vez que, actualmente, estas são equiparadas às comerciais, o que faz com que sejam obrigadas a pagar taxas mensais que estão além das suas capacidades, sendo que, perante esta situação, o Governo se mostra insensível, apesar de reconhecer a importância do papel que estes órgãos jogam na democratização da sociedade através da difusão e massificação da informação.

 

Em 2004, o Conselho de Ministro introduziu, através do Decreto nº 63/2004, de 29 de Dezembro, a cobrança da Taxa Anual de Utilização de Espectro de Frequências, cobrada anualmente pelo Instituto Nacional das Comunicações (INCM) aos utilizadores do espectro de frequências radioeléctricas, quer para uso público, quer para servir o sector privado.

Porém, na concepção do referido decreto não foram separadas as rádios comunitárias das comerciais, o que faz com que os dois tipos tenham o mesmo tratamento, o que, no entender do Fórum Nacional das Rádios Comunitárias, “não faz sentido porque as rádios comunitárias não têm um objectivo lucrativo, diferentemente das comerciais”. Por isso, enquanto não se fizer tal distinção, as rádios comunitárias vão continuar a pagar a Taxa de Exploração do Espectro Radioeléctrico mensalmente, estimado em cerca de cinco mil meticais, um valor que está além das suas capacidades.

“É um valor muito alto e as rádios comunitárias não têm capacidade para desembolsar cinco mil meticais por mês. Elas não geram lucros, o que não acontece com as comerciais. Como diz o nome, elas são de natureza comercial. Estão para produzir lucros. (…) O problema reside no facto de as taxas serem elevadíssimas e as rádios comunitárias não serem entendidas como meios de comunicação que não são geradoras de receitas. Elas funcionam com base em pequenos apoios das comunidades e de algumas iniciativas locais”, afirma Naldo Chivite, oficial de comunicação e advocacia do Fórum Nacional das Rádios Comunitárias.

Por outro lado, Chivite diz que em caso de não pagamento da referida taxa, para além de serem multadas, as rádios são ameaçadas de encerramento. “Achamos que o regulamento não teve em conta a questão da natureza das duas rádios (comunitária e comercial), daí a falta de diferenciação no seu tratamento”.

“As rádios comerciais são, pela sua natureza, geradoras de rendimentos, algumas das quais em grande escala. Daí que para estes meios de comunicação social as taxas de cobrança pela exploração do espectro radioeléctrico podem não ser um calcanhar de Aquiles, não acontecendo o mesmo com as comunitárias. (…) As pequenas receitas que as rádios comunitárias têm são irrisórias e servem unicamente para cobrir pequenas despesas que garantem a sua sustentabilidade e estão muito aquém dos valores que são cobrados pelo INCM”.

Governo ignora instrumentos internacionais

Ao não criar um regulamento específico das rádios comunitárias, aliado ao facto de estar a dar-lhes o mesmo tratamento que as comerciais, o Governo está a violar instrumentos internacionais que regem a matéria, nomeadamente a Declaração sobre a Diversidade da Radiodifusão, aprovado pela Organização das Nações Unidas em 2007.

O documento determina que “a radiodifusão comunitária deve dispor de uma lei especifica ou estar expressamente reconhecida nas variadas legislações com uma forma diferenciada dos restantes meios de comunicação social pelo seu carácter não lucrativo”. Por outro lado, o Fórum Mundial das Rádios Comunitárias AMARC alerta para a necessidade de as rádios comunitárias serem “expressamente reconhecidas como uma forma distinta dos Media”, que sejam órgãos que beneficiem de procedimentos justos para a obtenção de licenças”.

Muitas rádios funcionam com licenças provisórias Outro problema levantado pelo FORCOM tem a ver com a concessão das licenças às rádios comunitárias, que actualmente é feita pelo Conselho de Ministros, o que para esta organização não faz sentido. “Quem deve atribuir as licenças às rádios comunitárias é o Gabinete de Informação. O Conselho de Ministros tem muitos assuntos por tratar, razão pela qual há estações que funcionam com licenças provisórias há mais de três anos. São poucas as que podem apresentar uma definitiva”, considera Chivite.

INCM e Gabinfo distanciam-se

Esta preocupação já foi encaminhada ao Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique, responsável pela gestão do espectro de frequências radioeléctricas, em meados do ano passado, mas este, segundo Naldo Chivite, diz que é apenas uma instituição reguladora, para além de “viver” das taxas pagas pelas rádios, independentemente da sua natureza.

“A justificação do Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique INCM sobre as cobranças das taxas de exploração do espectro radioeléctrico às rádios comunitárias na mesma proporção que as comerciais, mesmo reconhecendo o carácter não lucrativo destas, reside no facto de o mesmo não ter orçamento por parte do Estado para cobrir as despesas do seu funcionamento e depender unicamente destas cobranças”, explica.

O FORCOM diz que, depois desta tentativa de resolver o problema através do INCM, recorreu ao Gabinete de Informação e expôs a sua inquietação mas o órgão distanciou-se do assunto, tendo apenas referido que o seu raio de actuação limita-se ao registo de jornais e televisões, sendo que a questão das rádios é tratada a nível do Conselho de Ministros.

Sustentabilidade

Quando se fala das rádios comunitárias no país, um dos principais constrangimentos ao seu funcionamento tem a ver com a sua sustentabilidade uma vez que não têm um carácter lucrativo, o que, à partida, constitui um desafio. Actualmente, Moçambique conta com 63 rádios comunitárias, das quais 46 estão associadas ao Fórum Nacional das Rádios Comunitárias, cuja missão de levar a informação às comunidades é tida como espinhosa nas actuais circunstâncias. Ao FORCOM cabe a tarefa de mobilizar recursos para a “sobrevivência” destes órgãos, o que, segundo a explicação de Naldo Chivite, não é fácil.

“São 46 rádios e estamos a falar de equipamento, recursos humanos, meios circulantes, entre outros elementos imprescindíveis ao seu funcionamento. Refira-se que os nossos colaboradores não têm salário, mas sim subsídio”. Para contornar estas barreiras, algumas rádios prestam serviços de cópias nas suas instalações e passam spots publicitários nas suas emissões, o que lhes garante algum valor que, porém, só é suficiente para pagar as facturas de água e energia.

A dupla personalidade do Governo

Não raras vezes, o Governo tem reconhecido o papel das rádios comunitárias no que diz respeito ao acesso, difusão e massificação da informação no país, principalmente nas zonas rurais, mas das palavras aos actos há um abismo que os separa. Naldo Chivite considera que este cenário revela que o Governo é insensível, apesar de estes meios jogarem um papel importante nas comunidades.

“Eles precisam das rádios comunitárias. Quando chega o período eleitoral, todos os partidos recorrem a elas para difundir as suas mensagens. Quando se trata de assuntos ligados à saúde, educação, entre outros, nós somos o principal veículo de informação”. “Temos exemplos de instituições que se aproximam das rádios comunitárias para usar os seus serviços a titulo gratuito, mas as mesmas gastam rios de dinheiro quando se trata de órgãos comerciais e públicos, independentemente do tipo (rádio, televisão, jornal). Porque não fazem o mesmo com as rádios comunitárias?”, questiona.

Interferências no funcionamento das rádios comunitárias

Nos últimos anos, os relatos de intimidações a colaboradores dos meios de comunicação social comunitários têm-se feito sentir de uma forma cada vez mais frequente, criando um cenário desolador para a Imprensa. De uma forma geral, estes actos são protagonizados pelos governos provinciais e distritais, nas pessoas dos respectivos dirigentes ou com recurso a terceiros que actuam a mando daqueles e a justificação é a mesma: as rádios divulgam informações que não são do seu agrado.

Homoíne

Um dos casos mais recentes deu-se em Janeiro, no distrito de Homoíne, província de Inhambane, quando da chegada dos homens armados da Renamo àquele ponto do país. Aliás, este facto é que esteve na origem deste caso, pois a presença repentina dos homens armados da “segurança” da Renamo naquele distrito (Homoíne) e a agitação advinda dessa situação que levou muitas pessoas a abandonar as suas casas à procura de “esconderijos”, foi considerado notícia de interesse público pela Rádio Comunitária Arco, sediada naquela zona, cujos colaboradores, no seu dever de informar, trataram de o difundir e ainda questionaram os governos local e provincial sobre o seu papel em relação à situação que se vivia naquele distrito.

No lugar de dar uma resposta à preocupação colocada, o governo distrital mandou um membro do comité de gestão da mesma rádio, de nome Benedito Cuna, por sinal membro assumido do partido Frelimo, “advertir” os colaboradores daquela emissora de que, caso não parassem de emitir informações sobre a matéria relacionada com a presença de ex-guerrilheiros da Renamo, a estacão seria encerrada. Assim, a partir daquele momento, a Rádio Arco estava proibida de divulgar qualquer que fosse a informação relativa a esse assunto. E para aterrorizar ainda mais os jornalistas, o portador da mensagem disse que, caso fosse necessário, a Polícia seria usada para a concretização de tal objectivo.

Quelimane

Outros episódios recentes de limitação das actividades da Imprensa aconteceram em Novembro de 2013, na províncias da Zambézia, onde a rádios Nova Paz e Quelimane FM, na cidade capital, viram a sua autonomia “beliscada” pelo partido no poder por estarem a veicular informações que não lhe convinham. As ameaças e intimidações tinham como alvo os seus colaboradores.

“No dia 20 de Novembro, dia das eleições autárquicas, as duas rádios reportaram em directo o decurso do processo, incluindo algumas irregularidades verificadas nas mesas de votação, e realizaram programas que apostaram na participação do cidadão através de telefonemas”, conta o FORCOM. Estranhamente, a 10 de Dezembro, a Rádio Quelimane FM foi vandalizada por indivíduos desconhecidos que destruíram o material do jornal, situação que mais tarde foi denunciada à Polícia local e à Procuradoria Provincial pela FORCOM.

Manica

Em Outubro de 2012, o então presidente do município de Manica, Moguene Candeeiro, usando as Polícias da República de Moçambique (PRM) e Municipal, mandou encerrar, de forma ilegal, as portas da Rádio Comunitária de Maceuqece, no distrito com o mesmo nome.

Macanga

No mês seguinte, Novembro, era a vez de o administrador do distrito de Macanga, província de Tete, Alexandre Faite, exibir a sua intolerância. Este mandou encerrar a Rádio Comunitária de Furankungo por alegadamente estar a divulgar informações que, também, não eram do seu agrado.

Xinavane

De acordo ainda com o FORCOM, em Junho de 2012, a chefe do posto administrativo de Xinavane, no distrito da Manhiça, na província de Maputo, Teresa Gulamo, através do uso da forca policial local, mandou encerrar as portas da Rádio Gwevhane, por ter divulgado informações sobre a qualidade do material usado na asfaltagem de uma estrada.

Morrumbene

No segundo semestre de 2011, a mando de alguns membros do governo do distrito de Morrumbene, na província de Inhambane, a Rádio Comunitária Millenium FM, 100.2 MHZ, situada no mesmo distrito, foi forçada a interromper a transmissão do programa “Retrospectiva dos 20 Anos de Paz”, no qual estavam em debate vários aspectos ligados à paz, ao desenvolvimento e à governação local.

Mogovolas

Já em Outubro de 2010, a um jornalista da Rádio Comunitária de Luluti, no distrito de Mogovolas, em Nampula, foi arrancado o material de trabalho por estar a investigar a exploração de pedras preciosas por cidadãos estrangeiros. O governo local ainda exigiu que aquele abandonasse tal investigação.


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