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Trabalhar para o Estado e reformar-se pobre

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Num país em que um deputado ganha acima de 68 mil meticais e se aprovam leis para o mesmo beneficiar de inúmeras regalias, há funcionários do Estado que auferem mensalmente 1.826 meticais. Onze trabalhadores da Escola Primária Completa 3 de Fevereiro, na capital moçambicana, encontram-se nesta situação e não gozam de nenhum privilégio, há 20 anos, devido à precariedade dos seus contratos. E parece que o problema vai prevalecer porque, para além de a instituição na qual trabalham e o Ministério da Educacão (MINED) se queixarem da falta de fundos, não existe vontade de melhorar as suas condições de vida.

À luz da revisão salarial feita pelo Governo, recentemente, a Administração Pública foi bafejada com um incremento de oito porcento (240 meticais), passando o vencimento mínimo a ser de 3.002 meticais. Entretanto, este reajuste não abrangeu o grupo a que nos referimos. Vinte anos depois de se terem tornado empregados do Estado, os trabalhadores que contactaram a nossa Reportagem para manifestarem a sua indignacão e cujos nomes omitimos a seu pedido, disseram que o seu futuro é incerto porque o grosso deles ainda não tem casas próprias e leva uma vida indecorosa.

Eles não sabem como será a sua sobrevivência quando atingirem a idade da reforma porque o que auferem não chega para nada e dependem da boa vontade dos vizinhos e de parentes. As pensões foram criadas para se evitar que os trabalhadores caiam na desgraça durante a aposentadoria mas aqueles pais de família não têm meios para contornar a miséria que o tempo lhes reserva quando a sua idade não permitir que realizem alguma actividade para a sua sobrevivência.

É que dos seus subsídios nenhum centavo é canalizado ao Instituto Nacional de Segurança Social (INSS). Depois de dezenas de anos na Função Pública, eles vão-se reformar e morrer como indigentes. Alberto António, director substituto da Escola Primária Completa 3 de Fevereiro, reconheceu ao @Verdade que as preocupações daqueles pais de família são legítimas mas não há solução à vista porque o MINED é incapaz de pagar um salário condigno.

Aliás, não são apenas aqueles funcionários cujos vencimentos são uma ninharia; esta instituição do Estado não disponibiliza verbas para a contratação do pessoal de limpeza, de guardas, auxiliares administrativos, jardineiros, entre outros que garantam o bom funcionamento da escola. Segundo aquele dirigente escolar, para além de o ordenado ser irrisório, dezenas de funcionários daquele estabelecimento de ensino público, sito a poucos quarteirões da sede do MINED, não têm direito a bónus anual, vulgo décimo terceiro, não gozam de assistência médica e o trabalho que eles realizam não oferece segurança.

Existe um fundo de 611.635.82 meticais que a Direcção da Educação da Cidade de Maputo tem disponibilizado anualmente. O valor cobre apenas as despesas de energia, água e de manutenção ligeira de infra-estruturas. Contudo, em quase todos os anos lectivos o valor não é alocado na sua totalidade à escola, de acordo com Alberto António. O nosso entrevistado alega que a decisão do Governo de abolir o pagamento de matrículas no ensino primário criou um défice financeiro nas escolas, uma vez que as estas ficam totalmente dependentes do MINED.

Subsídios pagos pelos pais

Num outro desenvolvimento, Alberto António revelou que o salário dos 11 trabalhadores a que nos referimos é pago graças às contribuições mensais dos pais e encarregados de educação no valor 300 meticais cada, contra os anteriores 115 meticais. Se essas pessoas não assegurassem o seu apoio regularmente, a higiene daquele estabelecimento de ensino seria uma lástima e iria concorrer para o recrudescimento de doenças tais como a diarreia e a cólera.

A direcção da escola está a sensibilizar os pais e encarregados de educação para elevarem os valores que desembolsam. A Escola Primária Completa 3 de Fevereiro tem 1.600 alunos mas nem todos contribuíam nos anos anteriores. Só este ano é que mais de metade começou a desembolsar o montante em causa. “Há cinco anos que a Educação deixou de contratar trabalhadores por alegada insuficiência orçamental”.

O MINED não se responsabiliza

Eurico Banze, porta-voz do MINED, disse ao @Verdade que o orçamento disponibilizado pelo Governo, anualmente, não cobre as necessidades do sector; por isso algumas actividades não são realizadas. “Temos 17 mil escolas primárias e secundárias em todo o país e milhares de trabalhadores são pagos pelo Estado”.

Todavia, uma parte significativa desses funcionários não tem nenhum vínculo formal com o Governo/Estado, mas, sim, com os dirigentes das escolas públicas onde estão afectos, explicou o nosso interlocutor. “Não precisamos de ter um batalhão de trabalhadores para garantirmos as mínimas condições de higiene e saneamento do meio. É necessário que haja comparticipação dos pais e encarregados de educação, dos alunos e da comunidade”.

Há infracção e roubo

Sobre este assunto, o advogado moçambicano José Caldeira disse que está claro que o MINED se demitiu das suas funções porque não é a ausência de um contrato verbal ou escrito que impede que um trabalhador aufira o salário mínimo e o não pagamento do valor estipulado na lei naquele sector, de acordo com as categorias de trabalho vigentes, constitui uma infracção. Aliás, qualquer prestação de serviço nas instituições do Estado implica o pagamento do vencimento mínimo definido para o sector.

Para o jurista, para além de se estar perante uma violação clara da lei, há uma situação de roubo perpetrado pelo MINED; por isso, os trabalhadores deviam contactar a Inspecção do Trabalho para que sejam salvaguardados os seus direitos. E podem recorrer ao tribunal para “incriminar” a escola e lutar para que lhes sejam pagos, com os respectivos retroactivos, os valores a que têm direito.


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