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O que Ras Gotas diz sobre a cannabis?

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“Não conheço, não sei se existem e nunca vi os efeitos negativos da cannabis. Sei, porém, que este produto tem resultados positivos”, afirma Ras Gotas.

Há bastante tempo que quero escrever uma reportagem sobre o consumo e a comercialização da cannabis sativa (soruma). O projecto implica conhecer e percorrer os diversos segmentos em que o referido produto circula, a fim de me familiarizar com os usuários e tentar compreender os seus pontos de vista em relação ao produto em alusão. Já tenho um esboço bem elaborado do plano que pretendo executar, mas, por diversas razões – o tempo, a correria do dia-a-dia da Redacção, a falta de um financiamento mínimo para custear despesas básicas – retarda a concretização deste plano. Aliás, com o rumo que tomam os acontecimentos, penso que o meu plano não será concretizado.

Em resultado disso, a conversa (mantida com Ras Gotas) que trago nesta edição – estimulada pelo facto de, no seu mural do facebook ter condicionado o seu voto à legalização da soruma, numa mensagem postada a 19 de Setembro – é apenas uma minúscula parte do material que tenho estado a colher para a reportagem que, provavelmente, não será publicada. Encontrei Ras Gotas – com quem ia conversar no âmbito do Festival Reggae & Hip Hop – no mítico bairro da Mafalala, no subúrbio de Maputo.

É por essa razão que aquele promotor de eventos culturais, membro da comunidade Rastafari começou por explicar o seguinte: “Este bairro é histórico porque é aqui onde vive o high priest da congregação Rastafari – incluindo outros irmãos do mesmo movimento. Diríamos que esse é um escritório da cidade. Mas também o espaço é histórico porque viveram aqui o Presidente Samora Machel, Joaquim Chissano, o futebolista Eusébio da Silva, entre outras personalidades”. Será em resultado disso que Ras Gotas acredita que, de uma forma geral, “nós os Rastas somos historiadores. Herdámos essa virtude dos nossos ancestrais. Por isso, para nós, a Mafalala é um bom lugar para viver”.

@Verdade: Que conexão há entre o movimento Rastafari e todas as figuras que mencionou?

Ras Gotas: Essas personalidades provêm do movimento Rastafari, a partir da Organização da União Africana, actual União Africana, criada por Hailé Selassié. Ele é seguido por pessoas como Samora Machel, Joaquim Chissano e muitas outras que passavam os seus tempos aqui. Nesse sentido, nós também somos os discípulos dessa história. Somos membros da União Africana. É por essa razão que seguimos os seus ideais.

@Verdade: Na sua maioria, as personalidades que mencionou são governantes.

Ras Gotas: É que a União Africana é uma organização de governantes. Além do mais, apesar de não ser reconhecido em Moçambique, o movimento Rastafari é um governo muito forte. São muito poucas as pessoas que, neste país, sabem que o Rastafari tem direito à palavra na Assembleia da República. Nós seguimos os ideais de Hailé Selassié porque sabemos que até o Presidente Armando Emílio Guebuza é seu discípulo. Por exemplo, as cimeiras da União Africana são realizadas em Adis Abeba, na Etiópia, onde, há 300 anos, foi criada a sede do movimento Rastafari.

Isso significa que os governos Rastafari e o da Frelimo – este é o único que conheço desde que nasci em Moçambique – deviam trabalhar em colaboração porque há coisas que nós os Rasta sabemos, mas não são promovidas no país. Embora esse conhecimento seja de suma importância é desconhecido. Há muitos temas sobre a antropologia africana que são dominados pela congregação Rastafari. Então, é de louvar que estejamos congregados aqui no bairro da Mafalala, onde se fundou a primeira Escola Hailé Selassié.

@Verdade: Presentemente, de que maneira se manifesta a relação entre os ideais apregoados pelo Governo moçambicano e os defendidos pela congregação Rastafari?

Ras Gotas: Por exemplo, a luta contra a pobreza absoluta está agendada – há 300 anos – nos programas do movimento Rastafari. Tal como acontece noutros Estados africanos, Moçambique é um país que luta a favor do desenvolvimento. Portanto, o nosso Governo actua no sentido de cumprir os mandamentos da União Africana e de Hailé Selassié.

@Verdade: Existem alguns pontos que divergem em ambas as agendas?

Ras Gotas: Eu gostaria de alertar o Governo actual para que preste muita atenção aos jovens Rasta, porque eles têm muita história, muita arte, muita cultura e turismo – práticas que trazem muitos ganhos para o nosso país, para África e para o mundo. O Rastafari possui virtudes por ensinar a sociedade, mas, neste momento, é muito discriminado no país.

Assim, o Governo moçambicano devia observar esta realidade com muita profundidade e atentamente. Por exemplo, fala-se da cannabis sativa de forma discriminatória sob a alegação de que é uma droga. Mas a cannabis é uma planta que cura muitas doenças – epilepsia e asma, por exemplo. No entanto, discrimina-se. Mas ela não é produzida em nenhum laboratório e, por isso, não possui nenhum “produto químico”.

É uma planta que se produz na natureza, na terra, na machamba. Em contra-senso, nos Estados Unidos e noutros países da Europa, as pessoas já estão a comprar e a consumir a cannabis para fins medicinais, enquanto nós continuamos a sofrer. Temos crianças e idosos que padecem, sem medicamentos para a cura dos males de que sofrem, quando a soruma podia curar essas doenças. Além da cannabis, nós os Rastafari temos outros produtos medicinais como, por exemplo, a moringa, a mbosana e a batata africana.

@Verdade: Reconhece os efeitos negativos da cannabis?

Ras Gotas: Não conheço, não sei se existem e nunca vi os efeitos negativos da cannabis – sei, porém, que este produto tem resultados positivos. Se ela é consumida de forma errada, associando- se ao álcool, ao tabaco e a outras drogas, a soruma gera consequências negativas. A bebida e o tabaco são drogas legalizadas, então, não se podem consumir concomitantemente com a cannabis porque ela não é uma droga. O malefício da cannabis é originado pela sua associação a outras drogas.

A verdade que se deve salvaguardar e sublimar em relação à cannabis é que ela não é droga. É um medicamento tradicional que cura muitas doenças. Infelizmente, ao longo dos tempos, houve muito boato, histórias falsas e depreciativas sobre tal produto a fim de que o mundo tivesse medo de consumi-lo.

As pessoas que publicaram essas infâmias tinham o propósito de usufruir desse bem e ter o seu controlo exclusivo e absoluto. Portanto, querem controlar a produção e a comercialização desse produto. A venda da cannabis sativa, em África, para a Europa, América e outras partes do mundo, é controlada, apenas, pelos políticos.


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