A Justiça Ambiental (JA) fez 10 anos de existência a 24 de Agosto passado. Anabela Lemos, directora desta organização não-governamental moçambicana, diz que ao longo de uma década de luta pela justiça social e ambiental, pelo direitos humanos, pela conservação e gestão sustentável dos recursos naturais, apercebeu-se de que as decisões relativamente a projectos em curso no país têm sido tomadas sem a auscultação das comunidades e a sua implementação é imposta à sociedade civil. Ela alerta o Governo para que não crie ilusões em relação aos mega-projectos.
Anabela Lemos é ambientalista desde a fundação da Livaningo (1998), a primeira organização de defesa do meio ambiente em Moçambique. Segundo ela, não tem sido tarefa fácil “dar voz àqueles que não têm voz e proteger o ambiente”, porque o Estado julga que as organizações da sociedade civil são “radicais”, contra o desenvolvimento e defendem agendas obscuras.
Por isso, relação entre as partes não é saudável. Ela defende que o Estado não se deve “enganar” no que diz respeito aos programas de mineração porque as companhias investem no país para obter lucro e não para “nos ajudarem” a combater a miséria. “O Governo que se preocupe com as comunidades porque esta é sua responsabilidade e não com as multinacionais.
Deve garantir que as pessoas deslocadas das suas terras nativas tenham melhores condições de vida”. A nossa entrevistada considera que, actualmente, há muitas organizações a denunciarem os problemas de que a população se queixa em diferentes partes do território moçambicano, sobretudo os relacionados com os reassentamentos em resultado da implementação de mega-projectos. Todavia, a colectividade que dirige o Estado ignora as denúncias que têm sido feitas em ralação às injustiças a que as comunidades estão sujeitas.
Muitas gente foi deslocada das suas propriedades, através das quais obtinha meios de sobrevivência, com promessas de uma vida melhor, o que não aconteceu. Anabela Lemos cita como exemplo o caso de centenas de oleiros, em Tete, que há anos travam um braço-de-ferro com o Governo em resultado da falta de entendimento entre as partes no que diz respeito às indeminizações a que o grupo diz ter direito. De acordo com a nossa interlocutora, as pessoas em causa, que criavam e vendiam objectos de cerâmica – mas neste momento, deixadas à sua sorte – “são um exemplo de coragem”.
O assunto foi remetido ao tribunal, mas “não sabemos o que vai dar. O que o Governo fez com eles é desonesto”. Sobre o facto de nalguns casos, como o dos oleiros, haver processos que são tratados à revelia da população, em particular quando se trata de reassentamentos, e determinar- se valores de compensações sem se auscultar os beneficiários, a directora da JA considera que “mesmo nas reuniões públicas deve haver minutas, mas nós nunca as vimos. Isto não é desenvolvimento porque as populações afectadas pelos projectos de exploração mineira continuam pobres”.
A população é incapaz e está “abandonada”
O grosso da sociedade, mormente na área rural, não está capacitada para se defender de certas injustiças. “Existe o medo”, pese embora as organizações da sociedade civil estejam a desenvolver um trabalho com vista a munir as comunidades de meios para se protegerem e saberem exigir a observância dos seus direitos. “Mas as populações estão sozinhas, sem ninguém que lhes apoie nem um Governo ou Estado para denunciarem os problemas que lhes inquietam e serem atendidos satisfatoriamente”.
O Estado não dá ouvidos à sociedade civil
Relativamente à acusação de que as organizações da sociedade civil moçambicanas são fracas, por isso, não conseguem mobilizar as massas para participarem em diversos assuntos relacionados com a vida da Nação e não têm capacidade de influenciar o Executivo para resolver determinados problemas, Anabela Lemos assume a fragilidade e defende que o Estado também cria obstáculos.
“Parece que cada vez mais a nossa voz não é ouvida. (...) A sociedade civil só tem poder de levantar assuntos e fazer denúncias mas a solução cabe ao Estado. Mas aqui está o problema: nada muda. A usurpação de terras das comunidades, por exemplo, prevalece. Os problemas denunciados pela União Nacional dos Camponeses continuam (...)”, defendeu-se Anabela. A nossa interlocutora explicou ainda que sociedade civil é fraca na decisão e na solução de problemas levantados porque o Estado também é débil.
“Este é forte quando a sociedade civil é forte. Esta só poder ser forte quando o Estado lhe ouve e as decisões são tomadas de acordo com os anseios do povo. (...) Trazemos melhores soluções para o povo mas somos ignorados”. O ProSAVANA, segundo Anabela, é um exemplo típico de que o Estado faz ouvidos de mercador em relação às “queixas” da sociedade civil.
“Como é que um projecto de agricultura igual a este pode ter sido desenhado sem o envolvimento do agricultor, seja este pequeno ou grande e soubemos do programa internacionalmente e ficámos chocados. Escrevemos uma carta assinada por 25 organizações ao Presidente da República a pedir esclarecimento, mas não tivemos resposta nenhuma até que lançámos uma campanha para mostrarmos que estamos contra. Realmente, não há hipótese de aquele programa trazer benefícios para os camponeses”.
Na sua opinião, se em Moçambique o sistema jurídico funcionasse os casos “malparados” seriam resolvido no tribunal. “Com a mineração do carvão, daqui a 15 anos, em Tete vamos ter a terra e os rios poluídos. Daqui a 30 anos, quando acabar o carvão elas (as firmas) vão-nos deixar buracos na terra e comunidades pobres. O MICOA não tem condições nem quadros para monitorar situações como estas e casos como o derrame de uma composição química de lama na bacia do Rovuma pela Anadarko.
Medo e intimidações
No terreno onde a empresa JSPL Mozambique Minerals (JINDAL- -Africa) desenvolve o seu projecto de extracção de carvão mineral, no distrito de Songo, na província Tete, vivem, de acordo com a JA, cerca de 1.200 famílias expostas à poeira e a consumir água poluída por falta de alternativa, “o que é um crime para a saúde”.
Neste contexto, uma certa vez, uma equipa da JA visitou as pessoas em alusão com vista a encontrar formas de ajudá-las, mas, nesse dia, dois activistas, um de Maputo e outra de Tete, foram fechados num escritório e restituídos à liberdade decorridas duas horas e advertidos de que se insistissem em manter contacto com as comunidades deviam estar preparados para arcar com as consequências.
Anabela entende que situações como estas são constantes nas províncias, em particular nas zonas onde estão em curso programas como o da Vale Moçambique, do ProSAVANA e Wanbao Agriculture. As pessoas denunciam problemas e “pedem-nos para não divulgar porque têm medo. Há secretários dos bairros que proíbem as comunidades de se reunirem com as organizações da sociedade civil. Já fomos intimidados e proibidos de entrar em determinados sítios.”
A directora da JA diz que não consegue compreender “como é que o nosso Estado ou Governo não vê o perigo para o qual estamos a caminhar. Se tiras a terras a um camponês, que é o seu meio de subsistência, tiras ao pescador o acesso ao rio ou lhes coloca numa casa precária eles refilam”. Volvidos 10 anos, ela diz que nota que há falta de comprometimento em relação à defesa do ambiente, que está a ser destruído sem a noção dos efeitos nefastos que se farão sentir no futuro.