O número de raparigas que, precocemente, abandonam escolas para passarem a ser donas de casa no distrito da Maganja da Costa, na província da Zambézia tende a aumentar. No primeiro semestre deste ano, cerca de 1401 raparigas de 13 a 20 anos de idade desistiram dos estudos, por terem contraído o matrimónio precocemente.
Apesar da implementação de políticas visando promover e manter a rapariga na escola, o quadro de desistência escolar de raparigas é sombrio no distrito da Maganja da Costa, sendo uma das principais razões os casamentos prematuros.
Para compreender e encontrar formas de estancar este fenómeno, a Liga dos Direitos da Crianças (LDC), uma organização não-governamental que trabalha na área de promoção dos direitos e protecção da criança realizou, recentemente, naquela parcela do país, a Conferência Distrital das Raparigas que reuniu o Comando Distrital da Polícia República de Moçambique, o Serviço Distrital de Saúde, Mulher e Acção Social, Educação e a Procuradoria Distrital.
O encontro, que decorreu sob o lema “Chega aos casamentos prematuros, sim à educação da rapariga”, tinha como objectivo adoptar uma estratégia para a protecção da menina dentro e fora da escola, bem como consciencializar as adolescentes, os professores e os líderes comunitários com vista a difundirem acções de combate a este mal que assola um pouco por todo o país.
Os estudos efectuados pela LDC concluem que as raparigas são retiradas das escolas pelos seus pais e encarregados de educação e são forçadas a casar-se com professores e comerciantes em troca de valores monetários e alguns bens. A pobreza e as razões socioculturais são apontadas como o motor que influencia os pais e encarregados de educação a praticar este acto.
Para combater este fenómeno que está a destruir o futuro de milhares de raparigas na Maganja da Costa, o governo e as ONG’s têm vindo a envidar esforços no sentido de sensibilizar as comunidades para combater e denunciar os casos de casamentos prematuros. Segundo a Constituição da República, no número 1 do artigo 121, os casamentos prematuros violam os direitos da criança, na medida em que retiram ao menor e a todo o indivíduo com menos de 18 anos de idade a protecção que lhe permite desenvolver integralmente.
De acordo com as estimativas do sector da Educação a nível do distrito, os números referentes à desistência da rapariga devido a casamentos prematuros tendem a aumentar proporcionalmente aos níveis de ensino, isto é, no Ensino Secundário Geral registam-se mais desistências por casamentos prematuros, relativamente aos níveis inferiores (3º 2º e 1º ciclos do ensino primário). As desistências das raparigas, segundo dados dos Serviços Distritais de Educação Juventude e Tecnologia, acontecem com muita frequência nos postos administrativos e localidades onde os índices da pobreza continuam elevados.
Maria Claudina Mijojo, chefe de departamento do género na repartição do ensino básico nos Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia (SDEJT), avançou que, só no primeiro semestre, 1.401 raparigas dos 36.387 alunos matriculados no presente ano lectivo escolar abandonaram a escola devido à gravidez precoce e aos casamentos forçados.
Este número obriga o sector de Educação e o governo local a envidarem esforços de modo a combaterem a desistências nas escolas. O governo está a trabalhar em coordenação com algumas ONG’s que estão a implementar programas de retenção da rapariga nas escolas. A partir do próximo ano estas organizações vão subsidiar as despesas de meninas desfavorecidas que pretendam estudar.
Dados da Secção de Atendimento da Mulher e Criança vítima de violência doméstica, do Comando Distrital da PRM na Maganja da Costa, indicam que no período em alusão deram entrada naquele gabinete 77 casos de casamentos prematuros. Segundo a chefe do gabinete, Ilda Viegas, nos casos que foram registados, as queixosas não reclamam por se terem casado precocemente, mas sim por falta de assistência por parte do marido.
“Não podemos prender os infractores porque antes de se casarem chegam a consenso com os pais da menina”, referiu. Na Maganja da Costa, a comunidade considera, por razões socioculturais, que uma menina que atingiu 14 anos de idade já é uma mulher madura, pronta para se casar e assumir a responsabilidade de dona de casa, bem como para cuidar dos filhos.
“Quando a menina atinge uma certa idade e desenvolve os seios, tal torna-se é motivo para a família se reunir a fim sensibilizá-la, dizendo que ela já está crescida e chegou o momento de fazer o seu lar para trazer algo que sustente a família”, acrescentou Viegas. O @Verdade conversou com uma adolescente, de 13 anos de idade, que tem uma filha.
A rapariga, que não quis ser identificada, contou que antes de o seu pai ter perdido a vida apareceu na sua casa um senhor que lhe pediu em casamento e o progenitor acabou por aceitar. Na altura, ela frequentava a 6ª classe e teve que abandonar os estudos para cuidar da sua nova casa e do marido. Não obstante a diferença de idade, (aproximadamente 20 anos), a união foi consumada.
Porém, o relacionamento não durou muito tempo. Quando nasceu o primeiro filho do casal, o marido deixou de gostar dela e mandou- -a de volta para a casa dos seus progenitores. Sem alternativa, ela teve de regressar ao lar de origem e, presentemente, vive com a sua mãe. Para sustentar o seu filho, a adolescente dedica- -se à venda de hortaliças.
Refira-se que Moçambique é subscritor de vários dispositivos internacionais e regionais que visam promover o acesso da rapariga à educação escolar e previnam o abandono, entre os quais o Protocolo da SADC sobre Género e Desenvolvimento que recomenda os Estados a promulgarem leis até 2015 que defendem o acesso igual ao ensino. O Governo moçambicano aprovou a Política Nacional da Educação que também se refere ao acesso da rapariga.
Na lista dos países que apresentam um maior número de casamentos forçados, Moçambique encontra-se posicionado em 10º lugar, depois de Níger, Chade, Mali, Malawi, Burquina Faso, Bangladesh, Guiné e República Centro Africana, contabilizando mais de metade de mulheres que se casam antes dos 18 anos. A coordenadora da LDC, Maria Chapamba, disse ser necessária a implementação da lei que criminaliza as uniões forçadas, e os seus perpetradores devem ser punidos severamente nos termos da lei. “Todo o pai que submeter a sua filha a este tipo de acção deveria ser punido”, afirmou.