O que acontece quando alguém se desloca a um determinado lugar com as melhores expectativas e acontece o pior? O público que afluiu em massa ao Festival AZGO, que teve lugar no último fim-de-semana, sexta-feira (22) e sábado (23), em Maputo, viveu esta experiência. Há mais de quatro anos a proporcionar melhores momentos musicais aos moçambicanos e não só, desta vez o AZGO “descarrilou”.
É, na nossa opinião, supérfluo começar uma reportagem sobre um festival internacional de música destacando a problemática das casas de banho. Pois é. Afinal, nos mesmos, o ambiente limpo e saudável é o que mais conta. É ao redor, no pátio, nos tachos, nos bares, nas casas de banho, no odor, que o consumidor do espectáculo quer encontrar liberdade, satisfação. E se isto falhar, seja por que razão for, comete-se o mais básico pecado.
Se não tivéssemos a consciência de que é necessário que a higiene esteja em primeiro lugar nas nossas vidas, pior quando se trata de eventos públicos relacionados com a diversão, – onde se come e se bebe – talvez, nunca nos preocuparíamos com este problema de latrinas. Mas, ao que tudo indica, parece-nos que ainda estamos distantes da perfeição.
É interessante, na verdade preocupante, esta razão de querer realizar eventos de grande magnitude sem prestar as devidas atenções. Grosso modo, sem ter feito nenhum estudo de viabilidade. Embora não seja sobre isso que queremos aqui discutir, importa referir que só para verem os seus ídolos a actuarem alguns, senão todos, aguentaram as longas filas para fazer as suas necessidades nas latrinas móveis montadas no recinto da UEM.
Para além dos grotescos problemas de saneamento e de baixa qualidade de som que, às vezes, dificultava a percepção de alguns temas, outros músicos foram infelizes nas suas apresentações. À guisa de exemplo, Uhuru e Batida também “descarrilaram”. Não que o público não tenha gostado das suas actuações, mas faltou interacção. Faltou a “Terceira Lei de Newton”: “A uma acção sempre se opõe uma reacção”.
No caso de Uhuru, o grupo entrou feliz e criativo, o que fez com que, a dado momento, começasse a fazer modificações nas suas músicas, confundido desta forma os presentes que acompanhavam e dançavam “ao pé da letra”. Essa atitude desmoralizou os fãs que bailavam com pompa.
Três actuações com o pátio às moscas
No que diz respeito às actuações musicais ao vivo, o vencedor do concurso Batalha das Bandas, Hodi, inaugurou o palco Fany Mpfumo numa performance que durou mais de 30 minutos. A banda liderada pelos gémeos Elias e Augusto José Manhiça não pareceu novata nos palcos.
É, na verdade, inquestionável a capacidade de execução destes instrumentistas. Eles tocam, cantam, dançam, com a maior simplicidade, se bem que o que há de novo neles é o facto de estarem a estrear-se num evento do género, pois cada membro tem um percurso artístico cujos anos podem ser avaliados em função dos resultados da forma como se relacionam com essa arte.
Em “Mama” e “África”, duas narrativas crescentes que transcendem a simplicidade de um humilde cantar, Hodi mostra-nos que sente e ama a sua pátria. Ou seja, a sua criação não só nos leva a uma boa dança mas também à reflexão concernente à profundidade da nossa moçambicanidade.
Esgotado o tempo de actuação para o agrupamento Hodi, a grande velocidade dos instrumentos – piano, bateria, guitarra.... – e algumas boas ideias musicais semi-desveladas entre alguma confusão de tempo invadiram o palco Gil Vicente numa voz “transversal” de Cecília Xavier, a vocalista do grupo. Era já a altura de dançarmos ao ritmo de uma das mais conceituadas orquestras do país – Djambo.
Desde a sua criação, a Orquestra Djambo toca com sentimento o quotidiano de um povo, suscitando um grande entusiasmo nos moçambicanos. E, diga-se, fá-lo com obrigação patriótica pois atravessou gerações e nas suas actuações nunca faltou uma “injecção” de Elisa Gomara Saia.
Com mais de 50 anos de existência, a Orquestra e os demais que actuaram nas primeiras horas dos espectáculos, como são os casos de Sérgio Muiambo e Hodi não foram felizes nas suas actuações. O facto deveu-se, pensamos, à ausência do público. Para quem cria ou sonha em criar algum trabalho saiba, agora, que não o pode fazer sem pensar nos consumidores. De qualquer modo, não há arte sem apreciadores.
Ouro na lama!
No passado fim-de-semana, a Universidade Eduardo Mondlane recebeu duas estrelas da música, uma moçambicana e outra sul-africana. Lira e Mingas, duas vozes surpreendentemente hipnóticas, levaram o público ao delírio.
Na primeira noite dos “shows” os moçambicanos unidos pelo mesmo propósito – “curtir” sons de qualidade – consumiram uma música servida a uma alta temperatura artística. É que a qualidade dos argumentos que os manteve no local do princípio até ao fim do evento não podia ser avaliada em função do número dos intervenientes, mas sim pela forma delicada com que Lira e Mingas se relacionam com a música...
Ninguém entre os espectadores, mesmo os que foram ao concerto a fim de aliviar o “stress” do dia, teve tempo de pensar nos aspectos negativos da vida na presença destas artistas.
As palavras de glória e de paz expressas por Lira, repetidas de forma harmónica pelos presentes, davam indícios de que o concerto tinha todas as condições criadas para satisfazer os anseios de todos. Além dos gritos, aplausos e alguns delírios de bêbados – uma das componentes indispensáveis nos concertos de Lira – a sua actuação estimulou alguma cumplicidade entre si e os seus espectadores.
Diríamos que foi bom enquanto durou, pois alguns problemas de origem técnica, quase, estragaram a festa. Após o vergonhoso e súbito apagão de luzes no palco e, consequentemente, de todos os instrumentos, Lira teve a missão – esporádica, digamos – de controlar o ambiente enquanto os técnicos resolviam o problema. E ela saiu-se muito bem.
Volvido algum tempo – suficiente para descansar e repor as forças –, no mesmo palco, Fany Mpfumo, a estrela moçambicana Mingas trouxe o último mais excitante momento do dia. Ao som das mais conhecidas músicas, a artista sacudiu os presentes numa actuação de se pedir mais, mais e mais...
Um “show pornomusical”
A figura da cantora moçambicana Liloca é bem conhecida no panorama musical em Moçambique devido à sua dinâmica na composição de trabalhos. Ela cresce com o tempo e isso é positivo. Talvez seja por essa razão que foi convidada a participar no “AZGO”.
De todas as formas, sob o ponto de vista performativo, outro ponto, diríamos, negativo, foi a actuação de Liloca. Embora o nudismo tenha ganho mais espaço na música e não só, considera-se repudiável a forma como ela se apresentou no palco no último fim-de-semana, pois os espectáculos estavam abertos a todas as idades, o que significa, até certo ponto, por obrigações protocolares, respeito. Muita consideração, principalmente pelos petizes.
Para além de ter se apresentado, quase, pelada, a cantora encenou alguns gestos sexuais no palco. Primeiro chamou alguém (um branquinho, segundo ela) que estivesse na plateia para que, posteriormente, fosse “cobaia” das suas loucuras que duraram mais de 30 minutos.