Uma parte significativa de crianças do ensino primário nas escolas públicas moçambicanas não sabe ler, escrever, fazer a cópia, a redacção e tem lacunas no domínio da tabuada, supostamente porque estes aspectos não foram acautelados no actual currículo e os professores não têm conhecimentos sólidos das metodologias desenhadas para este nível. Quem assim o diz é o porta-voz do Ministério da Educação, Eurico Banze, que, para além de reconhecer que este problema é preocupante, afirma que enquanto persistir a existência de turmas numerosas, dificilmente os petizes poderão ultrapassar o défice de conhecimento. Enquanto isso, Felizardo Semente, do Departamento de Comunicação e Imagem da Organização Nacional de Professores (ONP), considera que o responsável por este aparente fiasco é o sistema todo que apresenta lacunas, desde o ano de 1983, e não apenas os pedagogos.
Para além do sentimento generalizado dos pais e encarregados de educação e de outros entendidos na matéria, sobre a deficiente qualidade do ensino e aprendizagem nos alunos das classes iniciais, o interlocutor do @Verdade indicou que as actuais condições em que os docentes leccionam também não permitem que haja o devido acompanhamento da progressão dos educandos durante as aulas. Para além dista situação, o actual modelo de formação de professores está desajustado dos actuais problemas e desafios da Educação.
Eurico Banze considera que o défice de leitura e escrita nas crianças é um problema conjuntural e reconhece que concorre para que este grupo enfrente dificuldades que têm deixado os pais e encarregados de educação agastados e apreensivos em relação ao futuro dos seus dependentes devido ao receio de não proporcionar ferramentas que lhes permitam enfrentar e superar as incertezas do futuro. A fonte indicou o dedo acusador aos docentes aos quais acusou de terem uma atitude passiva em relação à ligação permanente e metódica com os estudantes.
MINED reconhece alguns erros do actual currículo
Segundo Banze, os exercícios de leitura, escrita, cópia, ditado, redacção e tabuada não foram levados em conta na altura em que o Ministério desenhou o currículo em vigor no país, nem aquando da introdução do Sistema Nacional de Educação (SNE).
Os programas de leitura e escrita implementados na 1ª e 2ª classes não foram percebidos e assumidos devidamente na sua íntegra do ponto de vista técnico por parte dos professores. Para o porta-voz do MINED, não basta ter um plano de ensino bem delineado, é preciso que haja domínio da sua génese e das metodologias traçadas para o alcance dos resultados almejados, sobretudo nas duas classes iniciais.
Algumas soluções
O nosso interlocutor afirmou que o precário estado em que a maior parte das escolas primárias funciona no país contribui para o défice de ensino, num quadro em que alguns exercícios práticos tais como o ditado e a composição escrita foram relegados para segundo plano.
Os gestores escolares são também passivos em relação a este aspecto. O nosso entrevistado avançou algumas soluções, mas aparentemente paliativas para a dimensão dos problemas com que se debatem as crianças nas escolas, para ultrapassar os constrangimentos que também têm sido apontados como uma parte das reprovações em massa nas classes subsequentes, sobretudo nas que têm exames.
O MINED, disse Banze, começou a agir em duas componentes: primeiro, está a aprimorar os programas de leitura e escrita no primeiro ciclo, principalmente na 1ª e 2ª classe, com vista a torná-los mais claros e permitir que o professor tenha um domínio claro e metódico dos materiais usados. Paralelamente este trabalho, está a ser definida uma carga horária para o ensino da leitura e da escrita e para a redução do número de disciplinas das duas primeiras classes iniciais.
A ideia da instituição que gere o ensino em Moçambique, de acordo com a nossa fonte, é passar a ter professores que se concentrem mais nas disciplinadas fundamentais, nomeadamente a Língua Portuguesa, Matemática e Educação Física. A segunda componente está relacionada com a formação de professores orientados para a transmissão de competências aos alunos e a diminuição paulatina do elevado número de educandos nas turmas com vista a melhorar o processo de supervisão escolar que ainda é preocupante.
Este aspecto, disse Banze, é indispensável para que o director de uma escola primária assuma o seu papel de gestor através do acompanhamento minucioso dos trabalhos dos docentes e da escolha dos mais experimentados para lidar com as crianças. O entrevistado pede aos pais e encarregados de educação para que colaborem disponibilizando os materiais de leitura e escrita aos seus filhos e os acompanhe neste exercício.
O sistema está a falhar desde 1983
O secretário do Departamento de Comunicação e Imagem na ONP, Felizardo Semente, disse que os problemas dos alunos do ensino primário no país começaram com a introdução do SNE, em 1983, porque a tabuada, cópia e redacção foram descartados. Este modelo veio também agravar a formação de professores que continua deficitária, não havendo material para as actividades práticas, por isso há um défice relativamente ao domínio das metodologias de ensino e aprendizagem.
Para o nosso interlocutor, a introdução da oralidade por meio de cartazes veio igualmente atrofiar a educação, deturpou todo o processo de instrução e acabou por contribuir para a sua depreciação paulatina. Enquanto isso, a imposição dos financiadores internacionais faz com que se introduzam modelos não adequados à nossa realidade, o que, para além de não contribuir para uma formação com qualidade, está a deformar os estudantes, uma vez que os alunos não passam de meros consumidores sem nenhum senso crítico.
“Se os alunos apresentam graves problemas de leitura e escrita, o único culpado é o MINED porque é a instituição que elabora os planos de formação de professores sem manuais de maneio, por isso o resultado vai continuar a ser negativo e a consequência será o aumento de educandos que não sabem ler e escrever nas classes subsequentes”, disse Semente.
As passagens automáticas
Algumas correntes de opinião e os pais e encarregados de educação têm afirmado que as passagens automáticas por ciclos no ensino primário estão a definhar as crianças. Entretanto, o Governo já veio a público afirmar que este modelo de transição de uma classe para outra vai continuar, apesar de ser muito criticado por alegadamente ter vindo a causar um mau aproveitamento, uma vez que um número significativo de petizes não sabe escrever o seu próprio nome.
Nos termos do actual modelo de instrução primária, segundo o Governo, os alunos são submetidos a exame na 2ª classe, que é o primeiro ciclo, na 5ª classe, segundo ciclo, e 7ª classe, terceiro ciclo, transitando automaticamente nas classes intermédias supostamente porque estão em processo de consolidação das competências.
Para o Executivo, esta forma de progressão por ciclos de aprendizagem, bastante contestada, permitiu que muitas crianças moçambicanas tivessem acesso à escola, pois a transição automática gera a disponibilidade de mais vagas. Em 2011, por exemplo, cerca de seis milhões de alunos no ensino primário beneficiaram do modelo em causa, contra os cerca de três milhões que naquele ano o país teria a assistir às aulas se fosse mantido o sistema anterior.