Todos os dias, dezenas de indivíduos submetem-se a penosas jornadas de trabalho para extrair ouro na zona de Tsiquire, a sensivelmente 10 quilómetros da vila municipal da Gorongosa, na província de Sofala. Na sua maioria são jovens e adolescentes que abandonam a escola para ganhar o sustento diário arriscando a vida. Há também casos de professores e membros da Polícia moçambicana que procuram aumentar a sua renda mensal recorrendo ao garimpo. A actividade acontece aos olhos das autoridades locais que se mostram inoperantes.
A aproximadamente 10 quilómetros da área municipal da Gorongosa um mundo à parte, criado pela necessidade de sobrevivência, ganha vida a cada novo dia. Os vastos campos de mapira, que sobressaem aos olhos de quem por lá passa, não escondem uma actividade que cresce a uma velocidade estonteante nos últimos tempos. A miséria, o desemprego e a urgência de ganhar dinheiro para subsistir arrastam dezenas de jovens e adolescentes para essa “indústria” que prospera informalmente naquele ponto do país.
Têm entre 16 e 30 anos de idade, alguns dispõem de baixo grau de escolaridade e outros nunca sequer se sentaram num banco de uma sala de aulas. Sem opção, nem profissional e tão-pouco de formação, pensam, invariavelmente, numa única coisa: extrair ouro. Este é o perfil de grande parte das pessoas que, todos os dias, se desloca até Tsiquire, uma área de pouco mais de 2500 hectares que se transformou no posto de trabalho de dezenas de indivíduos. Neste local, os dias começam muito cedo e só terminam quando o sol se põe.
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A febre do ouro
Felizardo Sandes chegou há seis meses a Gorongosa, oriundo da vila de Caia, na província de Sofala. Ele tem um currículo robusto no que diz respeito à actividade de garimpo. Porém, começou perscrutando potenciais compradores de minérios extraídos no distrito de Gilé, na Zambézia, mas logo descobriu que a evulsão de ouro dava mais dinheiro. Presentemente, arrenda uma pedaço de terra, de dimensão 20 por 30 metros, em Tsiquire.
Paga 30 meticais pelo espaço por dia e, em média, amealha 15 mil por mês. Ele afirma que já trabalhou em mais de 10 minas do país no decorrer dos seus 26 anos de idade, atrás de uma vida melhor. “Eu procuro ganhar dinheiro para sobreviver, tenho uma família por cuidar”, diz.
Já Joaquim Malia, de 35 anos de idade, trabalha para um grupo de cidadãos estrangeiros, de que desconhece a proveniência. “Eles não falam português, mas nós entendemo-nos. Devem ser sul-africanos, pois eles falam inglês”, afirma. No princípio, o jovem era apenas um simples garimpeiro, e conta que a actividade era bastante desgastante.
Entrava por volta das 5h00 da manhã, só saía às 18h00 com dores em quase todo o corpo, e tinha um intervalo de apenas 30 minutos para tomar o almoço. Muitas vezes, via-se obrigado a passar a noite naquele local. Hoje, ele tem a responsabilidade de supervisionar o trabalho de um conjunto de seis trabalhadores.
Como Sandes e Malia, existem dezenas de jovens que sobrevivem da mesma actividade na vila sede de Gorongosa, onde a actividade é desenvolvida de forma impetuosa. Juca Marinta, de 28 anos de idade, tem a 10ª classe concluída há dois anos. Recentemente, interrompeu a 11ª classe para se dedicar à exploração de ouro em Tsiquire. E a justificação imediata para a decisão é a falta de emprego e a necessidade de garantir o sustento diário da família.
Quase todas as semanas, há relatos de pelo menos dois acidentes nas minas de Tsiquire em Gorongosa. No início do mês em curso (Julho), um rapaz, de 17 anos de idade, sobreviveu a uma queda. Um pedaço de terra no qual se encontrava de pé desabou, tendo ficado aproximadamente uma hora dentro de uma cratera com pouco mais de dois metros de profundidade.
No passado mês de Junho, um outro jovem teve a perna esquerda entalada num buraco. Neste ano, a pior situação aconteceu em Abril último e a vítima chama-se Marinta. Ele foi resgatado com vida pelos seus colegas depois de três horas soterrado. “Não sei explicar o que me teria acontecido, de repente senti muita areia por cima de mim. No momento, perdi a consciência”, conta. O jovem encontrava-se no interior de uma cratera provocada pela actividade de garimpo, quando parte de terra desmoronou.
O incidente não foi argumento suficiente para desencorajar Juca Marinta, até porque, à semelhança de tantos outros que para lá se dirigem, a necessidade de garantir o sustento diário é imperiosa. Volvidos três semanas, o jovem retomou à actividade. “Procuro tomar o máximo de cuidado possível, mas acidente é acidente e ninguém pode prever quando irá acontecer”, diz o garimpeiro.
A exploração de ouro não só atrai os jovens e adolescentes. Há cada vez mais professores e agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) a nível do distrito de Gorongosa a trocarem os seus postos de trabalho pelas minas de Tsiquire. A título de exemplo, quando nos aproximámos de um dos acampamentos instalado naquele local, um garimpeiro que não quis ser identificado pediu-nos para que não fosse fotografado.
Quando nos apresentámos como jornalistas do Jornal @Verdade, sentiu-se descontraído, tendo afirmado que já conhecia o semanário em Maputo, onde morava antes de ser transferido para a província de Sofala, e questionou a razão de a publicação ser de distribuição gratuita. Desembaraçado, revelou que é um membro da PRM e que estava ali à procura da vida. “Não sou único neste local, há pelo menos seis polícias nestas minas”, afirma.
Embora negue o abandono do posto de trabalho para se dedicar ao garimpo, o professor de carreira N3 que se identificou simplesmente por Mendes também é um dos funcionários públicos que faz das minas de Tsiquire uma alternativa ao emprego. Com dois adolescentes trabalhando para si, o docente procura um rendimento estável, e afirma que nos últimos tempos tem sido difícil extrair ouro naquele local.
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Trabalho “forçado”
A zona de Tsiquire foi transformada num acampamento, onde pequenas cabanas improvisadas albergam os garimpeiros que todos os dias se dedicam àquela actividade exercida de forma penosa, até porque os mesmos não dispõem de meios à altura para a exploração mineira. Debaixo de um sol escaldante, sem as mínimas condições de trabalho, os jovens travam uma batalha de caça ao ouro. Ignorando o iminente risco de desmoronamento de terras, eles descem até grandes profundidades, submetendo-se ao exercício braçal e degradante em jornadas quase intermináveis. Pá e picareta são os únicos instrumentos usados.
Naquele ponto, a tabela de preços é definida pelos próprios garimpeiros. Nenhum aceita trabalhar por menos de 100 meticais por dia. “Este é o valor que definimos como o mínimo neste local. Quem aceitar abaixo disso, é expulso deste ponto”, explica o jovem que se identificou por Vasco. Mas a maior inquietação não é cair numa cratera ou morrer soterrado, pelo contrário, é a extorsão que sofrem por parte dos agentes da Polícia que por ali circulam esporadicamente.