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“A poesia deve ser revolucionária. Não perco tempo com erotismos!”

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Promove a poesia mas ama os contos. Tina Mucavele é poetisa, no entanto ‘nunca’ irá publicar uma obra poética. Identifica-se com a escola da literatura afro-americana, por isso não lhe custa nada rotular a academia europeia: “Os escritores moçambicanos são alegóricos”. Sentencia que o poema só faz sentido quando provoca revoluções. O resto é cantiga...

 

@Verdade: Em jeito de recordação pode falar-nos sobre os primeiros anos do seu envolvimento na vida artística?

Tina Mucavele: Sou um pouco esquizofrénica, porque cresci no mundo das artes. Na cidade de Maputo, nos anos 80 e 90 do século passado, as pessoas tinham duas opções básicas a seguir na vida: as artes e o desporto. Era uma realidade quase compulsiva. Realizavam-se, fervorosamente, actividades extracurriculares que eram seguidas pelas crianças. Tive a bênção de ser inscrita na Escola Nacional de Música, aos sete ou oito anos. Foi a partir daí que a minha relação com as artes começou. Nunca mais consegui sair desse mundo, sobretudo porque, de certa forma, sinto que nas artes há muita liberdade da alma, do espírito e de sonhar do que nas actividades mainstream.

Mas mais tarde, tive de optar pelos caminhos convencionais, fazendo uma formação em ciência sociais. Passei a vida na universidade a fazer artes. No entanto, o meu vínculo em relação à escrita começa quando eu tinha 13 anos. Na época, apreciava bastante os livros da minha mãe. Além do mais eu era a filha mais nova de sete irmãos – o que concorreu para que eu fosse solitária – afinal, todos já eram crescidos. Na minha casa não havia outras crianças além de mim. Eu não tinha com quem brincar além das crianças da rua. Acredito que essa realidade possibilitou-me sonhar e fantasiar histórias, embora nunca tenha pensado que isso fosse algo sério.

Naqueles anos, por causa da música brasileira, as pessoas escreviam – em nome de poesia – sobre o amor. Mas isso, na minha percepção, não podia configurar uma carreira artística. Ora, quando em 2000 recitei um poema que despertou a atenção das pessoas granjeando não só a sua simpatia como também estímulos e motivação, percebi que devia continuar a escrever. Já vivia na África do Sul, onde estudava.

Sucede que a partir de 1994, na África do Sul, os jovens começam a viver uma grande euforia, por causa da Revolução. Foi uma experiência que – assemelhando-se ao que se viveu em 1975 em Moçambique – gerou um impacto no movimento artístico. Acompanhei esse movimento porque vivia naquele país desde 1995.

Na universidade onde estudava, os estudantes faziam muito a arte e a música. Realizavam-se sessões culturais, Spoken Words, para recitar poesia. Esta influência encheu-me de crença para o facto de que as coisas que eu pretendia dizer podiam ser partilhados naquele contexto. Arrojei-me mais na escrita.

Entretanto, em 2003, já em Moçambique, eu e alguns amigos, criámos o Movimento Sem Crítica, um espaço onde nós, os amantes das artes, profissionais e amadores, tínhamos a oportunidade de nos expressarmos sem que ninguém nos ditasse padrões de estilos ou de qualquer outra natureza.

Foi no âmbito do Movimento Sem Crítica que fiz a minha primeira performance artística em Maputo, com a banda de Stewart Sukuma. Mas existiam outros membros como Samito Matsinhe, Sininho Paco, Sheila Jesuíta, Tânia Tomé, entre outros.

Mais adiante comecei a perceber que existiam outros jovens na cidade que se empenhavam na literatura. Isso impulsionou-me muito porque – uma vez que desempenho muitas actividades – podia ter parado de fazer arte. Ao longo dos anos também participei nas Noites de Poesia organizadas por Feling Capela, no ICMA.

 

Uma poetisa de justiça social

@Verdade: Que influência a sua mudança de contexto sócio-espacial – quando retorna a Maputo – gerou na sua carreira artística?

Tina Mucavele: Quando nós criámos o Movimento Sem Critica tínhamos o objectivo de construir um espaço de liberdade artística. Mas eu vinha da África do Sul com algum background  em relação à luta pelos direitos humanos, à saúde e à educação. Ou seja, eu ainda tinha os ideais da revolução a partir das artes. Acreditava nisso.

Entretanto, quando cheguei a Maputo ninguém estava preocupado nesse sentido. E os meus poemas são mais reivindicativos. Falam sobre a justiça social. Por isso senti-me um pouco desenquadrada da colectividade, muito em particular porque os meus colegas defendiam que tínhamos de fazer poesia de amor erótico. Ora, eu não consigo escrever temas de amor dissociados de algum tipo de reivindicação.

De uma ou de outra forma, sinto que o facto de não ter parado de escrever como pensava ajudou alguns dos meus colegas a libertarem-se dos seus medos e a falarem sobre as suas preocupações sociais, sobre as grandes diferenças que existem na sociedade. E quando falo sobre as diferenças não me refiro apenas às questões de natureza política, mas também das relações humanas entre pais e filhos, homens e mulheres, incluindo as prostitutas na rua.

Esses temas começaram a gerar algum interesse por parte dos meus colegas que passaram a escrever a poesia da revolução.

@Verdade: Tem na palavra um recurso para o seu trabalho artístico. Tem algum medo no uso da palavra?

Tina Mucavele: Eu nunca tive medo porque falo com base numa perspectiva de sinceridade. Não estou a mentir, embora isso não quer dizer que trago factos. Falo sobre o que vejo, aquilo que o meu coração lê e que acontece na sociedade. Não tenho receio em relação àquilo que as pessoas irão pensar. Reporto sobre a situação de uma mulher que sofre ou de um demente que está prostrado na rua. Tudo isso está na sociedade e pode ser interpretado por qualquer pessoa de maneira diferente.

@Verdade: A palavra tem força, ilumina as pessoas, despertando-as a tomar posições para transformar uma realidade...

Tina Mucavele: O que você está a dizer é sério e muito certo. Por exemplo, quando eu estou nas Noites de Poesia sinto que os presentes não têm medo de nada.

Há muitos miúdos, da escola secundária, muito mais novos do que eu, que sobem ao palco uniformizados para recitar um poema a reclamar em relação ao problema dos transportes, das estradas esburacadas. É na base disso que constato que não devo parar de escrever. Porque se eu afrouxar os meninos terão medo de actuar. E não é que eu seja uma referência, mas faço parte do movimento.

Isso significa que se um movimento começa a ter elementos que fraquejam acaba – como aconteceu com a greve dos médicos – por decair. Eu sinto que entre 10 pessoas cinco já não têm medo de reivindicar os seus direitos.

@Verdade: Essa ousadia estará a transcender o espaço artístico rumo a outro âmbito da vida social?

Tina Mucavele: Não necessariamente. Eu tenho uma formação no campo de serviços sociais e desenvolvimento. Por essa razão, tenho um background em matérias de justiça social. As artes não influenciam a minha faceta profissional. Se isso aconteceu, então é no sentido inverso. Desde que eu comecei a trabalhar em Moçambique, em 2002, passo metade de um mês num distrito qualquer.

Então, vamos supor que eu vá à província de Gaza hoje, e três anos depois, quando retorno, constato que a comunidade visitada não mudou em nada. Os miúdos vestem-se da mesma maneira, nas escolas – construídas com material precário, o que significa que quando chove não se estuda – senta-se no chão. A partir daí questiono-me: onde é que está a mudança de que se está a falar?

Grosso modo, o meu trabalho profissional – no campo mainstream – é que influencia a mina escrita. É por isso que digo que, quando declamo algo sobre a realidade, estou a ser sincera porque eu trago as minhas vivências para a minha arte.

 

Uma luta pela sobrevivência

@Verdade: Está a dizer que a transformação social de que os políticos falam não é a mesma que nós, na arte, encontramos ao analisarmos a realidade?

Tina Mucavele: A arte é subjectiva e não é linear como outro tipo de actividades. É por essa razão que, no princípio, afirmei que não consigo sair desse mundo porque me permite ser livre. Não há padrões na arte. Mas eu não posso generalizar nada porque o que eu penso é diferente do que Lulu Sala – que também é artista – pensa.

@Verdade: Como é que consegue conciliar as várias actividades que tem com a produção artística?

Tina Mucavele: Eu penso que todos nós temos algo sem a qual não conseguimos viver. Se eu deixar de escrever, vou morrer, desaparecer e deixar de viver. Não se trata de uma questão de hobby, mas é de sobrevivência. Se eu parasse de escrever eu desapareceria como uma pessoa activa.

@Verdade: Este ano o Movimento Sem Crítica completa 10 anos. Como tem sido a sua gestão ao longo do tempo?

Tina Mucavele: É muito difícil manter movimentos artísticos, por isso nós nunca nos formalizamos. Não temos estatutos. Mas somos um espaço em que os artistas têm liberdade de agir. As nossas actividades combinam todas as formas de arte – a dança, a poesia, a pintura, a música, ao mesmo tempo.

Não ‘morremos’, mas paramos de trabalhar activamente porque, pelo menos, uma vez por ano, realizamos um evento. Sinto que o Movimento Sem Crítica  foi muito activo nos seus primeiros anos. Nessa época, existiam poucos grupos que desenvolviam uma actividade similar à nossa. Nós fomos os pioneiros. É por isso que neste momento esse movimento não é indispensável. Ele continua a ser um espaço aberto e de liberdade de expressão. Porque o ‘vírus’ que disseminámos infectou todos agora.

 

Os seus deuses

@Verdade: O sarau cultural ‘Ser e Brisa’ que protagoniza tem alguma relação com a realidade que se vive no país neste momento?

Tina Mucavele: Para fazer este concerto inspirei-me numa cantora norte-americana de Hip Hop que no seu ‘show’ recitou um poema interessante. Ora, eu constatei que há dez anos que recito poesia mas nunca tinha feito o meu concerto completo.

No decurso dos ensaios – que duraram dois meses – a sociedade experimentou situações assustadoras. Por exemplo, os poemas que vou recitar foram escritos ao longo de dez anos. Mas as pessoas irão pensar que os escrevi por causa das coisas que estão a acontecer na actualidade no país. Há um poema – de um amigo meu – que tirei do facebook. O mesmo fala sobre a morte, quando sabemos que há duas semanas assassinaram o escultor Alexe Ferreira. Então, não posso dizer que se trata de algo metafísico – mas os factos puxaram-se.

@Verdade: É uma artista que, a avaliar pelos trabalhos que tem exibido, já devia ter uma obra publicada. Existe algum obstáculo, nesse sentido, ou sente que ainda não é o momento adequado?

Tina Mucavele: Eu não tenho a ambição de publicar um livro de poesia porque acredito que a técnica que uso na elaboração dos meus textos é muito livre, fazendo com que os mesmos sejam mais apropriados para serem escutados. E não para ficar nos livros – onde perderiam a força. Quero que as minhas mensagens sejam ouvidas.

Não vou publicar um livro de poesia – se isso acontecer será por força do universo – porque não tenho essa intenção. Mas estou a preparar uma colecção de contos que será publicada nos próximo dois anos.

@Verdade: Não estará a resignar-se em relação a alguns condicionalismos das editoras?

Tina Mucavele: Não! Eu tenho uma paixão de escrever histórias. Posso escrever um conto num dia ou em algumas horas. É muito mais fácil para mim elaborar uma narrativa do que um poema – que é um resumo do primeiro textos.

@Verdade: Quais são as suas referências na literatura moçambicana e mundial?

Tina Mucavele: Eu estudei na África do Sul por isso tenho muita influência da literatura afro-americana. Sinto que, talvez, por causa do sofrimento, o povo americano tem uma forma muito sensível de escrever. Quando os comparo com alguns escritores moçambicanos, percebo que há uma distância muito grande. Os americanos utilizam muita sátira e ironia enquanto os escritores moçambicanos são muito alegóricos. Eles têm uma grandeza épica qualquer.

Quando escrevo, tenho umas mãezinhas por perto. Não fazem nada, mas é como se estivessem a guarnecerem-me. Uma delas é Alice Walker que escreveu o livro The Coler Purple, em que fala sobre uma mulher que era abusada, violentamente, pelo marido. Toni Morrison que escreveu o livro Beloved acerca de uma mulher que mata os seus filhos para que os compradores de escravos não os levassem. Ela tem histórias muito pesadas mas que falam sobre até onde o Homem pode ir para se defender.

Também gosto de Isabel Allende cujas histórias possuem muitos movimentos. Aprecio a escritora africana, do Gana, Ama Ata Aidoo. Ela tem histórias irónicas em que fala sobre os amores underground, do backstage, muito vividos nas urbes africanas.

Mas também aprecio escritores africanos como o nigeriano, Ben Okri, que faz uma literatura que se chama surrealismo mágico, na medida em que incorpora aspectos metafísicos nos seus textos. Em Moçambique tenho dois escritores favoritos que são Paulina Chiziane e João Paulo Borges Coelho.

 


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