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Autárquicas 2013: Munhava a balas e gás

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O bairro de Munhava, arredores da cidade da Beira, transformou-se, neste sábado (16), num campo de batalha. O que era para ser uma festa de encerramento da campanha eleitoral de Daviz Simango terminou em confronto entre os agentes das Forças de Intervenção Rápida (FIR) e os simpatizantes do Movimento Democrático de Moçambique (MDM).

O tumulto eclodiu quando uma viatura do Estado, com a chapa de inscrição EAB-439MP, ostentando a bandeira da Frelimo e escoltada pela FIR, colheu um jovem que se encontrava entre a multidão. E o resultado foi a existência de dezenas de feridos e uma adolescente desaparecida, além de danos materiais.

Era um ambiente contagiante. Uma impressionante moldura humana fez-se, na tarde deste sábado (16), ao campo do bairro da Munhava para participar no encerramento da campanha eleitoral de Daviz Simango, candidato do Movimento Democrático de Moçambique a edil da Beira. Alguns cantavam e dançam, e outros conversam e riam. Gente que ia e vinha, andando pela principal rua daquela zona residencial, condicionava o trânsito de viaturas.

Havia por ali pelo menos 10 mil pessoas, entre simpatizantes do MDM, vendedores e curiosos. Porém, o que parecia um momento de festa, terminou em tragédia. Primeiro, ouviu-se um estrondo. E, segundos depois, sucessivos estouros de bomba de gás lacrimogéneo. Uma nuvem de fumo tomou conta de tudo. A população fugiu em debandada. Não houve tempo para tapar as narinas, nem recolher os seus respectivos pertences.

“Estou a pedir água”, gritou Rosário, de 27 anos de idade. O jovem, residente no bairro da Munhava, tinha desmaiado. Quando acordou, olhou para os lados e, lacrimejando, questionou: “O que nós fizemos para merecer isso?”. Levantou-se do canteiro da batata-doce onde estava deitado e juntou-se ao grupo de cerca de 100 pessoas que tentava aproximar-se da viatura da FIR com pedras nas mãos.

A polícia anti-motim moçambicana foi dispersando, com bombas de gás lacrimogéneo, os populares. De repente, o campo da Munhava ficou quase vazio, dando a impressão de que as pessoas estavam intimidadas com a situação. Mas, na verdade, haviam-se refugiado nos quintais das habitações ao redor. Minutos depois, centenas de jovens foram saindo dos becos, carregando nas mãos pedras, pneus, capim e vasilhames contendo gasolina.

O primeiro alvo a ser atacado foi uma carrinha de caixa aberta que ostentava panfletos do partido Frelimo. O veículo foi incendiado e os ocupantes, dentre eles três idosas trajadas com cores da Frelimo, foram espancados. Só não aconteceu o pior àquelas senhoras porque valeu o bom senso de alguns indivíduos envolvidos no tumulto. De seguida, duas viaturas ligeiras foram vandalizadas e os proprietários agredidos. Os populares definiram como inimigo não só os agentes das Forças de Intervenção Rápida, mas todos que ostentavam símbolos do partido no poder. Em menos de 30 minutos, haviam sido incendiados pelo menos seis veículos.

A Polícia já começava a perder o controlo da situação. A fúria popular ganhava proporções alarmantes e a FIR passou a atirar mais bombas, sobretudo para as residências e barracas ao longo da estrada, atingindo também pessoas que nada tinham a ver com a confusão, o que deixava os moradores com os nervos em franja e espíritos em ebulição.

Maria, filha da dona de um dos estabelecimentos de venda de bebidas alcoólicas, contou que sete indivíduos desmaiaram no interior da barraca e um foi atingido por uma bala no pé. “Perdemos dinheiro, copos e cadeiras. Quem vai pagar esse prejuízo?”, questionou enquanto segurava nas mãos uma bolsa perdida de uma vereadora. Desolada, Amélia Fernando tinha os olhos inundados de lágrimas, mas as mesmas não foram causadas pela bomba de gás atirada pelas forças policiais, pelo contrário, era a manifestação de dor por ver o seu pequeno negócio ruir com o tumulto.

Vendedeira há dois anos no Mercado Municipal Daviz Simango, na Munhava, Amélia olhou para o comício como uma oportunidade para ganhar algum dinheiro a mais, porém, este sábado revelou-se um dia de azar. “Tinha uma bacia enorme de espetadas de galinha e tudo foi para o chão”, contou. Por um outro motivo, Sofia, de 39 anos de idade, chorava desesperada percorrendo a rua onde os tumultos aconteciam. “Minha filha”, gritava aos prantos. Sofia procurava por uma adolescente de 12 anos de idade que se encontrava a vender bolinhos. A rapariga desapareceu entre a multidão. “O pai pediu a filha ontem e eu recusei mandar a rapariga para Chimoio. Não sei o que vou dizer ao pai”, dizia inconsolável.

A multidão não recuava

A violenta acção das Forças de Intervenção Rápida parecia não amedrontar a turba, que se mostrava disposta a fazer justiça por ver a festa estragada antes mesmo de ela começar. Na verdade, o barulho de explosão de bombas de gás atiçava os ânimos dos populares. A revolta intensificava-se a cada investida da Polícia, obrigando esta a recuar. Com a estrada praticamente controlada pelos populares, centenas de pessoas caminharam em direcção à sede do Comité da cidade do partido Frelimo, que fica a menos de 500 metros do campo municipal da Munhava, local onde se realizaria o comício do MDM e de Daviz Simango.

Arremessaram pedras contra viaturas e simpatizantes da Frelimo, e gritavam que aquela força política devia mudar o endereço daquela sede. O contingente da FIR foi reforçado, tendo dispersado os revoltosos das imediações do Comité da Cidade do partido Frelimo. Mas os tumultos continuavam. Nas casas vizinhas, algumas pessoas organizam vasilhames com combustível e outras molhavam panos para tapar as narinas de modo a não inalar o gás lacrimogéneo.

A população usou enormes contentores de lixo para fazer barricadas e queimou pneus ao longo da rua, impossibilitando o trânsito de veículos naquela rodovia. Uma metade da estrada passou a ser controlada pelos agentes da Polícia e a outra pelos populares. O trânsito ficou paralisado naquela via pública. Nem viaturas policiais ousavam atravessar o perímetro definido pelos manifestantes.

Como tudo começou

O Movimento Democrático de Moçambique reservou o décimo segundo dia de campanha eleitoral para fazer a festa do encerramento. O campo da Munhava, no município da Beira, foi o local escolhido para o “Showmício”. Eram por volta das 16h00, o espectáculo ainda estava a começar, artistas encontravam-se no palco a animar os milhares de simpatizantes e membros do MDM, e outros ainda se dirigiam ao local, quando agentes das Forças de Intervenção Rápida, em duas viaturas, chegaram e quiseram abrir caminho por entre a multidão.

A FIR fazia escolta a uma viatura do Estado com a chapa de inscrição EAB-439MP que ostentava panfletos e bandeira do partido Frelimo. A dado momento, segundo contaram alguns populares, o automóvel teria esbarrado num jovem e, na tentativa de pedir satisfações, foi colocado com violência no veículo da Polícia como se de um criminoso se tratasse. No entanto, dezenas de pessoas aproximaram-se da viatura e exigiram a sua libertação.

Para dispersar as pessoas que se iam aglomerando, os agentes da FIR disparam alguns tiros para o ar, facto que provocou alguma agitação nos populares, que reagiram arremessando pedras, tendo a situação degenerado num tumulto sem precedentes. Daviz Simango, o candidato a edil da Beira, já estava no local e preparava-se para subir ao palco.

Reacção do MDM

Na manhã deste domingo (17), Daviz Simango pronunciou-se sobre o sucedido. Antes de partir para o último dia de caça ao voto, o presidente do Movimento Democrático de Moçambique disse que no campo da municipal da Munhava assistiu-se ao “assalto à democracia e às liberdades políticas, a polícia instrumentalizada pela Frelimo disparou, lançou gás lacrimogéneo e matou a população moçambicana que estava dentro do seu gozo constitucional”.

Simango disse ainda que o “MDM não vai ficar com medo. Vamos continuar. Vamos continuar a lutar pelo povo moçambicano (…). Na quarta-feira (20), vamos votar, vamos votar sem medo. Mesmo que a FIR invada a cidade”. Munhava acordou calma Os vestígios de violência continuam patentes nas ruas do bairro da Munhava. Porém, a vida voltou à normalidade. Neste domingo, os moradores e os veículos circulavam sem sobressaltos, apesar de ainda existirem alguns obstáculos ao longo da via pública.


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