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O Quarto está à deriva

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O Parlamento moçambicano que, até os dias actuais, ainda não se pronunciou sobre o ponto de vista de Moçambique em relação ao homossexualismo – um debate, aliás, que ainda nem está a ser travado – é constituído por homens e mulheres que ‘têm’ algum próximo cuja opção sexual não é, necessariamente, heterossexual.

Entretanto, o “ismo” – que se pretende remover das palavras gay e homossexual, por eivá-las de uma carga pejorativa, confundido o homossexualismo, agora, sublimado e promovido à homossexualidade – resulta da falta de uma informação generalizada disseminada sobre o assunto, na sociedade. Por exemplo, no meio artístico, arrisco-me a afirmar, a única obra moçambicana que discutiu o tema homossexualidade em Maputo, em 2011, na altura em que o tópico era um grande tabu, chama-se O Quarto. É uma peça teatral produzida pelo Grupo Girassol. Um diálogo protagonizado pela actriz moçambicana Sheila Nhachengo e o seu confrade Juvêncio Simbine.

Sob o ponto de vista artístico não vejo muita possibilidade de formular uma crítica desfavorável em relação à referida obra: intimista que, em 30 minutos, decorre num acto único. O teatro moçambicano ainda é tecnicamente pobre, por causa da indisponibilidade material, não obstante contar com o sempre renovável e, quase, eterno talento dos seus protagonistas.

Por isso, e por causa dessa percepção que tenho sobre a nossa realidade, quando um espectáculo teatral gora as expectativas do público por causa da deficiência da luz e do som, já não fico indignado – o que não retira valor a esses elementos. Além do mais, por causa da simplicidade dos adereços empregues, do facto de a obra O Quarto não exigir dos actores muitos movimentos (entrada e saída do palco), os factores mecânicos – sobretudo os materiais – pouco influenciam no êxito ou no fracasso da obra.

Mas o problema, para mim, em relação à obra O Quarto, e para que se instale um debate, cada vez mais sério sobre o homossexualismo – o seu eixo de discussão – em Maputo e, por extensão, em Moçambique é necessário que divulgue uma informação correcta sobre o assunto. É urgente que as pessoas melhor informadas, sem nenhum nervosismo, esclareçam os menos entendidos, a fim de que se produzam conteúdos correctos e actuantes. Isto foi o que, não minha percepção, não se conseguiu fazer. O pessoal da Lambda, a agremiação que exerce cidadania a favor das minorias sexuais, não foi capaz de captar, capitalizar o contexto criado e disseminar a verdade sobre o homossexualismo que agora é – segundo eles – homossexualidade.

Esta minha reflexão, como se deve estar a perceber, baseia-se em alguns aspectos da obra teatral O Quarto – a partir da qual, depois da exibição, tendo-nos apelado ao debate, o Grupo de Teatro Girassol pretende ampliar o caudal de informação e de percepção sobre o assunto homossexualismo, desfazendo determinados tabus e incompreensões que (ainda) povoam a mente de muitos moçambicanos em relação ao tema. O problema é que a analisar a partir de algumas intervenções dos presentes, bem como de algumas passagens da obra, em O Quarto temos um Frad gay, interpretado por Juvêncio Simbine, que, em resultado da estigmatização, da discriminação e de outros tantos males que, mesmo em estado latente, coarctam algumas liberdades humanas, incluindo as sexuais.

Frad vive maritalmente com Sheila, e é assim que se chama a actriz Sheila Nhachengo na peça, e, juntos, desenvolvem uma relação em que esta mulher fica grávida. Frad é, segundo a peça, homossexual. E se o homossexualismo – até o dia em que me disseram que a expressão tinha carga negativa, por causa do sufixo “ismo”, eu não utilizava-a sem preconceito. Por isso, aqui, uso-a no contexto desta inocência – for algo natural, como também se apregoa, este personagem lutou contra a sua natureza e foi bem-sucedido. Certamente que esta minha constatação leva-nos a outro tipo de leituras, menos interessantes. Mas aí está o problema de base: “O que é, afinal, o homossexualismo?”

No dia 2 de Março, quando no Teatro Mapiko da Casa Velha, em Maputo, se fez a primeira exibição deste ano do referido trabalho artístico, promoveu-se um debate moderado pelo conceituado actor moçambicano, Mário Mabjaia. O artista orientava as pessoas a tomarem alguma posição sobre o assunto e, logo em seguida, num processo indutivo, fazia-as reflectir: “Que ponto de vista é este? Quais são as suas implicações na sociedade? Porque é que eu me penso assim? Se eu tivesse, na minha família, um irmão gay como o trataria? Porque é que o trato desta forma? Que implicações isso tem em relação a determinadas doutrinas religiosas?”

Estimei a discussão porque existindo, como sempre, as pessoas que – sem ideias próprias – se alinham às popularmente concebidas como certas, acabou por se criar espaço para a difusão de revelações genuínas, por parte de alguns homossexuais, em jeito de quem se assume publicamente, e a produção de uma aprendizagem, um conhecimento quase – não fosse a explicação pouco expressiva dada pelo pessoal da Lambda – específico.

O parágrafo anterior tem esta ideia porque se eu, capitalizando um ponto de vista de determinado espectador presente no local, considerasse que o homossexualismo é algo natural, que diz respeito à natureza humana, por conseguinte, chegaria à conclusão de que se está perante um comportamento (sexual) controlável e/ou manipulável. O resultado prático da minha inferência – algo muito bom, até para os homossexuais e os seus familiares – seria o evitamento de tamanho sofrimento por parte de gays e lésbicas. Ou seja, eles não teriam de se isolar, ‘refiro-me até ao isolamento sexual’, da sociedade que saberia como lidar, naturalmente, com eles.

Esse espectador, cujo nome não me recordo, manifestando a sua posição de uma forma quase dúbia, falou sobre a vida sexual das pessoas desde a infância, focalizando o seu discurso para os sinais comportamentais das crianças como factores que definem a sua orientação sexual quando adultos.

Acreditando que existe informação por parte da Lambda para esclarecer as dúvidas existentes sobre o assunto, eu gostaria de, primeiro, saber quais são os factores que concorrem para que uma pessoa se torne (ou nasça) gay, segundo e por fim, não necessariamente para discriminá-la, mas a fim de – desde cedo – contribuir para que este mortal não sofra como acontece com muitos moçambicanos condenados pela sua própria condição humana e sexual.

Digo que O Quarto está à deriva – como se apresenta a minha matéria – porque considero esta peça um ponto de partida para se encontrar muitos esclarecimentos sobre, na óptica actual da Lambda, a homossexualidade. O Quarto está à deriva porque, enquanto obra teatral, contém a sabedoria que não está a ser destrinçada, interpretada e criticada – mesmo pela Imprensa moçambicana – para que se explore nela maior partido a partir do contributo desta produção artístico-cultural para o desenvolvimento humano no país.

Uma última ideia. Parafraseando as palavras de Ivone de Lourdes Oliveira e Marlene Marchiori, no seu livro sobre Comunicação, Discurso, Organizações, tal como acontece com os problemas da pobreza, da saúde, da economia e do meio ambiente, as liberdades sexuais são um assunto sobre o qual a Imprensa deve pôr a sua visão.

Moçambique não deve estar alheio a esta realidade porque o planeta já produziu a mundialização que coloca todas as suas partes constituintes interdependentes, em todas as vertentes, incluindo os grandes temas da existência humana. O ideal era que todos os homens estivessem em pé de igualdade no acesso à informação.

No início deste discurso, falei sobre a inclusão no/do Parlamento no tratamento do homossexualismo, da homossexualidade, mas, é bom que se esclareça, a discriminação – de qualquer que seja a natureza – não é, necessariamente, movida pela falta de legislação. Aliás, a nossa Constituição possui um parecer particular sobre a sexualidade.

A escravidão humana – a moçambicana, em particular – é gerada pela falta de conhecimento. É nisto que devemos investir – o acesso ao conhecimento. Parece miúdo o problema, mas não é porque nós não sabemos quantos dentre os 25 milhões de moçambicanos são discriminados por serem gays ou lésbicas. E por quanto tempo – enquanto prevalecer esta falta de informação – estas pessoas continuarão a ser estigmatizadas? Precisamos de agir!


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