Conheça a história de Dom João, um músico que além de estar decepcionado com a Frelimo, partido para o qual tem feito campanhas eleitorais, em resultado do abandono que lhe vota, está resolvido a mendigar apoios nos partidos da oposição a fim de parir o seu trabalho discográfico.
Originou-se com pendores para a música, mas só descobriu isso aos 40 anos. Nos seus 10 anos de carreira, publicou seis trabalhos discográficos, um filme documentário e 16 vídeo-clipes.
Na história da vida eleitoral de Moçambique, por várias vezes, produziu canções-campanhas para o partido Frelimo. Presentemente, sem resultados favoráveis, há três anos implora apoios para a publicação do seu sétimo trabalho discográfico. Sente-se traído pelo partido que defendeu por toda a vida.
É em resultado disso que, desta vez, mais uma vez em Maputo, fatigado pela situação em que vive – a indiferença manifesta por quem, nas suas palavras, por muito tempo contou com o seu apoio para se manter no poder – resolveu conceder uma entrevista ao @Verdade em que narra as peripécias por que está a passar.
No entanto, mais do que isso, segundo Dom João, se até lá a sua situação não sofrer nenhuma transformação favorável, tomará uma da decisão radical – abandonar a Frelimo.
“Possuo seis trabalhos discográfico editados, publicados entre 2003 e 2008. No intervalo destes anos nós, os músicos, tínhamos alguma facilidade de publicar álbuns porque trabalhávamos directamente com as editoras – como por exemplo a J&B Recording, as Produções Olá África e a Vidisco Moçambique – com as quais possuíamos contratos laborais”, começa por dizer o Dom João.
A partir do momento em que as editoras faliram muitos artistas, como Dom João, começaram a enfrentar dificuldades. De qualquer forma, “porque a música é uma arte, nós, os seus fazedores, jamais iremos abandoná-la”.
Novamente, em 2010, em Maputo, Dom João entra no estúdio a fim de gravar a obra que pretende publicar. Os seus fundos financeiros não foram suficientes para custear o trabalho, razão que originou o seu regresso à cidade da Beira.
O artista narra que no ano seguinte, 2011, retornou a Cidade de Maputo, onde contactou o Ministério da Cultura no sentido de facilitar o acesso de financiamento para a efectivação dos seus planos. “A instituição passou-me uma carta abonatória legitimando o meu pedido de patrocínio nas empresas. Tanto é que contactei mais de 20 organizações, sediadas na capital do país”, por parte das quais o artista recebeu um insignificante apoio que o moveu a regressar à província de Sofala.
Pela segunda vez consecutiva, no âmbito da mesma pretensão, neste ano Dom João retorna à Cidade de Maputo onde chegou em Agosto. “O Ministério da Cultura passou-me uma segunda carta abonatória. Recomecei o processo de pedido de apoios para a produção do meu álbum e, infelizmente, até agora, nenhuma empresa se mostra empática em relação à esta petição”.
De acordo com o artista, a compreensão de que o seu material musical, nas condições em que se encontra, pode perder a qualidade fê-lo escrever uma carta de pedido de patrocínios “destinada ao secretário-geral da Frelimo, com o conhecimento do Presidente da República, a Presidente da Assembleia da República, o vice-ministro da educação que era governador da Zambézia, incluindo o vice-ministro dos Transportes e Comunicações que são personalidades que conhecem a minha relação com o partido, a minha história, o trabalho que tenho feito para esta formação política ao nível do distrito de Mocuba, mas isso não está a resultar. Eles todos, simplesmente, manifestam indiferença”.
Não é só da música que vive um cantor
De nome oficial, Bernardo João, Dom João é pai de sete filhos, dos quais três menores que por essa razão a sua subsistência depende de si. Possui um agregado familiar de sete pessoas, incluindo a sua esposa e uma sobrinha. Tanto que, enquanto estiver em Maputo, na cidade da Beira se encontra uma mulher e os seus filhos à espera de um marido cujo regresso triunfal se mostra uma miragem.
“Para mim isso é pesado. A minha carreira está comprometida. Porque, neste momento de aflição, mesmo as pessoas a quem tenho apoiado sempre que precisam – refiro-me ao partido Frelimo – simplesmente estão a dar-me as costas”, considera acrescentando que é em resultado disso que, neste momento, “a minha ideia é tentar pedir algum apoio à oposição quem sabe – penso eu se calhar equivocado – ela constitui uma possibilidade de pessoas que me podem ajudar”.
Dom João esclarece que quando diz oposição refere-se aos partidos Renamo, MDM ou qualquer outro desta estirpe. “Penso que são pessoas que podem ajudar. Vou aproximar-me a eles. Se o meu álbum existe há três anos e as pessoas que podem dar apoio não o fazem, eu vou aproximar-me ao grupo da oposição”.
Dom João tem a consciência da importância do trabalho que faz. Basta que se tenha em mente que “além das músicas de promoção da Frelimo nas eleições, tenho cantado as músicas que pretendo gravar. Elas servem de incentivo ao povo para votar neste partido. Agora o que não faz sentido é que hoje, que estou aflito a pedir o seu apoio, o partido Frelimo – a quem por vários momentos tenho apoiado – simplesmente me ignore”.
Por exemplo, “eu tenho feito campanhas eleitorais no distrito de Mocuba – e considerando que não é só de música que um artista vive – era suposto que eu tivesse uma actividade laboral naquela região do país, como forma de ganhar algum dinheiro para sustentar a família, o que até hoje não me é possível”.
Fundo que não chegou
De acordo com Dom João, mergulhado nesta realidade, em certa ocasião, “fiz um pedido de 300 mil meticais, no âmbito do Fundo do Desenvolvimento Distrital, a fim de instalar um estúdio de gravação – como muitos músicos têm feito – de maneira que pudesse sobreviver a fazer este negócio”.
Com o mesmo valor, “como igualmente faço cinema, pretendia comprar uma câmara de filmagem para fazer a cobertura de alguns eventos como, por exemplo, casamentos, baptizados, além de fazer produções cinematográficas”.
Diz que o Governo, simplesmente, “recusou-se de ceder-me o dinheiro. Apenas deu-me 28 mil meticais, montante com o qual não é possível realizar nada dentro do plano que havia traçado”.
Por isso, “a partir de agora, tudo o que eu possa fazer em relação ao partido Frelimo acontecerá na base de uma relação de troca imediata, terminando por aí. Porque se alguém tem um amigo que só precisa de si quando estiver aflito, no mínimo, isso se não é expressão de egoísmo, então, significa que esse amigo não é verdadeiro”.