Os espaços para a implantação de empreendimentos na cidade de Nacala-Porto começam a escassear como resultado de vários investimentos em curso localmente. Consequentemente, os cemitérios estão na mira de alguns empresários e há um desrespeito do descanso eterno dos mortos, facto que agasta algumas famílias.
A invasão de terreno destinados a enterros está a ganhar contornos alarmantes na cidade portuária, sobretudo nos bairros periféricos, onde supostos investidores aliciam os líderes comunitários e alguns funcionários da edilidade com míseros valores monetários com o intuito de, em conjunto, ameaçarem a população, enfraquecê-la e depois destruir as campas nas quais jazem os restos mortais dos seus familiares.
Essas acções são frequentes nas zonas do Triângulo, Intupai e Quissamajulo. Este ano, pelo menos quatro cemitérios com mais de cem campas cada foram destruídos e já decorrem obras de construção de algumas empresas.
No bairro do Triângulo, nos quarteirões 13, 14,15 e 16, das mais de 300 campas destruídas somente cinco corpos é que foram exumados para o cemitério municipal alegadamente por serem restos mortais de antigos combatentes.
A destruição de sepulturas para dar lugar a empreendimentos industriais em Nacala-Porto está igualmente a gerar clivagens entre a população, a edilidade, os líderes comunitários e os supostos investidores, que, vezes sem conta, são surpreendidos por populares nas suas instalações reivindicando a posse dos lugares onde os seus parentes descansavam eternamente.
Ancha Buana Alide, de 50 anos de idade, herdou o cognome de “Rainha de Nacala” devido ao seu envolvimento na defesa dos interesses daqueles que viram as suas campas vandalizadas. Por várias ocasiões, a senhora veio a público manifestar a sua indignação em relação à demolição de sepulcros sem antes haver algum entendimento entre os parentes dos defuntos e os investidores. As estruturas que velam pelo assunto são acusadas de receber dinheiro para defender a alegada injustiça.
A “Rainha de Nacala” diz que o que está a acontecer em Nacala-Porto é contra a vontade dos antepassados que repousam nas tumbas desrespeitadas e o dinheiro não pode “falar” mais alto que os bons costumes.
Um dos empresários indicados de liderar os demandos a que nos referimos dá pelo nome de Mahomed Hanifo, Presidente do Conselho de Administração (PCA) do Grupo Comercial “MH”. Alguns funcionários do município, os líderes comunitários – identificados pelos nomes de Champion Amade, Anastácio Mulelo e Adriano Lázaro – o chefe do quarteirão 15, José Manuel Jacques, e o secretário do bairro, demoliram túmulos no “Triângulo” sob o pretexto de que os mesmos se encontravam no terreno daquele empresário.
Há relatos de que as famílias são compensadas com 1.500 meticais, um litro de óleo de cozinha, um quilograma de arroz, dentre outros produtos. Aliás, para o efeito, o Grupo Comercial “MH” teria desembolsado 514 mil meticais para indemnizar 300 famílias.
Líder comunitário destituído por venda de campas
José Jacques, tratado por Zeca no seu bairro, é um líder comunitário do primeiro escalão, baseado no posto administrativo de Mutiva, concretamente bairro do Triângulo, no distrito de Nacala-Porto. Ele foi afastado das suas funções pelo administrador do distrital António Pilale, supostamente porque encabeçava um grupo de pessoas que mantinham contactos com empresários com a finalidade de vender cemitérios.
Entretanto, os familiares exigem que José Jacques e o Grupo Comercial “MH” indiquem o lugar no qual deixaram os restos mortais que jaziam nos sepulcros ocupados pelos empreendimentos.
Que diz a população?
Helena Daniel, de 35 anos de idade, residente no bairro de Intupai, quarteirão 15, em Nacala-Porto, disse-nos que em nenhum momento a população foi contactada para falar sobre a exumação de corpos dos seus ente-queridos. “No ano passado faleceu minha filha e a sepultei no cemitério que hoje foi destruído. Ninguém nos diz para onde foram levados os restos mortais”.
Maria Micai, de 55 anos de idade, contou-nos que tinha 11 familiares sepultados num cemitério local desfeito para dar lugar à construção de uma firma. Neste momento, não sabe qual é a localização dos corpos. “Não fui informada sobre a exumação desses restos mortais e estou preocupada porque gostaria de venerá-los”.
Fernando Victor, 39 anos de idade, é natural do distrito de Eráti, mas residente no bairro triângulo há 28 anos. Ele também está indignado com a situação que se a vive na sua zona e afirma que certas pessoas que tinham um membro da família enterrado nos cemitérios em causa devia receber cinco mil meticais por cada campa, cinco sacos de arroz, cinco litros de óleo. Todavia, o dinheiro não chegou às mãos dos beneficiários, apesar de ter sido desembolsado.
Silvério Bacar, de 40 anos de idade, reside no bairro de Naherengue. Ele classifica a acção como sendo um atentado aos princípios e valores morais de conduta humana por causa do dinheiro e alerta que, se as autoridades governamentais não tomarem medidas com vista a refrear o desrespeito da morte, casos idênticos aos que nos referimos podem se agravar na cidade de Nacala-Porto devido à procura de espaço para empreendimentos.
O que dizem os visados?
Relativamente às acusações que pesam sobre a sua pessoa, José Jacques, ex-secretário do bairro do Triângulo, disse ao @Verdade que tudo não passa de uma mentira. Entretanto, a venda de alguns cemitérios foi mediante um consenso alcançado entre os compradores e a população, sobretudo com as pessoas cujos parentes jaziam em algumas sepulturas.
“Sou apontado como o principal suspeito porque comprei uma viatura e tenho uma casa melhorada, mas tudo foi graças às minhas reservas financeiras”, disse José, para quem a sua destituição do cargo de líder comunitário do bairro Triângulo foi injusta. Por isso, vai intentar uma accão judicial contra o governo do distrito de Nacala-Porto.
Por seu turno, Mahomed Arafat, representante do Grupo Comercial “MH”, entidade que adquiriu os espaços que eram ocupados pelos cemitérios na origem do descontentamento popular, disse que desconhece as causas que levam aos familiares a desencadear uma acção de revolta porque as negociações e as indemnizações foram feitas nos termos acordados entre as partes.
O vereador que responde pela área de cemitérios em Nacala-Porto, Gimo Raul Mandete, alegou que se encontrava ocupado e que não teria tempo para se pronunciar a respeito das acusações que pesam sobre a edilidade.