Há muitos anos que nós, os moçambicanos, nos apercebemos de que a situação sociopolítica do nosso país estava a tornar-se danosa. No entanto, porque além de reclamar – em sentido individual – nunca decidimos pela mudança, a nossa própria inacção fecundou a precariedade social colectiva em que habitamos. Será que é assim que queremos viver? Quando é que teremos Outra Vida?
A nova coreografia do bailarino moçambicano, Dani António Chindia, é uma bolsa de questionamentos, convidando (nesse sentido) o público que a vê a reflectir sobre tudo o que acontece na vida dos Homens. Outra Vida, como se chama, pretende remeter-nos à ideia de pensar na possibilidade e na necessidade de termos novas oportunidades nessa nossa experiência humana. Será esta compreensão que justifica o facto de a suas questão fundamental – que não demanda nenhuma resposta, a não ser a necessidade de nos instigar a reflectir – ser a seguinte: O que é que se devia ter feito na vida?
Enquanto coreografia, Outra Vida é acima de tudo um espaço para a reflexão sobre temas transversais. Até porque tomando em consideração que as pessoas crêem na reencarnação, torna-se oportuno reavaliar todas as nossas acções a fim de perceber – se elas forem uma base para isso – de que modo nos conduzem para novas oportunidades na vida. Que oportunidades são essas?
São perguntas ricas em termos de valor simbólico e figurativo que que não só convidam o espectador a pensar sobre sua condição humana, mas também envolvem-no, fazendo de si parte integrante da coreografia. Nessa óptica, Dani Chindia – quem criou e montou a obra – visualiza na mesma uma relação triádica, em que temos o bailarino, como protagonista, temos a cantora suazi Thobile Magagula, como a figura intermediária, que além da música simboliza a humanidade e o próprio público que não somente cumpre esse papel, mas que é convocado a participar activamente no debate que se gera.
“É por essa razão que penso que – apesar de ser executada por duas pessoas – esta peça nos remete a uma trilogia, na medida em que se inclui o público como um participante activo”, refere Dani. O envolvimento do público faz com que – em algum sentido – perceba que existe alguma dimensão que lhe afecta durante o decurso da corografia.
“A cantora que está entre o público e o bailarino representa um médium – uma entidade que está acima do Homem e abaixo do sobrenatural. Nós procuramos representar algo superior que está do outro lado. De qualquer modo, eu não gostaria que se chamasse espírito. Aqui as pessoas têm a liberdade de decifrar e concluir de que entidade se trata”. Na obra, o bailarino possui uma vestimenta especial sobre a qual tem uma opinião particular: “Não quero que as pessoas fiquem com a percepção de que ele se vestiu dessa forma para representar um espírito – porque isso é redutor. A nossa obra trespassa um simples espírito e pretende ser algo muito maior”.
Sabe-se que esta criação será apresentada – em estreia na cidade zimbabueana de Harare – onde, entre 8 e 15 de Novembro, decorre o First Afiriperfoma Biennial. Espera-se que dentro de algum arranjo, ela seja exibida igualmente em Moçambique, em Dezembro, quando decorrer a quinta edição da Bienal de Dança Contemporânea Kinani.
Um assunto sério
Se a obra Outra Vida for um rótulo – em que se reconhece a sua transversalidade temática – então a precariedade sociopolítica que se vive em Moçambique também cabe. É um assunto sério cuja percepção também se busca à luz desta obra, o que não significa que a sua temática central seja essa. Admitindo, efectivamente, que ver a coreografia dessa dança afro-contemporânea denominada Outra Vida seja submeter-se num contexto de reflexão, também é muito justo questionar a direcção que esse evento irá tomar. Ou seja, quais são os grandes temas que se discutem? E como é que isso se associa à vida contemporânea? “A premissa é que todos nós sabemos que estamos num caminho errado. Temos conhecimento de que os nossos procederes estão a falhar. Porque é que estamos nessa situação?”
“Quando se lhes perguntarem as razões de estarem a incorrer em procederes erróneos, as pessoas sempre irão a apontar a guerra, a precariedade das relações humanas, entre outras razões. Há sempre um argumento. Mas nunca se faz uma introspecção para apurar a responsabilidade – em grau individual – dessas ocorrências”. E como ninguém (em plano individual) toma a iniciativa de transformar esta realidade, ela torna-se dura e complicada para todos. É nesse sentido que o mérito desta obra é gerar questões direccionadas para o individuo, de modo que cada pessoa reflicta nos seus actos.
Uma explicação melhor
Dani Chindia considera que “há muitos anos que temos problemas políticos em Moçambique. Ao longo desse tempo, a população sempre tem estado a reclamar. No entanto, quase como quem alimenta uma cumplicidade, sempre tem votado nas pessoas que nos governam até que, finalmente, chegamos neste nível de grande saturação. A nossa situação está pesada. Mas isso foi um processo contínuo, marcado por uma colecção de reclamações sem tomada de decisão para transformar a realidade”.
Em resultado disso, “se alguém perguntar-lhes sobre as razões que lhes moveram a não fazer de forma diferente, as pessoas dizem que não havia outra alternativa – o que não é verdade. O facto é que elas não querem apostar noutras possibilidades porque os seus avós disseram- -lhes que este partido matou fulano e sicrano – que foram seus familiares – no passado. O grave é que a pessoa que faz desses comentários os seus dirigentes nem esteve em tal conflito. Por isso, no plano individual, a pessoa não tem esse sentimento mórbido que a move não apostar no outro”.
“Outras pessoas dizem que a sua indiferença deve-se ao facto de o outro partido não estar organizado ou porque não se expressa bem. No entanto, a verdade é que os que supostamente estão organizados e que se pronunciam bem estão a complicar a nossa situação”. É nesse sentido que, na compreensão do autor, esta coreografia é uma ponte que nos leva ao debate sobre a responsabilidade individual na tomada de decisões, bem como na necessidade de seguir um caminho e não outro.
Fracassou o colectivo
Está claro que a questão da tomada de decisão – para a mudança – por parte dos moçambicanos, está eivada de muitos receios. O que os originou? Para qual porto este debate nos levará, tendo-os em conta? De acordo com Dani Chindia, o que acontece é que quando a individualidade não funciona, a colectividade falha.
“O nosso problema é que não saímos da dimensão individual para a colectiva. Introduzimo- nos, imediatamente, na colectividade sem termos convicções próprias. Então, isso significa que quando um individuo – e isso deve ser geral – se associa a uma colectividade sem ideias próprias, dificilmente toma alguma decisão como individuo”.