A cantora moçambicana, Chude Mondlane, revelou o seu descontentamento em relação às produções publicitárias que – utilizando os artistas e as suas criações – acabam por desvirtuar, não somente, o sentido da obra de arte, como também vituperam a memória colectiva do povo. No entanto, há muito mais envolvido. Saiba a seguir...
Chude Mondlane é artista e actua na área da música. Recentemente, no âmbito da Quarta Semana das Ciências de Comunicação, realizada anualmente pela Escola Superior de Jornalismo, a intérprete proferiu uma comunicação focalizada na utilização dos artistas pelos produtores de publicidade. A primeira grande revelação de Chude, naquele contexto académico, tem a ver com o facto de, presentemente, ela não utilizar a rádio nem a televisão como veículos a partir dos quais satisfaz a necessidade do acesso à informação.
Esse isolamento, nas suas palavras, é uma estratégia que lhe possibilita uma maior originalidade nos seus processos criativos. Recordem-se de que desde os princípios deste ano, Chude faz parte de uma colectividade artístico-musical chamada Projecto Trânsito. Mas a sua apresentação foi inspirada no facto de, ao longo dos anos 90 do século passado, a filha do arquitecto da unidade nacional, Eduardo Mondlane, ter actuado na área da produção publicitária para os produtos da companhia Coca-Cola. “Acredito que muitos dos meus amigos músicos não conhecem essa minha relação com a publicidade”, comenta entre rizadas.
Facto, porém, é que, como Chude Mondlane exprime, se por um lado (na mesma área) os músicos mais conhecidos são bem remunerados pelas empresas que os utilizam nas campanhas publicitárias das suas instituições, por outro, ao mesmo tempo, determinados cantores não são bem remunerados. Além do mais, em todo o mundo, “há músicos que criaram obras – para a publicidade – cuja autoria não é divulgada. Há várias razões que argumentam essa realidade, mas a principal tem a ver com os acordos que inspiraram esses negócios”.
Por exemplo, “quando o artista é conceituado, tem um certo ‘brand’ que o possibilita que uma empresa possa utilizá-lo para vender os seus produtos, e render por isso. Por exemplo, a Coca-Cola pode explorar o nome de Beyoncé para comercializar melhor os seus bens”. No entanto, “estas mesmas empresas também podem promover os artistas que não são muito conhecidos na praça, associando-os aos seus produtos e serviços. Isso acontece muito na área da música tradicional. Esta relação pode ser muito lucrativa para ambas as partes, da mesma forma que pode ser de exploração, beneficiando apenas a empresa”.
Situações prejudiciais
De acordo com Chude Mondlane, no campo da produção publicitária, os aspectos prejudiciais envolvem situações em que as publicidades exploram mais o corpo da mulher para promover os produtos e serviços de uma organização, porque – além do lucro – esta situação pode gerar um efeito negativo na reputação da pessoa. Mondlane recorda-se de que um exemplo muito actual do facto – que não tem nada a ver com a música – foi a campanha Esta Preta é Boa, promovida pela Empresa Cervejas de Moçambique para a marca Laurentina Preta.
Mas também existem outros efeitos perniciosos porque, muitas vezes, “a música é invocada para gerar paixões, emoções ou provocar sentimentos no imaginário das pessoas. No entanto, na maior parte de vezes, as emoções associadas às músicas já conhecidas não têm nada a ver com o produto. Para as pessoas mais conservadoras tais sentimentos podem ter alguma relação com eventos inolvidáveis – por si vividos – que numa determinada época marcaram as suas vidas ou uma determinada geração”.
Nesse sentido, a publicidade acaba por banalizar essa memória colectiva. Por exemplo, “as emoções associadas à música que têm a ver com a vida privada são muito importantes para determinadas pessoas. Elas reservam experiências fortes preservadas ao longo de muitos anos”. “O problema é que usando aquelas músicas para vender os seus produtos, as empresas de publicidade desvirtuam completamente essa história e as referidas memórias. E quando é assim, eu detesto muito porque eles estão a substituir a sua memória, a sua história, o significado que aquela música tem – para a pessoa – pelos seus produtos”.
O que Chude Mondlane pretende explicar é que, de certa forma, essa prática rouba-nos alguma coisa. “É como se se estivesse a usar figuras que contribuíram para a transformação social e histórica, para a revolução – e isso é frequente nos Estados Unidos – para promover simples produtos”. Em resultado disso, “essas figuras e as suas obras acabam por perder o sentido histórico que têm, porque a publicidade está a apagar essa memória colectiva”.
Nem todos ganham
De uma ou de outra forma, ainda que Chude Mondlane reconheça a possibilidade de tais músicas serem enriquecidas de aspectos engraçados (o que só contribui para que os produtos sejam mais consumidos), na sua opinião, recorrentes vezes, além do apagamento da memória, “a relação entre os empregadores de publicidade e os artistas não tem gerado benefícios mutuamente equitativos”.
“Os artistas que costumam ganhar bem nessa relação são os mais conhecidos como, por exemplo, Jaz-Z, Beyoncé, entre outros. Nós, os menos conhecidos, somos muito mal pagos”. Por exemplo, “eles podem pagar- nos durante algum tempo, mas depois – mesmo que a publicidade continue a fazer sucesso – imediatamente, perdemos o direito de auferir por esse trabalho”.
De acordo com a intérprete, em Moçambique, onde a questão dos direitos do autor ainda está infância a situação é muito mais complicada. Por exemplo, “se ao longo dos anos em que (como cantora) eu fiz publicidade para os produtos da Coca-Cola, a Sociedade Moçambicana de Autores (SOMAS) existisse e funcionasse devidamente, estaria rica”. Isso significa que nós podemos ter leis de incentivo à produção cultural, mas a legislação não basta é preciso que haja instituições que trabalhem para que estas leis funcionem.
Quem é Chude Mondlane
Chude Mondlane nasceu em Nova Yorque e cresceu na África Oriental, mas considera Moçambique a sua “casa”. É uma cantora inovadora e uma vocalista poderosa que desafia padrões e rótulos musicais. A partir dos ritmos musicais que explora – o Jazz, o Soul, o Funk, o Gospel, o Samba, a Salsa, a Makwayela e a Marrabenta – conhece-se o mundo. Mas o que mais a projecta é o Afro-jazz moçambicano.
Estudou coreografia, dança moderna e voz em Filadélfia, onde se tornou solista numa companhia de dança e mais tarde estudou Balé Clássico em Moscovo. Ganhou prémios em festivais internacionais e trabalhou com grandes artistas como Hugh Masakela, Abdulha Ibrahim, Roberta Flack, Marcus Miller, Lenny White, Gito Baloi e o grupo e Gino Sitson, “Vocal Deliria”.