A nova obra da célebre escritora moçambicana, Paulina Chiziane, chega ao público com uma questão que demanda a sua reflexão: Porque Quem Vibram os Tambores do Além? Desta vez, a escrita dá continuidade a uma discussão – já iniciada Na Mão de Deus, a sua penúltima criação literária – sob outro prisma. Para o efeito, para a co-autoria, até um curandeiro foi convidado. Chama-se Rasta Pita.
Enquanto instrumentos de percussão, os africanos têm imensos motivos para se congratular com os tambores (as congas ou batuques, como também são conhecidos) afinal, eles produzem sonoridades vigorosas e revigorantes. Também são empregues em variadíssimos rituais para a exaltação cultural, muitas vezes, evocando-se as ancestralidades dos povos.
Pessoas há que acreditam que quando dos tambores o som irrompe, cria-se o canto que seduz o corpo para o baile, alegra os Homens eivando os seus corações de sentimentos sublimes – mesmo que os motivem a lutar. Como a história testemunha, trata-se de uma luta em prol de um bem inalienável – a liberdade. Homens também há que acreditam que – no seu orgulho nacionalista e tribal – consideram que, além dos tambores, nenhum outro instrumento musical tem o poder de invocar os espíritos. Por alguns destes atributos, mais uma vez, os tambores foram imortalizada numa publicação literária de autoria de Paulina Chiziane.
Na cerimónia da publicação da obra com o título Por Quem Vibram os Tambores do Além, sobre a vida espiritual e dos curandeiros, a escriba revelou que os tambores gritam para libertar os Homens – os africanos focalizados – da opressão demoníaca. Nesse sentido, “tocam por mim, por ti e por nós, os curandeiros africanos, que seremos libertos por Deus”. Entretanto, apesar de levar uma vida consideravelmente humilde, na obra, Rasta Pita – o co-autor que é um curandeiro de nascença – narra eventos e visões que se originam numa dimensão sobrenatural. Trata-se de uma realidade sobre a qual a sociedade realiza uma série de indagações.
Com esta obra, em certo sentido, Paulina Chiziane foge um pouco do seu estilo quase ficcional que a caracteriza, a fim de – a partir de situações puramente reais – levar o leitor a reflectir sobre as práticas e tradições africanas como, por exemplo, o curandeirismo e a espiritualidade. É desta forma que na sua nova viagem literária pelo mundo africano, Paulina Chiziane revisita – com uma clara intenção de resgatar – as tradições, as práticas e os pensamentos africanos, com enfoque para os do povo moçambicano, para instalar uma discussão sobre a nossa cultura.
Segundo a autora, Por Quem Vibram os Tambores do Além tem o objectivo de responder algumas questões colocadas pela sociedade moçambicana no que concerne à vida espiritual. É por essa razão que, mais uma vez, Paulina Chiziane repete o refrão de sempre – a constatação de que, nas sociedades contemporâneas, se está a desvalorizar a africanidade.
Baseando-se nas peripécias de um passado colonial, Paulina Chiziane considera que quando o continente africano possuía líderes intelectuais e pensadores, o Ocidente explorou-a escravizando-os. Em resultado disso, ainda que a escravatura tenha sido abolida os sus impactos ainda se reflectem: “é que a escravidão levou consigo a nossa riqueza e os nossos heróis. Então porque é que dizem África não tem história? Eles deceparam-na a partir da raiz?”
Na verdade o que inquieta a romancista é aquilo que ela chama de desvalorização do cidadão africano, muito em particular quando o assunto tem a ver com a espiritualidade, a filosofia e a ciência – cujo domínio, muita vezes, diz-se que é exclusivo do brancos. Para Paulina, se a acrítica ocidental em relação ao africano só tem a missão de desvalorizá-lo, então, ela deve ser desvalorizada porque foi a partir do continente africano – considerado mísero – que nasceu Moisés – o escolhido de Deus. “Se mesmo Moisés era africano, como dizem que em África não temos santos e consideram as religiões e costumes africanos diabólicos?”
Os espíritos
Comentando sobre a obra, o curandeiro Rasta Pita considera que todos os Homens têm algum espírito. Para o autor, os espíritos e a espiritualidade sempre acompanharam, e acompanharão, o curso da humanidade. Por isso, os espíritos têm – na compreensão de Rasta Pita – uma identidade própria sendo, por isso, criações que se originam de Deus. Além do mais, eles operam como se fossem “os auxiliares de Deus”. Na obra Por Quem Vibram os Tambores do Além, Paulina Chiziane explica que de todos os espíritos existentes, alguns são visíveis e outros não. Porém, os que são considerados visíveis têm a forma humana enquanto que os outros têm a forma meio humana.
No seio dessas criaturas sobrenaturais, umas têm a forma de animais que são independentes e circulam em três mundos, nomeadamente o mundo dos mortos, o dos vivos e das evidências dando avisos sobre o amanhã aos seus familiares. No todo, os espíritos são aquelas pessoas que viveram, mas que já saíram deste mundo. Eles podem ser compreensíveis, bondosos, guias e guardiães e podem também serem maus.