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Formação: um mito de que (não) se fala em Moçambique

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Há muito que se diga sobre a formação. Não raríssimas vezes ouvimos ou lemos que existe no país uma academia de futebol que visa pesquisar e formar talentos. O @Verdade convida o leitor, nesta edição, a fazer uma reflexão sobre o rumo desta actividade em Moçambique.

Torna-se caricato quando na maior competição futebolística de um país, como é o Moçambola, o melhor marcador é proveniente de um clube amador, sem pilares nenhuns de formação, com todas as deficiências que daí se esperam e ainda brilhar num colosso. Este dado, a olhos vistos, pode descortinar a era primitiva em que está entregue o capítulo de formação em Moçambique.

Quando num país não se consegue produzir referências de peso em um quinquénio, a mensagem que fica é clara: precisamos de tomar medidas urgentes para reverter esta situação. Se quisermos viajar na memória à procura de talentos nos últimos dez anos poderemos, sem dúvidas, descobrir um punhado deles. Seguindo a lógica de que o Desportivo de Maputo “pariu” nas suas fileiras Zainadine Júnior e Mexer, o Costa do Sol Nando Matola e o Ferroviário de Maputo, por sua vez, Simão Mathe Júnior, torna-se fácil concluir que os defeitos da nossa formação são ainda mais profundos. Aliás, estes exemplos não mentem.

Os motivos da fraca formação em Moçambique

Numa análise fria e despida de emoções, há quem imputa as culpas ao Estado Moçambicano. Existem clubes que são financiados pelos nossos impostos e com um bolo orçamental chorudo, mas que pouco se têm preocupado em trabalhar na formação de novos talentos. Aliás, o nível de investimento que as empresas públicas fazem, cria uma espécie de “preguiça” nessas colectividades que, pela sua pujança financeira, se limitam a comprar jogadores e a lutar por títulos.

Pode-se aqui chamar, por exemplo, o caso “Desportivo de Maputo” que durante vários anos foi o “celeiro” do futebol moçambicano no que diz respeito à formação e que, por insuficiência de fundos para “discutir” o mercado de contratações, se socorre das suas “canteras” para continuar a alimentar o seu próprio conceito de colosso, ainda que sem revelar capacidade para ombrear com os outros gigantes deste país.

Zuneid Sidat, empresário-FIFA, por outro lado, disse durante a Conferência Nacional de Futebol que os clubes não investem na formação porque “um investimento neste sentido significa abdicar da luta pelo título durante um bom par de anos, fazendo com que muitas colectividades invistam todo o seu orçamento nas equipas seniores”.

Hassane Jamaldine, director do Departamento de Futebol do Grupo Desportivo de Maputo é da opinião que “investir na formação não é só ter muitos atletas jovens aprendendo a jogar futebol. Pelo contrário. É preciso apostar na capacitação de treinadores pois estes são os maiores responsáveis pela área. Se um formador não tem uma boa bagagem em termos de conhecimentos, nós não temos garantias de que um jogador terá a qualidade desejável no futuro”.

Por outro lado, ainda na esteira da Conferência Nacional de Futebol, vários intervenientes acrescentaram que a formação em Moçambique se debate, igualmente, com a falta de jogos de controlo das respectivas camadas e com a inexistência de competições internas que visam conferir maior rodagem e experiência aos atletas, o que acaba lhes prejudicando quando ascendem aos seniores.

Academia Mário Esteves: Uma “coluna” de mazelas

A Academia Mário Esteves Coluna (AMEC), uma instituição de formação e “delapidação” de novos talentos de futebol, fundada pela Federação Moçambicana de Futebol (FMF) em 2002, na Vila fronteiriça de Namaacha, conta neste momento com 30 atletas inscritos de idades compreendidas entre os 13 e os 17 anos. Só em 2012, aquele centro tinha matriculado, na Escola Secundária da Namaacha, um total de 22 atletas.

Todavia, somente três conseguiram transitar de classe, dois foram expulsos por consumo excessivo de álcool durante as aulas e um desapareceu daquela instituição de ensino sem dar pistas. No ano em curso, ou seja, 2013, de um total de 30 alunos da AMEC, aquela escola expulsou seis pelos mesmos problemas relacionados com o consumo abusivo de álcool em pleno período de aulas.

Questionado se confirma a versão da direcção da Escola Secundária da Namaacha no que tange aos motivos pelos quais foram expulsos os atletas, o responsável máximo da AMEC, Razaque Manhique, afirmou e sem rodeios que foram, de facto, os comportamentos desviantes como, por exemplo, a embriaguez, as faltas injustificadas e os roubos de livros de turma que forçaram o afastamento dos mesmos daquela escola.

Ainda assim, é do conhecimento do @Verdade que os problemas da AMEC não se resumem apenas na indisciplina dos seus atletas na vida académica. O treinador alemão que era responsável técnico daquela instituição de formação, Sascha Bauer, desistiu do projecto sem, no mínimo, dar explicações ao patrono, neste caso a FMF.

No entanto, uma fonte ligada aos jogadores que pediu anonimato revelou que o alemão “fugiu” da academia porque não estava satisfeito com as condições de trabalho e que se sentia abandonado pelo respectivo director visto que, ainda de acordo com o nosso informante, o dirigente nunca esteve a par de tudo o que sucedia na AMEC por passar maior parte do tempo, tal como acontece actualmente, na cidade de Maputo onde tem as suas obrigações políticas. E mais. O referido treinador teria pedido à Federação Internacional de Futebol (FIFA) um fundo para subsidiar os atletas e que, estranhamente, eles só tiveram direito a 500 meticais/mensais entre Fevereiro e Junho, entregues pela direcção da AMEC.

O nosso interlocutor disse, ainda, que depois da partida de Sascha Bauer “o senhor José, que era o nosso cozinheiro, passou a exercer as funções de treinador até à chegada do mister Aquimo Rachide”. Entretanto, “o técnico Rachide trouxe outros problemas e talvez mais graves, visto que anda sem tempo por ser docente” conforme avançou o nosso informante que exigiu a condição de anonimato. Por outro lado, segundo relatos, os atletas teriam sido trancados num quarto durante duas semanas, acusados de roubo de luvas.

Durante esse período, eles foram privados de ir à escola e de estarem comunicáveis em virtude de a direcção da AMEC ter confiscado os respectivos telemóveis. “Foi graças a um dos nossos colegas que tinha dois telefones, sendo que haviam levado um, que conseguiu entrar em contacto com os seus familiares a denunciar a situação, tendo eles prontamente se dirigido à academia para exigir a nossa libertação” contou.

Razaque Manhique desdramatizou todos estes acontecimentos e começou por esclarecer que Aquimo Rachide treina os atletas da AMEC em dois períodos do dia, ou seja, de manhã e de tarde. No que diz respeito às acusações que pesam contra a sua direcção, o dirigente disse que “tudo isso não passa de uma mentira grosseira de gente de má fé e com o intuito de desacreditar o bom trabalho que temos vindo a fazer”. E acrescentou que “quem trancou os formandos foi Sascha Bauer. Na verdade não lhes trancou. Apenas separou uns dos outros e até ficaram em quartos que oferecem melhores condições, no cumprimento de uma regra que visava, única e exclusivamente, discipliná-los. Nunca houve intenção de aprisionar quem quer que seja”.

A versão da Federação Moçambicana de Futebol sobre a AMEC

O @Verdade questionou o director da AMEC, Razaque Manhique, sobre a proveniência dos atletas e o respectivo destino depois da saída daquela instituição. O nosso entrevistado, por sua vez, pareceu pouco convincente nas respostas, dando a entender que a escolha dos jogadores não é metódica e padronizada, sendo a mesma aleatória. Insatisfeita, a nossa equipa de reportagem “subiu” até ao primeiro andar do prédio Fonte Azul, na cidade de Maputo, para questionar à FMF sobre o funcionamento da AMEC. De António Chambal, vice-presidente para a Alta Competição, soubemos o seguinte:

- Não é tarefa de uma federação trabalhar na formação. Isso é trabalho dos clubes;

- Aos potenciais talentos, a academia pretende dar oportunidade de eles se formarem sob o ponto de vista desportivo e académico;

- Depois de passarem pela academia, os atletas vão para onde quiserem, visto que a federação não tem nenhum clube. Há quatro jogadores formados na AMEC que, a dada altura, ganharam bolsas de estudo para fora do país e que, depois de regressarem a Moçambique, foram parar no Ferroviário da Beira e no Vilankulo FC;

- A academia conta com dois executores, neste caso o director Razaque Manhique e o director do Gabinete Técnico, Augusto Matine;

- A federação tem consciência de que a academia precisa de mais recursos e de apoio.

- E a forma de recrutamento dos atletas não é das mais adequadas, pois os clubes é que deveriam enviar e pagar pela formação dos mesmos.

Ferroviário de Maputo: uma ilha que forma talentos do futebol moçambicano

O Clube Ferroviário de Maputo é das poucas colectividades no país que investe seriamente na formação de novos talentos, apesar de os problemas de sempre, relacionados com a falta de investimentos. Aquele clube tem, no presente, um plano claro na área que conta com a monitoria de uma das antigas glórias do futebol moçambicano, nomeadamente Ahmad Chababe, que exerce as funções de secretário técnico da Formação em Futebol daquele emblema da capital do país.

Segundo aquele profissional, com quem a nossa equipa de reportagem conversou, o Ferroviário de Maputo conta um projecto-piloto de formação denominado por Locomotiva de Esperança, iniciado há sensivelmente cinco anos com o então técnico Chiquinho Conde. Todavia, há três anos, Chababe deu continuidade ao programa logo depois da saída do antigo treinador ao Vilankulo FC. “A pesquisa de talentos é feita nas escolas e nos bairros, através de palestras que são orientadas aos petizes em que lhes mostramos as vantagens de praticar o desporto. Desta maneira conseguimos aliciar muitos jovens para o nosso clube, até porque a inscrição é gratuita” revelou.

Neste ano, as escolas de formação do Ferroviário de Maputo movimentam cerca de 90 petizes no escalão de infantis, divididos em três grupos de 30 elementos cada um. Os mesmos são treinados pelos formadores Abdul Khadir, António Júnior e Caravela. Os iniciados têm duas subcategorias, ora treinados por Pedro Macome e Alexandre Hua. Os juvenis estão a cargo de Sebastião Sitõe, sendo os juniores orientados por Relvas Marengula. Ainda de acordo com Chababe, monitor da formação do Ferroviário de Maputo, “todos os treinadores estão qualificados para trabalhar com os miúdos, sendo que quatro deles têm o nível C da CAF e os restantes com o nível básico”.

“É regra do Ferroviário os treinadores acompanharem o aproveitamento pedagógico dos atletas na escola, pois este clube incentiva a educação escolar dos mesmos. Estou muito satisfeito com as condições dadas à nossa actividade de formação. Nós, por exemplo, temos um autocarro para transportar todos os nossos atletas” revelou Chababe.

Como objectivos do clube locomotiva na componente da formação, o nosso entrevistado revelou que se pretende apostar nestes miúdos nos próximos anos, com o horizonte de não contratar nenhum jogador de fora a partir de 2015. Só neste ano, por exemplo, a equipa sénior conta com cinco jogadores do escalão dos juniores que poderão ser uma mais-valia a partir da próxima temporada. Aliás, estes mesmos atletas são os que militam na selecção nacional sub-20.


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