O Executivo moçambicano continua a ter um largo domínio subversivo e entorpecente sobre os tribunais, a Assembleia da República (AR) e o Conselho Constitucional (CC), segundo dados do relatório preliminar da 2a. avaliação sobre a “democracia e governação política” no país, apresentado na terça-feira (30), em Maputo, e elaborado no âmbito do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP).
Apesar da tendência de profissionalização dos mecanismos de nomeação de juízes e outros magistrados e da credibilização do sistema da Justiça, com julgamentos imparciais em casos que envolvem altas figuras do Estado, os cidadãos têm a “percepção de que tribunais não são independentes” e este problema é mais amplo e próprio sistema político.
Os tribunais não só demoram, como também enfrentam “dificuldades em fazer cumprir as suas decisões. A expansão das instituições da Justiça não se reflecte automaticamente no acesso à justiça.”
O académico e docente universitário Jaime Macuane disse que, não obstante haver fortalecimento da capacidade de debate no Parlamento, este não exerce plenamente o poder legislativo e de fiscalização do Governo. “Ainda é um órgão fortemente dependente do Executivo e largamente por ele influenciado.”
O CC acusa uma crise de credibilidade como órgão de verificação e controle das normas jurídico-constitucionais, prosseguiu o analista político.
Segundo ele, os contenciosos eleitorais que ocorreram em 2014 e a exclusão das candidaturas de Venâncio Mondlane, da Renamo, e da Associação Juvenil para o Desenvolvimento de Moçambique (AJUDEM) e do seu cabeça-de-lista Samora Machel Júnior, nas eleições autárquicas 2018), são sinais de que o CC foi abocanhado pelo poder Executivo.
Em Maio de 2016, o comentador político Jaime Macuane foi raptado nas proximidades da sua residência, no bairro da Coop, capital moçambicana, e conduzido até algures no distrito de Marracuene, província de Maputo, onde foi baleado com gravidade nas duas pernas por desconhecidos.
Para o académico e presidente do Fórum Nacional do MARP, Lourenço do Rosário, disse o politólogo foi amedrontado e correu risco de vida mas continua firme os seus ideais.
A liberdade de pensamento, de opinião e de expressão são conquistas de que os cidadãos devem se orgulhar. Contudo, por vezes, “ficamos tolhidos por pensar” na reacção da outra pessoa em relação ao que pretendemos exprimir.
“As ameaças, as violações à integridade física e o assassinato de cidadãos e jornalistas no exercício da liberdade de expressão e/ou de imprensa colocam o país numa situação de elevada percepção de inexistência das liberdades de expressão e imprensa”, disse Jaime Macuane.
No que diz respeito à garantia da promoção dos direitos políticos, económicos, sociais e culturais, o grupo de pesquisa confirmou o que muitos já suspeitavam: há “corrupção no acesso ao emprego nos sectores público e privado” e o mercado de trabalho é incapaz de absorver parte significativa da mão-de-obra.
No geral, a corrupção ainda prevalece e está em crescimento em Moçambique.
Aliás, o acesso limitado ao crédito para financiar iniciativas empreendedoras contrasta com o discurso que o Governo do dia tem vendido a todo custo, segundo o qual os jovens, sobretudo os que são anualmente colocados à disposição do mercado de trabalho, devem apostar em iniciativas de empreendedorismo.
Pacientes aguardam 4 a 6 horas na fila do hospital
Na área de saúde, a expansão dos serviços de saúde e a respectiva humanização, o tratamento anti-retrovirais para as mulheres grávidas e o envolvimento das comunidades em diferentes acções permitiram a melhoria do sector. Porém, muitos utentes queixam-se da falta de medicamentos nas unidades sanitárias e do elevado tempo de espera (varia de 4 a 6 horas).
“A resposta ao HIV/SIDA é também substancialmente dependente de parceiros internacionais.” Qualidade ainda fraca na educação Na educação, houve igualmente melhorias notáveis, mas os cidadãoes entendem que a qualidade de ensino reduziu, o orçamento alocado ao sector é deveras modesto e a retenção de alunos na escola prevalece um enorme desafio.
“A taxa líquida de escolarização no ensino primário aumentou para 84,4% em 2017, mas mais de metade de alunos não termina a escola e a qualidade da educação é baixa”, disse Jaime Macuane e endossou que “as crianças com deficiência enfrentam dificuldades no acesso à educação inclusiva, à saúde, às instalações públicas, incluindo unidades sanitárias e escolas. Há poucas casas de banho adaptadas”.
De acordo com Lourenço do Rosário, Moçambique precisa debater a relação entre o desenvolvimento e a demografia, uma vez que “a explosão demográfica é um dos factores de travão ao desenvolvimento”.
Pese embora o assunto não seja discutido no nosso país, “a explosão demográfica traz mais pobreza, mais desemprego nos jovens, mais dificuldades na segurança alimentar” e uma série de factores colaterais. Moçambique aderiu ao MARP em 2003, aquando da criação da União Africana (UA), que definiu que a boa governação devia ser o foco para os países africanos.
A avaliação visa apenas avaliar, monitorar e aconselhar, sem qualquer tipo de intervenção política do ponto de vista de influenciar, mas sim emite-se opinião. Em 2009 foi apresentado, na Líbia, o primeiro relatório sobre Moçambique. A avaliação/discussão é feita num encontro entre os chefes de Estados africanos.